Turquia abre caminho para a Rússia rumo à Europa
O evento marco de 2011, na geopolítica da segurança energética, não será o negócio de petróleo que a China firmou na quarta-feira (28) com o Afeganistão [1]. Na madrugada da quinta-feira (29), chega a notícia de que Rússia e Turquia acertaram os ponteiros sobre o gigantesco gasoduto South Stream, que levará energia russa ao sul da Europa [2].
Por M.K. Bhadrakumar, no Indian Punchline
Publicado 02/01/2012 11:43
Ainda não se sabe o que levou a Turquia a mudar de opinião. Terão os russos feito concessões que os turcos consideraram interessantes? Seja como for, toda a geopolítica da segurança energética do mundo mudou, literalmente, do dia para a noite.
Os dois eventos — o negócio sino-afegão e o gasoduto South Stream — estão ‘correlacionados’, na medida em que a China chega afinal às reservas de energia da Ásia Central, ao mesmo tempo em que a Rússia olha para o ocidente e fortalece seu status de potência fornecedora de energia para a Europa.
De fato, nem as incertezas da segurança regional na Ásia Central impedem que a China ponha dinheiro sobre a mesa e busque novos métodos, criativos, para construir situações de “ganha-ganha” [3]. Nem, simultaneamente, os percalços no relacionamento com o ocidente (e, particularmente, o “reset” com os EUA) tiram um átomo do entusiasmo dos russos, que buscam ligar-se, por laços firmes, aos europeus afluentes. (…) Nem o tempo nem as marés esperam pelos retardatários.
O que a Rússia está fazendo é instalar firmemente, anel após anel, os seus elos de engajamento com Alemanha, Itália e França, de tal modo que se tornem “acionistas” na integração dos russos à Europa. Assim, passarão a ter de dar atenção às sensibilidades russas, em questões controversas, como a expansão da Otan ou a instalação do sistema de mísseis balísticos de defesa dos EUA — projeto no qual Washington tanto se empenha, e não por motivos de defesa.
O gasoduto South Stream sempre foi menina-dos-olhos de Vladimir Putin, e torna-se agora seu legado histórico à política externa russa. Não faltaram detratores, mas Putin insistiu sempre, muitas vezes contra todas as probabilidades. Com o outro gasoduto, o Nord Stream (também legado de Putin) já contratado há poucos meses, o South Stream integra ainda mais a Rússia e os mercados europeus de energia, e dá força a Moscou, que busca ganhar espaço no altamente lucrativo mercado de venda a varejo nos países europeus.
Em resumo, a integração doravante só aumentará. 2012 verá como a diplomacia do gasoduto fará aumentar a cooperação necessária para o desenvolvimento do fantástico campo de gás natural que os russos têm em Shtokman.[4]
A China observará tudo muito atentamente. 2012 será também o ano do ápice da cooperação energética Rússia-China, assumindo-se que chegue a bom termo o negócio de trilhões de dólares de gás, que enfrenta dificuldades, hoje, na fixação dos preços. Putin também se envolveu pessoalmente nesse projeto.
Não há dúvida alguma que Moscou derrotou a diplomacia dos EUA, nas questões de energia do Mar Cáspio[5]. O gasoduto South Stream, que a Rússia quer ter em pleno funcionamento em 2015, também desloca, em importância, o projeto rival Nabucco, que os EUA apóiam. A interdependência entre a Europa ocidental e a Rússia, no campo da segurança energética, é vista com extrema preocupação em Washington, porque trabalha contra a estratégia estadunidense para “conter” a Rússia e debilita a liderança trans-Atlântica dos EUA. Está em curso uma dura batalha de ambições entre EUA e Rússia, ambos tentando ganhar acesso às reservas de gás no Turcomenistão e no Azerbaijão.
O gasoduto South Stream reduz fortemente a dependência russa da Ucrânia, como país de passagem para o gás exportado para a Europa. O quê, por sua vez, altera a equação Rússia-Ucrânia.
Kiev pode escolher: ou se une à União Aduaneira de Moscou e obtém dos russos melhores preços pela energia, ou paga preços de mercado. Evidentemente, se a Ucrânia unir-se “ao lar eurasiano comum”, com Rússia, Cazaquistão e Bielorrúsia, Moscou terá deixado para trás o colapso da União Soviética — que muitos importantes líderes russos, como Evgeny Primakov [6], ainda entendem que nunca foi tão inevitável quanto tem sido pintado.
Não há dúvida de que a possibilidade de Putin voltar ao Kremlin desestabiliza o pessoal em Washington.
[1] 28/12/2011, People Daily, Pequim
[2] 28/12/2011, Reuters Africa
[3] 28/12/2011, Rawstory
[4] 28/12/2011, The Moscow Times
[5] 9/9/2011, MK Bhadrakumar, “Putin's European goal no longer a pipe dream”, Asia Times Online
[6] 26/12/2011, Russia Today
Traduzido por: Vila Vudu