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Pepe Escobar: Jogo de xadrez na Eurásia

Estão abertas as apostas sobre qual o maior acontecimento de 2011. O(s)Despertar(es) Árabe(s)? A contrarrevolução árabe, desencadeada pela Casa de Saud? As “doresdo parto” do Oriente Médio Expandido, já remixado para mudanças seriais deregimes? A R2P (“responsabilidade de proteger”) usada paralegitimar bombardeio “humanitário”? Ou o congelamento do “reset” entreEUA e Rússia? Ou a morte da al-Qaeda? Ou o eurodesastre?

Por Pepe Escobar

Estão abertas as apostas sobre qual o maior acontecimento de 2011. O(s)Despertar(es) Árabe(s)? A contrarrevolução árabe, desencadeada pela Casa de Saud? As “doresdo parto” do Oriente Médio Expandido, já remixado para mudanças seriais deregimes? A R2P (“responsabilidade de proteger”) usada paralegitimar bombardeio “humanitário”? Ou o congelamento do “reset” entreEUA e Rússia? Ou a morte da al-Qaeda? Ou o eurodesastre? Ou os EUA anunciandoum “século [do oceano]Pacífico” cum Neo Guerra Fria, agoracontra a China? Ou, talvez, o ataque que os EUA preparam-se para lançar contrao Irã? (mas esse, de fato, começou antes, com Jorge Dábliu, Dick e Rummy, háeras…)

Por baixo de todas essas tramas interligadas – e a histeria correspondente dasmanchetes, em estilo Guerra Fria –, há um fluxo pulsante, sem fim, que flui semparar: o Oleo-gasodutostão. Esse é o tabuleiro no qual se disputa aguerra-gêmea, semioculta, da “longa guerra” do Pentágono. Todos os atuaiseventos e desenvolvimentos geopolíticos têm a ver com energia. Assim sendo,apertem os cintos! É hora de revisitar o “grande tabuleiro de xadrez” do Dr.Zbigniew Brzezinski na Eurásia, para descobrir quem está vencendo as guerras doOleo-gasodutostão.

Conseguiram ingressos para a ópera?

Comecemos com Nabucco[1] (aópera do gás). Nabucco é, sobretudo, uma jogada chave de ataque, estratégica,que está sendo jogada pelo ocidente: trata-se de fazer chegar à Europa o gás doMar Cáspio. Executivos de energia falam de “abrir o Corredor Sul” (do gás). Oproblema é que esse “Abre-te, sésamo” só funcionará se for alimentado por umtsunami de gás que tem de vir de dois “-stões” crucialmente importantes:Turcomenistão e Azerbaijão.

Nabbuco, com seus 3.900km de extensão, atravessa cinco países – Áustria,Bulgária, Hungria, Romenia e Turquia – e pode vir a custar assombrosos 26bilhões de euros (US$33,7 bilhões) [1].

A construção – sempre adiada – deve começar em 2013. Hoje, de fato, tudo estáreduzido à confusão a mais completa. Ninguém sabe sobre preços, nem detalhesdos direitos de passagem pelos vários países. A Turquia quer revender, elamesma, o gás. E além do mais, se Baku e Ankara decidirem desenvolversimultaneamente a fase II [2] dos campos de Shah Deniz no Azerbaijão paraalimentar o gasoduto, precisarão de investimento extra de $20 bilhões.

O presidente do Turcomenistão, que carrega o espetacular nome de GurbangulyBerdymukhamedov, agarra-se a um script que é sua marcaregistrada (podem ouvi-lo cantar “For You, My White Flower”, de sua autoria,em http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=GSBXcfvwDXQ).Sempre repete que as muitas propostas da União Europeia “serão analisadas” eque a cooperação com os europeus é “prioridade estratégica” de sua políticaexterna. Mas o Santo Graal que a União Europeia busca – acordo assinado paraobter o gás – parece mais distante, a cada dia. Na Rússia e também noAzerbaijão, muitos apostam que o acordo jamais será assinado.

Nosso Gurbanguly, operador político esperto que é, antes preferirá pôs seusovos numa cesta chinesa – em vez de deixá-los rolar naquelas terras distantes eatordoadas pelo euro e suas complicações. Por isso o Azerbaijão vive de tirar ocorpo ante qualquer compromisso, ao mesmo tempo em que finge que estudapropostas. Gurbanguly sabe melhor que ninguém que, para os europeus, Nabucco éa via pela qual se pode livrar (pelo menos um pouco) das garras da Gazpromrussa. Ao mesmo tempo, dá tratos à bola para descobrir meios para maximizar seuslucros chineses, sem antagonizar a Rússia.

