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Mídia: Caso Eloá deve ser tratado como violência contra a mulher

Acontece desde o início da manhã desta segunda-feira (13), o julgamento de Lindemberg Alves Fernandes, 25, acusado de matar a ex-namorada Eloá Pimentel, aos 15 anos, em 2008, em Santo André, ABC Paulista (SP). Para o movimento de mulheres, o caso é um exemplo de violência doméstica, que evidencia a desigualdade entre homens e mulheres e precisa ser tratado como tal. E não um fato isolado, mais um crime que chocou a opinião pública, como vende a grande imprensa.

“A grande mídia cobre com a perspectiva policialesca, isolando a violência doméstica. Falta a compreensão da cultura patriarcal , de dominação sobre o corpo da mulher, como se fosse propriedade privada. Ele a manteve sob cárcere privado. Por isso, é preciso fazer uma crítica sobre o papel da mídia de formadora. Ao invés de informar, somente reforça estereótipos”, afirmou ao Vermelho Elza Campos, coordenadora nacional da União Brasileira de Mulheres (UBM), referindo-se à cobertura na ocasião da morte e agora.

Em um balanço recente da Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180), surpreendeu o número de ligações de mulheres em situações de cárcere privado, que chegaram a 343 em 2011, segundo a Secretaria de Política para Mulheres (SPM).

O número equivale a quase uma denúncia por dia. Na ocasião da divulgação dos dados, na quarta-feira (8), a secretária Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres da SPM, Cida Gonçalves, declarou que “assusta o fato de que as mulheres são submetidas a uma situação de propriedade, algo desumano e cruel, sem direito de ir e vir”.

As circunstâncias da morte de Eloá, em 15 de outubro, teve um forte protagonismo da imprensa. A jornalista Sonia Abrão chegou a entrevistá-lo na TV, durante cerca de 20 minutos, ao vivo, em rede nacional, enquanto ele mantinha a menina sua mira.

Questionado se estava com medo de que algo acontecesse a ele, respondeu: “Eu não estou com medo não. Antes de entrar aqui eu já sabia do risco que eu ia correr, o que eu iria passar, já sabia mais ou menos o que iria acontecer”, admitiu Lindemberg durante a entrevista.

“Eu queria acertar as contas com ela. Eu tentei sentar com ela na boa, para conversar, e ela sempre virava as costas para mim. Então, tive que usar a força para fazer ela me ouvir”, justificou o ex-namorado, ao ser questionado sobre o porquê de sua ação.

Ou seja, desde o início a intenção era de “acertar as contas com ela”. Na ocasião, diversas organizações de mulheres e de saúde assinaram uma carta onde responsabilizavam a sociedade, que não acreditava que ele pudesse ser capaz de matá-la.

O sequestrou durou 101 horas, se tornando o mais longo caso de cárcere privado no Estado de São Paulo. Inconformado com o fim do relacionamento, o motoboy invadiu o apartamento em que ela morava com a família, rendeu a adolescente e um grupo de amigos que estudava em sua casa. Entre eles, sua amiga Nayara Rodrigues da Silva, primeira testemunha a depor depois do recesso do almoço, na tarde desta segunda-feira.

Nayara foi libertada depois dos dois colegas, na ocasião. No entanto, retornou ao cativeiro para negociar com Lindemberg, com aprovação da Polícia. Segundo declarações de agentes que acompanhavam o caso, a Polícia invadiu o cárcere após um disparo ter sido ouvido de dentro do local. O saldo: Eloá baleada na cabeça e na virília, morrendo horas depois no hospital, e Nayara atingida de raspão por uma bala no rosto.

"A Eloá falava o tempo todo que sabia que ia morrer", disse Nayara durante o depoimento nesta segunda. Tamanho medo que sente do acusado, pediu para depor sem a presença dele.

A advogada de Lindemberg, Ana Lúcia Assad, que mostrou vídeos sobre a cobertura da imprensa e entrevistas feitas com os envolvidos, antecipou que usará em sua argumentação a mídia e a polícia como principais elementos que contribuíram para a tragédia. Mais cedo, a juíza Milena Dias autorizou a inclusão da mãe e do irmão de Eloá na lista de testemunhas de defesa. Também foram dispensadas outras cinco testemunhas, entre elas Sônia Abrão.

Outros casos emblemáticos da violência contra a mulher ganharam as páginas policiais e não tiveram o tratamento correto. Como o da cantora Eliana de Grammont, então esposa do cantor Lindomar Castilho, que em 1981 matou Eliane com um tiro no peito; e de Maristela Just, assassinada em abril de 1989, pelo ex-marido José Ramos, em Jaboatão dos Guararapes, Grande Recife (PE). O cantor foi condenado a 12 anos e dois meses e cumpriu parte da pena em liberdade. Já o assassino de Maristela está foragido desde quando foi anunciada sua sentença, em 2010. Ele foi condenado a 26 anos de reclusão pelo homicídio duplamente qualificado; por mais 39 anos e 2 meses pela tentativa de homicídio qualificado contra seus dois filhos; e 14 anos pela tentativa de homicídio contra seu cunhado.

Lindemberg Alves, hoje com 25 anos, é acusado de homicídio qualificado, tentativa de homicídio qualificado, disparo de arma de fogo e cárcere privado em um total de 12 acusações. Nos próximos dias, sete jurados irão ouvir 19 testemunhas, no Fórum de Santo André (SP), sendo cinco de acusação e 14 de defesa. São eles que darão a sentença se Lindemberg é ou não culpado. A expectativa é que haja algum veredito até quarta-feira.

da redação, com agências