Pedro Benedito Maciel Neto: A Santa Inquisição e Zé Dirceu

O que o ex-ministro Zé Dirceu vem passando desde 2005 lembra a Santa Inquisição.

Por Pedro Benedito Maciel Neto*

A Santa Inquisição foi aquela medonha e vergonhosa corte religiosa, era operada por autoridades da igreja que decidia quem eram os hereges e se uma pessoa fosse considerada herege, a punição era entregue às autoridades seculares, pois "a igreja não derramava sangue". Parte da imprensa (a mesma imprensa que expressamente apoiou José Serra em 2010) tem feito as vezes da “santa inquisição” e decidiu que Zé Dirceu é “herege” e cobra do Poder Judiciário não um julgamento justo, mas uma punição dura.

O princípio de inocência ou Presunção da Inocência que é um princípio jurídico aplicado ao direito penal que estabelece a inocência como regra. Esse princípio é solenemente ignorado por setores da imprensa e da classe política, os quais apesar de saberem que somente após um processo concluído em que se demonstre a culpabilidade do réu, o Estado poderá aplicar uma pena ou sanção, mas Zé Dirceu é diariamente exposto a vergonha pública e tratado como se condenado fosse.

Esses setores da mídia desprezam a Constituição Federal que prevê no art. 5° LVII "Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado em sentença penal condenatória", e tratam o ex-ministro como condenado o que eu considero anti-jornalismo que lembra o método de propaganda do fascismo e a santa inquisição.

Que fique claro: não tenho nenhuma divergência à necessária investigação, mas divirjo do método de espetacularizar circunstâncias e condenar previmente aqueles que são, em principio e por principio, inocentes.

Esses setores da imprensa, assim como a santa inquisição, expõe o ex-ministro a vergonha pública recorrente (na idade média o herege era obrigar o uso do sambenito, uma roupa de penitente, usar máscaras de metal com formas de burro, usar mordaças). Mas esses mesmos setores da impresa não informam que boa parte das acusações iniciais contra Zé Dirceu foram abandonadas pela Procuradoria Geral da União e que as demais não estão baseadas em nenhuma prova documental ou testemunhal, tratando-se de verdadeiro auto-de-fé se ele for condenado será a vitória desses setores e daqueles que eles representam.

Alguns desses veículos qualificam o dirigente partidário e ex-ministro Zé Dirceu como chefe de uma organização criminosa e a capa de uma revista semanal referiu-se a ele como “O Poderoso Chefão”. Há condenação? Não, não há.

Mas há frequente desrespeito à privacidade e intimidade do cidadão Zé Dirceu, fato que por si só já mereceria atuação firme do Ministério Público e do Poder Judiciário, além de desagravo político do campo progressista.

Por que não se aplica o Princípio de Inocência ou Presunção da Inocência ao ex-ministro? Por que esses setores são tão generosos e comedidos com José Serra e sua filha Verônica Serra, apesar de todos os documentos apresentados pelo jornalista Amaury Ribeiro Junior e são pouco responsáveis e republicanos com Zé Dirceu?

Merece registro que Zé Dirceu nunca foi condenado por nenhum crime, mas apesar disso a mídia interfere no senso comum ignora a presunção de inocência e cria fatos, transformando em verdades suas versões oportunistas e fim: “Zé Dirceu é um herege e merece ser queimado em praça pública”, essa é a mensagem. Isso merece reflexão.

Mauro Santayana escreveu faz muitos anos que os semeadores a discórdia não precisam de terra boa para semear, pois transformam a terra mais infértil em fecunda usando como adubo a irresponsabilidade da mentira e da versão. É o que setores da mídia faz com um único objetivo: prestar-se a manter viva a campanha ideológica de combate às políticas macro-econômicas e às políticas sociais inauguradas no governo Lula e que seguem firmemente no atual governo da presidenta Dilma e tentar criar cizânia entre o ex-presidente Lula e a presidenta Dilma, entre o dirigente partidário Zé Dirceu e a presidenta.

Há outros elementos a serem considerados.