Toda a burocracia europeia que mereça a (má) fama que tem apoia o projetoNabucco [3], principalmente uma faminta Comissão Europeia (CE) – o ramo daUnião Europeia mais infestado de executivos de altíssimos salários. Aprioridade estratégica matar-ou-morrer da Comissão Europeia é ligar o porto deTurkmenbashi, no Turcomenistão, à península Absheron, no Azerbaijão por umoleo-gasoduto trans-Cáspio (orig. Trans-Caspian Gas pipeline (TCGP))[4]. Os dois portos são muito próximos. Fiz a viagem num cargueiro infestado deazerbaijoneses movidos a vodka, em menos de 12 horas.

Mas como fazer acontecer? Moscou fechou todas as torneiras do gás doAzerbaijão. A Gazprom confiscou todo o surplus de gás doTurcomenistão. A única opção seria o Irã. E quem informará disso o Senado dosEUA – que já declarou guerra econômica [5] ao Irã?

TAPI já!

É preciso voltar ao AfPak. Ninguém, nem as divindades que regem o Hindu Kushsabem se, algum dia, serão finalmente concluídos os 1.735 quilômetros dooleo-gasoduto TAPI (Turcomenistão-Afeganistão-Paquistão-Índia), que já custou$7,6 bilhões (e a cada dia mais custa).

Para Bayramgeldy Nedirov, ministro de petróleo e gás do Turcomenistão, “não háqualquer dúvida de que [o projeto TAPI] será realizado.” [6] Paquistão e Índia– depois de longuíssimas idas e vindas – afinal chegaram a um acordo sobrepreços. Cerca de 1/3 do oleo-gasoduto será financiado pelo Banco deDesenvolvimento Asiático [ing. Asian Development Bank] com sede nasFilipinas – dado que Afeganistão e Paquistão estão quebrados.

Imaginem uma serpente de aço que avança pelo oeste do Afeganistão rumo a Herat,desvia para o sul (enterrado, para evitar ataques terroristas) paralelo àestrada Herat-Kandahar, depois volta via Quetta – terra do El Supremo dosTalibã, mulá Omar – até Multan no Paquistão e chega afinal a Fazilka, litoraldo Índico.

Citando Sam Spade em Falcão Maltês, “Desse material são feitos ossonhos”, desde o governo Bill Clinton, muito antes do 11/9, e da hoje jávirtualmente extinta GWOT [global war on terror, guerraglobal ao terror]. Os mais cínicos podem ver aí uma ‘república de gás’, oTurcomenistão – dona da quarta maior reserva mundial – saindo-se muito melhorno trabalho de promover o desenvolvimento e a segurança no Afeganistão, que 100mil soldados dos EUA.

O gás para o oleo-gasoduto TAPI virá do novo campo do Yolotã Sul-Osman – que jáabastece a China (segundo os auditores britânicos Gaffney, Cline &Associates, é o segundo maior campo de gás do mundo [7], menor, só que o campode Pars Sul, no Irã). Nosso Gurbanguly, aliás, já assinou decreto que muda onome do campo de gás para Galkynys – palavra em idioma turcomeno para“Renascimento”. Afinal de contas, o reino de Gurbanguly é conhecido também pelocodinome “Tempos de Novo Renascimento e Grandes Transformações”. Essas“transformações” nada têm a ver com o(s) Despertar(es) Árabe(s).

Aqui se vê mais um gambito esperto jogado por nosso Gurbanguly. Ele mantém umaporta aberta para o projeto Nabucco, ao liberar o gás do campo Dauletabad nosul do Turcomenistão, por um gasoduto doméstico, até o Mar Cáspio e daí até oOH! Sempre Fugidio oleo-gasoduto Trans-Cáspio (orig. Trans-Caspian Gaspipeline (TCGP)). Até os (saborosíssimos) esturjões do Cáspio sabem que,sem um oleo-gasoduto Trans-Cáspio, o projeto Nabucco chegará já morto aohospital.

Há pelo menos um ano, nosso Gurbanguly repete, a todos os diplomatas e altosexecutivos do petróleo que apareçam, que rejeita a interferência da Rússia naestratégia turcomena para o gás. [8] Mas, parece, esqueceu de contar aosrussos.

