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Abertura do ano legislativo: Muito ritual, pouca substância

O início do ano legislativo na última quinta-feira (2) é emblemático da encruzilhada histórica em que vive o Brasil. A começar pelo descompasso entre o ritual pomposo e o deserto de ideias.

Por José Reinaldo Carvalho*

Tapete vermelho, banda de música, hasteamento de bandeira, entrada triunfal no plenário dos presidentes das duas casas legislativas acompanhados pela representante da presidente da República, discursos encomendados, leitura de atas, protocolo e ritual, ritual e protocolo. De quebra, como prova da cordialidade brasileira, gestos falsos de convivência democrática, sorrisos maquiados, tapinhas nas costas, abraços de crocodilo.

O ritual exibe sinais equívocos. Mostra uma fachada de instituições funcionando, harmonia entre os poderes da República, disposição para enfrentar os problemas. Tanto quanto o ritual, a foto do plenário lotado também dá impressões enganosas. Ali quase não havia congressistas.

Pode-se alegar que “as coisas são assim mesmo”, que a falta de debates graves na inauguração da legislatura é hábito sedimentado da vida política brasileira e, afinal, é verão e pré-carnaval, então que rigidez é essa de exigir rigor no exercício dos mandatos e no funcionamento institucional? Pode ser. Mas não nos esqueçamos de que não só o riso castiga os costumes, como a mania de se distanciar das agruras do povo e dos impasses nacionais pode gerar, independentemente de qual seja a estação do ano, humores mais ácidos que se transformem em protesto e cólera.

Não devemos copiar modelos. Mas o Brasil é um caso único em que o contato entre os poderes Executivo e Legislativo é feito exclusivamente através de uma miríade de escalões intermediários, que entregam mensagens, encaminham medidas provisórias, despacham nomeações e liberação de verbas.

Faz falta um debate político mais aceso, o confronto face a face, que, sem ultrapassar os limites do respeito e da verdadeira convivência democrática, demarque os campos políticos, defina posições, aponte rumos e delineie os caminhos da luta política-ideológica que envolve o ato de governar e legislar.

A mensagem presidencial lida pela ministra chefe da Casa Civil ao Congresso está centrada nas inquietações governamentais com os desdobramentos da crise econômica sistêmica no Brasil. A chefe de Estado e governo pediu “disciplina” e “solidez” dos fundamentos econômicos, que a própria mensagem traduz como “superávit fiscal, atenção constante sobre a evolução dos preços, continuidade da redução da dívida pública brasileira como proporção do PIB e melhoria de seu perfil”. Uma velha receita, conhecida desde que o capital monopolista-financeiro empalmou as instituições encarregadas de tocar a chamada política macroeconômica.

Para que não vejamos o cenário tão sombrio, a mensagem presidencial sinaliza também com o crescimento econômico, o investimento no mercado interno, aumento da produção e geração de emprego. A presidente deixou patente também a continuidade dos esforços do governo pelo desenvolvimento sustentável e a erradicação da pobreza. Oxalá. Não cabem dúvidas de que obterá o consenso de sua base parlamentar e o apoio da população na concretização desses esforços.

As lideranças do governo propõem que a agenda legislativa priorize a aprovação da Lei Geral da Copa, o Código Florestal, a distribuição dos royalties do petróleo e um controvertido plano de previdência complementar do funcionalismo público, contestado pelos trabalhadores e sindicalistas do setor.

A oposição, cada vez mais esquálida, não tem proposições construtivas. Em simbiose com a mídia golpista, deblatera no vazio e aposta na desestabilização do governo.

O povo brasileiro com certeza espera muito mais do Congresso Nacional. Mesmo sabendo que estamos em ano eleitoral e sem ilusões de que tudo se resolverá na Praça dos Três Poderes, os eleitores e os movimentos sociais organizados têm expectativas amplas quanto aos embates políticos e a pauta parlamentar. É indispensável que as reformas estruturais democráticas entrem na ordem do dia. É inadiável a reforma política democrática, a reforma tributária que combata as desigualdades sociais e regionais, a reforma urbana, que encaminhe soluções de fundo para o drama em que vivem milhões de brasileiros nas grandes cidades, a reforma agrária e do modelo agrícola, a democratização dos meios de comunicação e a promoção de melhorias na saúde, educação e segurança pública.

São tarefas que dizem respeito a todas as forças democráticas, populares, progressistas, patrióticas e para cuja concretização o Congresso Nacional também poderia contribuir. A conquista de vitórias, ainda que parciais, na realização dessas reformas estruturais democráticas faz parte do processo de acumulação de forças para o Brasil abrir caminho ao seu desenvolvimento com valorização do trabalho, justiça social e soberania nacional.

*Editor do Vermelho