Renato Rabelo: Selic, poupança e dívida pública

O que tem acontecido nas últimas semanas corrobora algo que vai além do horizonte: está-se encetando uma agenda nacional capaz de mobilizar o Congresso Nacional e a população em prol da produção e do emprego. A decisão política de atrelamento dos rendimentos dos novos depósitos na caderneta de poupança a 70% da SELIC mais a TR abre caminho para uma queda mais acentuada dos juros.

E isso não é qualquer diante de um país que se acostumou a diferentes cirandas financeiras criadas ao longo do tempo como forma de remuneração financeira ao núcleo das classes dominantes. Queda dos spreads bancários e a sinalização de que podemos, sim, praticar as mesmas taxas de juros praticadas no mundo sinalizam que o Brasil está se preparando para tirar remover os entulhos que travam o crescimento acelerado do país. Indica ainda a abertura de um relevo de ação política e estratégica capaz de colocar tanto o país, quanto as forças políticas interessadas no desenvolvimento e no progresso em outro patamar, com mais largas margens de manobra.

Problemas de ordem imediata e que comprometem nosso desenvolvimento foram alçadas ao topo da agenda nacional. O combate ao “trio da morte” composto pela política tributária que pune severamente a produção e os mais pobres, a taxa de juros que paralisa o crédito de longo prazo e a taxa de câmbio penalizadora da competitividade de nossa indústria está a ser enfrentada. A situação internacional força uma viragem no escopo dos objetivos do país. Não podemos perder o “bonde da história”.

A crise internacional e a correlação de forças devem pautar nosso pensamento e ação. A queda da taxa de juros abre oportunidades para mais ousadia e mais ousadia demanda mais força política para seguir adiante. O passo estratégico, o momento de plena fusão da política com a economia, ainda está por ser dado. Nosso país demanda uma grande discussão e um processo persistente sobre a definitiva separação entre a política monetária e a dívida pública pela via da extinção da taxa SELIC e a criação de um mercado de títulos da dívida com dinâmica própria, com taxas de juros incapazes de transmitir o contágio da dívida pública pela política monetária, onerando sobremaneira o orçamento da União.

Somos um dos únicos países do mundo onde a taxa de referência padronizadora de toda a economia é a mesma taxa que remunera os títulos. Essa é a grande batalha estratégica, aquela capaz de colocar em questão a própria base material (logo, de poder) das classes dominantes e seus históricos acordos tácitos. O “acúmulo estratégico de forças” ganha pleno sentido diante da clareza tanto das batalhas imediatas quanto as de longo prazo.