O presidente Dmitri Medvedev da Rússia visitou, sim, Ashgabat – a Las Vegas daÁsia Central – para discutir negócios [9]. E lá, numa jogada arriscada, aGazprom, de repente, declarou amor eterno ao TAPI! Vejam só! Os EUA sonham como TAPI desde 1996… E agora, a rival Gazprom abocanha o negócio inteiro!Ninguém soube o que Medvedev ofereceu a Gurbanguly, para tirar-lhe da cabeça ossonhos de Louis Vuittons falsificadas. Provavelmente, nada. Voltaremos a isso,num minuto.

Pergunte às matriochcas[2]

O concorrente direto do oleo-gasoduto TAPI é o oleo-gasoduto IPI –Irã-Paquistão-Índia (a Índia, pressionada pelos EUA, já praticamente desistiu);a China está a um passo de gritar “truco!” e converter a coisa em oleo-gasodutoIPC – Irã-Paquistão-China. E querem saber? A Gazprom agora também quer entrarna dança Irã-Paquistão [10], ao lado da CNPC chinesa! O trecho iraniano dooleo-gasoduto está praticamente pronto. O trecho paquistanês começa a serconstruído no início de 2012. Mais um movimento de mestre enxadrista russo. EWashington nem viu o que podia estar vindo. E veio.

Qualquer matriochca de madeira sabe o queMoscou não quer que aconteça: que o capítulo afegão do Império de Bases Militaresdos EUA algum dia venha à luz. E há a questão da mudança de regime na Síria(com o fim implícito do direito de a Frota Russa no Mar Negro usar o porto deTartus). Há os avanços da OTAN no Mar Negro. Há a sempre crescente (pelo menos,na retórica) parede de mísseis de defesa dos EUA. E há a aposta dos EUA, de querepenetrarão na Ásia Central pela “Nova Rota da Seda” [11].

A Northern Distribution Network (NDN), montada pelos EUA, pelo menosformalmente, só está abastecendo soldados dos EUA e da OTAN no Afeganistãoporque recebeu autorização dos russos [12]. Essa linha de abastecimento é umatrilha quase infinita que atravessa a Eurásia, inclusive o Uzbequistão – cujaditadura sanguinária a secretária de Estado dos EUA Hillary Clinton elogioucomo “politicamente progressista” – e o Tadjiquistão. Não se pode dizer queforçar demais os russos seja estratégia exatamente vencedora.

Moscou vê também que Washington antagonizou virtualmente todos os grupos eforças, no Paquistão – com a “guerra dos drones”, ativospraticamente em tempo integral; com violações da soberania do Paquistão, tambémem tempo integral; com tão tolas quanto repetidas ameaças de ‘invadir’ e“capturar o arsenal nuclear de vocês”. Para Washington, prioridade é fazerIslamabad atacar os Talibã-no-Paquistão no Baloquistão e, assim, envolver-serapidamente numa guerra civil contra, não só os pashtuns, mas também osbaloques. Dado que, agora, Moscou – e Pequim – supervisionam o campo debatalha, podem deixar correr o tempo, bebericando chá verde.

Quando ex-vermelhos se enfurecem

A entente russo-chinesa não é exatamente um pas-de-deux doBalê Bolshoi.

A Rússia quer vender gás à China por $400/mil metros cúbicos, o mesmo preço quecobra da Europa. O esperto turcomeno cobra só $250 dos chineses. Pequim jágastou 4 bilhões de dólares no Yolotã Sul (e continua a gastar); querem todo ogás que consigam, para abastecer o muitíssimo bem-sucedido gasodutoTurcomenistão-Uzbequistão-Cazaquistão-China (que os chineses construíram) e quejá está operante há dois anos recém completados [13]. Pequim é insaciável: a CNPC,a gigante chinesa do petróleo, quer estar importando nada menos que cinco vezeso que hoje importa da Ásia Central, à altura de 2015 [14].

Isso significa que, para a China, o potencial negócio de $1 trilhão, de30 anos, com a Rússia pode não ser tão indispensável [15]. A estratégia da Gazpromresume-se a dois gasodutos da Sibéria à China. Para a Rússia, é absolutamenteessencial, em termos de extrair dinheiro da Sibéria. As ramificaçõesgeopolíticas são imensas. Um cordão umbilical de aço entre Rússia e China podeser interpretado na Europa – refém virtual da Gazprom – como, talvez, um sinalde que a Europa precisa mais do que nunca do Irã. Ao mesmo tempo, a Rússiacontinua extremamente desconfortável com o massacre energético que a Chinainflige a toda a Ásia Central.

