A política externa da Rússia após as eleições
Há tempo predomina entre os analistas políticos russos a idéia (desconfiança) de que entre os "gêmeos" políticos russos (presidente Dmitri Medviédev e primeiro-ministro Vladímir Pútin) existiam consideráveis diferenças quanto o exercício da política externa da Rússia.
Por Alex Corsini, no Monitor Mercantil
Publicado 08/03/2012 19:01
De acordo com esta avaliação, se Medvedev considerava a Rússia mais como um forte ator periférico, a percepção de Pútin projetava grandes ambições, considerando que a Rússia é um importante vetor de alcance mundial. Assim, o retorno do primeiro-ministro ao trono presidencial, provoca interesse adicional por prováveis modificações na política externa de Rússia.
Semana passada, em artigo no jornal Moskóvskie Nóvosti, Pútin declarou que "a Rússia continuará detendo o privilégio de conformação de uma indepedente política externa". Mas, simultaneamente, no mesmo artigo, Pútin reconhece que "a Rússia não é, muito menos deseja, encontrar-se isolada na arena internacional".
No mesmo artigo, aliás, refere-se às "particularmente compostas e complexas" relações da Rússia com outros atores internacionais, como EUA, China, União Européia (UE), Índia. assim como nas interestatais uniões da Organização das Nações Unidas (ONU), da Organização de Colaboração de Xangai, dos países em veloz desenvolvimento (Brics), da Organização Mundial do Comércio (OMC) e outros.
Desta forma, Pútin deixou mais do claro que, ainda para um país com forte arsenal nuclear, gigantescas reservas de recursos naturais, matérias-primas e desempenho econômico em ascensão, as relações de interdependência que conformam-se no âmbito do sistema imperialista mundial tornam bastante relativo o sentido de "independente" política externa, que comprova-se estreitamente dependente pelos interesses dos monopólios russos na disputa para conquista de mercados, o controle das matérias-primas e dos itinerários de seu transporte.
Relações com EUA-Otan
No mesmo artigo, Pútin acusa diretamente os EUA e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) de que compreendem de forma própria o sentido da palavra segurança e que têm sido dominados pela idéia de garantir a própria absoluta invencibilidade.
Pútin adverte a ambos de que "a segurança no mundo pode ser garantida somente em comum com a Rússia, e não procurando empurrá-la para trás, enfraquecer suas posições geopolíticas e agredir sua capacidade defensiva".
Particularmente, destaca os planos de expansão da Otan e o plano EUA-Otan para a criação do sistema de defesa antimísseis na Europa, o qual, conforma salienta, "provoca as legítimas preocupações russas". Sublinha ainda que, "embora a Rússia tenha procurado a melhoria de relações com a Otan, esta cria antecedentes que não ajudam em nada para o surgimento de clima de confiança".
Particularmente agressivo tornou-se Pútin – durante entrevista com jornalistas estrangeiros – com relação aos planos de "ignorar" a Rússia no Conselho de Segurança da ONU pelos EUA e seus aliados na Otan, com resultado desta buscar assumir funções que, como destaca Pútin em seu artigo, "tudo menos combinam com um acordo defensivo".
Como exemplo de como "ignoram a Rússia", Pútin trouxe as evoluções no Grande Oriente Médio e anotou que naqueles países que atravessaram a denominada Primavera Árabe as empresas russas perderam posições que haviam conquistado há anos naqueles mercados.
Relações com UE
Pútin atribuiu peso especial à necessidade de fortalecer as relações da Rússia com a UE e lembrou a quem possa interessar que a Rússia é parte integrante da Grande Europa e da ampla civilização européia. Também sublinhou que a Rússia deseja uma única e forte UE.
Por outro lado, pediu que cessem os obstáculos na ação dos monopólios russos na Europa. E como exemplo relatou os planos energéticos da UE para limitação dos monopólios energéticos russos, assim como na fracassada tentativa dos monopólios russos para assumirem o controle da indústria automobilística Opel.
Por fim convocou os cidadãos europeus a abandonarem possíveis "rancores" do passado contra a Rússia que impedem a ampliação das relações UE-Rússia e sugeriu a criação de uma área econômica comum do Oceano Atlântico até o Oceano Pacífico, a União da Europa.
Durante a entrevista, Pútin não dissimulou a importância que a Rússia atribui à sua colaboração estratégica com as Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Sabe-se que a Rússia procurará a colocação em comum destas potências na "arena internacional" para solução a em comum dos graves problemas periféricos e mundiais, sem semear ilusões para conformação de uma suposta "ordem igualitária mundial".
Pútin reconheceu que "embora as questões políticas básicas com a China já tenham sido solucionadas", em algumas outras questões permanece certa rudeza nas relações sino-russas e como exemplo citou o fato de que "coexiste antagonismo, para o controle dos mercados e das materias-primas".
Direitos humanos
"Os EUA e outros países ocidentais buscam a assumir a paternidade da defesa dos denominados direitos humanos", disse Pútin, e citou como exemplo a Líbia, onde uma série de Estados, com a cobertura de slogans humanitários, liquidaram o regime da Líbia, "com particularmente horripilante cena do assassinato de Kadafi", prosseguiu Pútin.
Ainda anotou que "a ONU e seu Conselho de Segurança deverão impedir eficazmente os esforços de certos países para se impor na arena internacional exportando a democracia de mísseis e bombas".
Neste sentido, Pútin apontou o papel do Brics como sendo "aquele pólo que atribuirá nas relações internacionais a poli-polivalência e o fim dos auto-eleitos nas relações internacionais".
Além disso, informou que a Rússia utilizará a questão dos denominados direitos humanos contra os países bálticos (Letônia e Estônia), exigindo deles a obediência aos princípios gerais que dizem respeito às minorias nacionais. "Não entraremos em acordo com o inaceitável regime dos não cidadãos que tem sido atribuído a milhares de cidadãos russófonos que têm sido cerceados em seus direitos políticos nestes dois países".
Assim, com o novo presidente, a Rússia buscará fortalecer seu papel internacional. Deverá elevar o valor das antigas e conformar novas alianças que alavancarão os interesses dos monopólios russos. Também deverá exibir, com destaque, seu poderio nuclear, seus altamente especializados recursos humanos, a tecnologia (em grau elevado "herança" do sistema socialista), em sintonia com a gigantesca riqueza natural e recursos que continuam mantendo a Rússia em posição de destaque na "pirâmide" imperialista mundial.