Jogo do bicho absorveu agentes da ditadura militar

Livro Memórias de uma Guerra Suja mostra como a prática usada no esquema de Carlinhos Cachoeira, com o emprego de arapongas por esquema de contravenção, nasceu com decadência do SNI no fim da ditadura de 1964

Carlinhos Cachoeira

A Operação Monte Carlo, da Polícia Federal, mostrou neste ano que o bicheiro Carlinhos Cachoeira contratou ex-agentes da ditadura militar. Segundo o livro “Memórias de uma Guerra Suja”, o uso de policiais em esquema de contravenção teve início no processo de abertura política do País entre o fim dos anos 70 e começo dos 80.

Em depoimento aos jornalistas Marcelo Netto e Rogério Medeiros, o delegado de polícia Cláudio Guerra afirma que, com o encerramento das atividades dos grupos de combate à esquerda, muitos agentes ficaram sem função no Estado.

“Quando o SNI já estava na decadência, me arrumaram suporte financeiro, passei a ser ajudado pelo jogo do bicho”, diz Guerra. “(…) não me deixaram na mão, e a maneira encontrada para me bancar foi viabilizar a minha entrada no jogo”.

De acordo com Guerra, foi o coronel Freddie Perdigão que “o levou para o esquema”. Ainda segundo o livro, o delegado havia sido levado a agir em nome da ditadura pelas mãos de Perdigão. “Me recrutou, cooptou, comentou e treinou”, diz Guerra.

O ex-delegado dá os nomes dos comandantes da operação, “os mesmos de sempre”. Ainda na publicação, o delegado diz que foi apresentado ao bicheiro carioca Castor de Andrade (1926-1997). Ele é reconhecido como um dos maiores e mais poderosos empresários do jogo do bicho de todos os tempos. “A relação entre Castor e as Forças Armadas era tão próxima que ele tinha até uma credencial do Cenimar (Centro de Informações da Marinha)”, afirma. “Ele gostava de usá-la para dizer que era agente oficial da reserva”, completa.

Irmandade ainda existe’

Guerra relata que atuou com o chefe de segurança de todos os bicheiros do Rio de Janeiro e que, com a experiência adquirida, ele próprio tornou-se empresário. “Comprei uma parte das bancas do Zé Carlos Gratz (ex-bicheiro e ex-deputado estadual)”, diz.

O delegado afirma que, apesar da abertura política, ele continuou ajudando clandestinamente as polícias de São Paulo e do Rio de Janeiro. “Acabou a revolução, mas a irmandade continuou. A irmandade ainda existe, não morreu, os caras ainda servem uns aos outros”, finaliza.

A mais recente prova disso é a revelação da Polícia Militar de que o sargento aposentado da Aeronáutica, Idalberto Araújo, o Dadá, e o sargento da Polícia Militar do Distrito Federal, Jairo Martins, atuaram como arapongas no esquema de Cachoeira.

Por Tales Faria e Adriano Ceolin, iG Brasília