Em super-resumo, eis o que pensa Pequim: não pagaremos os preços que a Europa pagapelo gás do Turcomenistão. E não queremos um oleo-gasoduto trans-Cáspio(orig. Trans-Caspian Gas pipeline (TCGP)) [4] até a Europa. Nem aChina, nem a Rússia, nem o Irã – ninguém, exceto a OTAN – quer o TCGP [16].

Com o quê logo se vê que os turcomenos podem vender gás à China e ao Irã. Podemvender, até, para o sul da Ásia, via TAPI (afinal de contas, a Gazprom russa jáentrou na dança). Mas os turcomenos não conseguirão vender gás para a Europa –onde a Gazprom reina. Ninguém entende como o nosso Gurbanguly conseguiu perceberisso.

Vem aí o Czar do Gás!

Examine-se a coisa toda por seja qual for o lado, é impossível fugir àsensação de que o Czar do Gas-oleodutostão é Vladimir Putin (e, como oExterminador, lá estará ele, de volta, em março de 2012, como presidente daRússia, queiram ou não queiram os EUA). Afinal, a Rússia produz mais petróleoque a Arábia Saudita (pelo menos, até 2015 [17]) e tem as maiores reservasconhecidas no planeta de gás natural. Cerca de 40% de todo o dinheiro do Estadorusso vem do petróleo e do gás.

O plano de Putin é enganadoramente simples: a Gazprom “invade” a EuropaOcidental e neutraliza a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).

Prova 1: O óleo-gasoduto Nord Stream [aprox. “Linha Norte”], de $12 bilhões e 1.224kmde extensão, construído conforme exigências de preservação ambientalextraordinariamente rigorosas, que começou a ser construído em setembro passado.É gás que vem da Sibéria, atravessa o subsolo do Mar Báltico, contorna aproblemática Ucrânia, e chega diretamente à Alemanha, Grã-Bretanha , Países Baixos,França, Bélgica, Dinamarca e República Tcheca (10% de todo o consumo anual degás da União Europeia, ou um terço de todo o gás que a China consome hoje). O presidentedo Consórcio de empresas que está construindo o óleo-gasoduto Nord Stream é o ex-chanceleralemão, Gerhard Schroeder.

Prova 2: O óleo-gasoduto South Stream [aprox. “Linha Sul”] (o acordo entre osacionistas já foi assinado entre Rússia, Alemanha, França e Itália). É gásrusso levado pelo subsolo do Mar Negro até a parte sul da União Europeia, atravésda Bulgária, Sérvia, Hungria e Eslováquia. Parte essencial de toda a negociaçãoforam os bons tempos que Putin passou ao lado de seu íntimo amigo, oex-primeiro-ministro da Itália Silvio “bunga bunga” Berlusconi.

Quando o óleo-gasoduto Nord Stream saiu do papel e começou a ser construído, Washingtonliteralmente enlouqueceu. Não só porque o Nord Stream redesenhou toda aconfiguração energética da Europa; também porque forjou uma aliança estratégicaindestrutível entre Alemanha e Rússia. Putin, melhor que ninguém, sabe o quandoos governos podem ser engessados por tubos de aço que transportam gás epetróleo.

E South Stream também está enlouquecendo Washington, porque põe a nocaute oprojeto Nabucco e é muito mais barato. Quem queira causa para batalhasgeopolíticas e geoeconômicas não encontrará melhor.

Para Washington – alarmada com o que os alemães chamaram deliciosamente de “parceriapara modernização” com a Rússia – restou a tarefa de promover a “resistência”europeia contra o massacre pela Gazprom, como se a Alemanha fosse o ParqueZucotti; e a Rússia, a Polícia Municipal de New York. Mais uma vez aqui, vê-seo Oleo-gasodutostão misturado a reverberações políticas.

Por exemplo: Alemanha e Itália são totalmente contrárias à expansão da OTAN. Porquê? Por causa de Stream Norte e Stream Sul. A formidável máquina exportadoraalemã é movida por energia russa; a frase bem poderia ser “Ponha uma Gazprom nomeu Audi”.

Como observou William Engdahl, autor do seminal A Century of War:Anglo-American Oil Politics in the New World Order, “Nord Stream e South Stream estão posicionadospara ultrapassarem o espaço da segurança energética mundial que existe hoje ecoreografarem juntos uma nova dinâmica de poder no coração da Europa.”[18]

O mapa do caminho de Putin é o documento assinado por ele, “A new integrationproject for Eurasia: The future in the making” [Um novo projeto de integraçãopara a Eurásia: o futuro da humanidade], publicado no jornal Izvestia no início de outubro [19]. Podeser desqualificado como megalomania, mas também pode ser lido como um ippon[3] –Putin adora judô – contra a OTAN, o Fundo Monetário Internacional e oneoliberalismo.

Sim, o presidente Nursultan Nazarbayev do “leopardo das neves” Cazaquistão jáfalava de uma União Eurasiática desde 1994. Mas Putin esclarece que não setrata de Back In The USSR[4],mas de uma “moderna união econômica e de moeda” que se estende por toda a ÁsiaCentral.

Para Putin, a Síria é só um detalhe: o que realmente conta é a integraçãoeurasiana. Não é supresa pois que os OTANistas tenham tido chiliques, ante suasugestão de “uma poderosa união supranacional que pode converter-se num dosvários polos do mundo contemporâneo, ao mesmo tempo que opera como eficienteelo de conexão entre a Europa e o dinamismo da Região do Pacífico Asiático”. Comparemcom a ‘doutrina’ do presidente Barack Obama e Hillary Clinton para “o Pacífico”[20].

Só 'integrem' quando eu mandar!

O cenário está posto para disputa a murros, nessa intersecção crucial dageopolítica hardcore e oOleo-gasodutostão. A “Nova Rota da Seda”, sonho de Washington, já é o que se pode chamar de fracasso [21].

Moscou, por sua vez, quer agora que o Paquistão seja admitido como membro plenoda Organização de Cooperação de Xangai [ing. Shanghai Cooperation Organization (SCO) [22]. E a China idem, emrelação ao Irã. Imaginem Rússia, China, Paquistão e Irã coordenando eles mesmosa própria segurança deles mesmos numa SCO fortalecida, cujo motto é “não alinhamento, nenhum confrontoe nenhuma interferência em assuntos internos de outros países”. “Responsabilidadepara Proteger” é que não é!

Mas dificuldades abundam. Para a China, a Organização de Cooperação de Xangaié, principalmente, organização econômica para promover o comércio [23]. Para aRússia, é, principalmente, um bloco de segurança [24], que tem absolutamente deencontrar solução regional para o Afeganistão (que mantém sob controle osTalibã) e, ao mesmo tempo, tem de pôr fim ao capítulo afegão do Impérios deBases Militares dos EUA.

Com o Oleo-gasodutostão se implantando, com Rússia, Ásia Central e Irãcontrolando 50% das reservas mundiais de gás, e com o Irã e o Paquistão jápraticamente integrados como membros da Organização de Cooperação de Xangai, onome do jogo passa a ser “Integração da Ásia” – se não da Eurásia. China e Rússiajá coordenam suas políticas exteriores até os mínimos detalhes. O truque éconectar a China e a Ásia Central com o Sul da Ásia e o Golfo – com a Organizaçãode Cooperação de Xangai crescendo como usina geradora de força econômica e desegurança. Paralelamente, o Oleo-gasodutostão pode acelerar a plena integraçãoda Organização de Cooperação de Xangai como contragolpe assestado contra a OTAN.

Em termos de realpolitik tudo issofaz muito mais sentido que a tal “Nova Rota da Seda” inventada em Washington. Masvá explicar isso ao Pentágono, ou a uma possível bomba iraniana, ou a uma Chinaque se assuste, ou a ao neo-drone-controlado-por-controle-remotopróximo presidente dos EUA.

Notas do original (em inglês):

1. Hungary sees Nabucco costsquadrupling, may sue French firm, Reuters, Oct 24, 2011.

2. Shah Deniz II Natural Gas Field:What Will Azerbaijan’s Decision Be? ITGI, Nabucco or TAP?, TurkishWeekly, 18 August 2011.

3. EU banks throw their weight behind Nabucco pipeline,EU Observer, September 2010.

4. Trans-Caspian pipeline vital toNabucco, Petroleum Economist, October 2011.

5. U.S. Senate Passes Iran OilSanctions as EU Blacklist Grows, Bloomberg, December 5, 2011.

6. ‘Gas pipeline deal for Paquistão,Índia imminent’ , The Express Tribune, November 5, 2011.

7. Second Gas Congress ofTurcomenistão, Open Central Asia, June 5 2011.

8. Gazprom Disbelief Draws Turkmen Ire ,Moscow Times, 22 November 2011.

9. Russia, Turcomenistão focus onenergy cooperation, Caspian problems, innovation BSR Russia, 24October 2010.

10. Russian gas giant may fund 780-kmpipeline, Paquistão Observer, August 22, 2011.

11. The United States’ “New Silk Road”Strategy: What is it? Where is it Headed?, US State Dept, September29, 2011.

12. US Now Relies On Alternate AfghanSupply Routes, NPR, September 16, 2011.

13. China plays Pipelineistan, Asia Times Online,Dec 24, 2009.

14. Central Asia-China Gas Pipeline’sCapacity To Nearly Double, Oil and Gas Eurasia, August 29, 2011.

15. Russia, China closer to gas dealsays Putin, RIA NOVOSTI, October 11.

16. China Plans To Buy AllTurcomenistão’s Gas To Scuttle Sales To Europe…, Geofinancial,November 24, 2011.

17. Saudi Arabia to overtake Russia astop oil producer-IEA , Reuters, Nov 9, 2011.

18. http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=27653 ,Global Research, November 14, 2011.

19. Izvestia publishes an article byPrime Minister Vladimir Putin on cooperation and interaction in the post-Sovietspace.

20. China and the US: The roadmaps ,Al-Jazeera, 31 Oct 2011.

21. US’s post-2014 Afghan agendafalters , Asia Times Online, Nov 4, 2011.

22. Russia endorses full SCO membershipfor Paquistão Dawn, November 7, 2011.

23. SCO member states vow to strengtheneconomic cooperation , Xinhua, Nov. 7, 2011.

24.Russia, China don’t see US in SCO ,Voice of Russia, Nov 1, 2011.

Notas dos tradutores:

[1] Nabucco, antes de dar nome ao gasoduto de que aí se trata, é título deuma ópera de Verdi, escrita em 1842, durante a ocupação austríaca nonorte da Itália, e rica em analogias e sugestões. Uma das árias de Nabucco (“Coro dos Escravos Hebreus” [Va pensiero… Minha pátria, bela e perdida], do 3º ato), acabou por tornar-se umaespécie de hino não oficial italiano. Pode ser ouvida, por exemplo, cantada 2011,no Teatro dell'Opera di Roma (http://www.youtu.be/watch?v=gaXE0v0bJoE&feature=related), com fala-manifesto do maestro Riccardo Muti, que, no bis, convida o públicoa cantar com o coro [NTs].

[2] Ver o que são as matriochcas (bonecas russastradicionais) em http://en.wikipedia.org/wiki/Matryoshka_doll [NTs].

[3] Ippon [judô: “o ponto completo”]. Há ippon quando um judoca consegue derrubar o adversário e oimobiliza, com as costas ou ombros no chão, durante 30 segundos. O ippon encerra e decide o combate [NTs,com informações de http://www.suapesquisa.com/educacaoesportes/judo.htm]

[4] Lit. “De volta à URSS” ou “láatrás [no sentido de ‘atrasado’] na URSS”. É título de uma canção dos Beatles,do ‘Álbum Branco’, de 1968. Na letra em inglês, há complexíssimos jogos semântico-sonoros,com subtextos, quase intraduzíveis ao português: “Back in the US,back in the US, back in the USSR”[lit. “De volta [back in] aos EUA/apoiando[backing] os EUA” [/us are/ = 'nós estamos'] “Devolta à/apoiando a URSS”. Há outros complexos jogos de sentidos e subsentidos nesselindo poema dos Beatles, p. ex.: “AndMoscow girls make me sing and shout, That Georgia's always on my my my my mymi-ind” [As moças de Moscou me fazem cantar e gritar: ‘aquela Georgiasempre sempre na minha cabeça], no qual ecoa, também “Georgia on my mind”, de1930, conhecida em todo o mundo na gravação de Ray Charles, e hino do estado daGeorgia, EUA, palco dos mais duros combates contra o racismo, nos EUA. Essa constelaçãode significados muito fortemente condensados é muito expressiva e nenhumainterpretação/tradução caberia em nota de rodapé. O poema dos Beattles pode serlido (e ouvido) em http://letras.terra.com.br/the-beatles/307/ e, cantado na Praça Vermelha, em Moscou,por Paul McCartney, em 2008, 40 anos depois da gravação original. Só cabeagradecer MUITO ao Pepe Escobar pela oportunidade de lembrar-atualizarprodutivamente, criativamente (e complexamente), tudo isso [NTs].

Fonte: Ásia Times Online