Como a oposição não tem elementos de critica substantiva, pois o governo federal além de bem avaliado é competente, acabou abraçando, com o apoio de veículos conservadores a bandeira da moralidade e da ética (menos por acreditar e praticar nessas categorias do que pela impossibilidade de fazer criticas de natureza substantiva ao governo federal e às suas políticas).

Penso que o combate à corrupção é necessário, mas não é uma agenda propriamente dita, não se deve suspender os programas e projetos de Estado ou de governo por conta disso, pois ele deve estar contido nas ações cidadãs, nas ações de Estado e de todas as estruturas e instituições públicas e privadas do país, por outro lado como afirmou Walter Pomar, dirigente nacional do PT, a uma revista recentemente a nossa postura em relação à corrupção deve ser “Denunciar, combater os efeitos e eliminar as causas. Para o que se faz necessário entender as raízes da corrupção”[1].

É uma pena que parte da mídia se preste a isso, pois é uma pauta hipócrita, quando há tanto a mostrar aos brasileiros acerca da verdadeira revolução estrutural e estruturante pela qual passa o país.

Mas quem é de fato Zé Dirceu ou José Dirceu de Oliveira e Silva? Zé Dirceu é herói de uma geração e isso tenta ser apagados através das mentiras e das versões repetidas milhares de vezes pelos serviçais dos setores conservadores e preconceituosos.

Por que herói? Porque, sob qualquer prisma que se analise, o jovem Zé Dirceu foi um Herói.

Foi líder estudantil, presidente da UNE – União Estadual dos Estudantes, da qual é presidente de honra, combateu a ditadura e por isso foi preso, em 1968, ao organizar e participar do 30º Congresso da União Nacional dos Estudantes, em Ibiúna (SP), um congresso organizado corajosamente na clandestinidade, foi um dos 15 presos libertados por exigência dos seqüestradores do embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick, foi banido do país pela ditadura militar.

Banido Zé Dirceu exilou-se em cuba, onde trabalhou e estudou, tendo corajosamente voltado clandestinamente ao país por duas vezes. Na primeira, permaneceu no Brasil entre 1971 e 1972. Voltou, em 1974, quando residiu em Cruzeiro do Oeste, no Paraná, por cinco anos. Com a anistia, voltou à legalidade, em dezembro de 1979.

Não há registro de que ele tenha participado da luta armada. Faço essa ressalva porque a luta armada mereceu e merece criticas – enquanto ação tática de combate, resistência e denuncia contra o regime de exceção – mas nenhuma critica racional retira dos jovens que tombaram ou daqueles que sobreviveram o único adjetivo que validamente lhes cabe: HERÓIS e suas ações são exemplo clássico de heroísmo. Por isso é injusta a perseguição em curso, especialmente com olhos no jovem Zé Dirceu.

E aquela geração toda que combateu, resistiu e denunciou as atrocidades cometidas pelos maus militares é cheia de exemplos heróicos e o jovem Zé Dirceu é desses heróis.

O jovem Zé Dirceu estava disposto, na luta pela democracia e por seus ideais, dar a vida aos seus irmãos, é herói porque renunciou a tanto e nada buscava para si próprio, ele e todos os jovens daquela geração são heróis porque eram mais que justos, eram generosos.

Por outro lado Zé Dirceu maduro, foi deputado estadual constituinte (exercendo mandato entre 1987 e 1991, nesse período, notabilizou-se pela forte oposição à administração do então governador Orestes Quércia), foi deputado federal (no exercício do mandato de deputado federal, foi o autor – ao lado do senador Eduardo Suplicy – do pedido para a instalação da CPI que levou o então presidente Fernando Collor de Mello ao impeachment), foi coordenador da campanha vitoriosa de Lula em 2002 e ministro de Estado, na vida pública do Zé não há uma mácula sequer anterior aos fatos de 2005.

Zé Dirceu nunca foi condenado pelos fatos de 2005 e a sua cassação pela Câmara dos Deputados será julgada pela história ou revista por aquela casa um dia. Ele, então um dos homens mais poderosos da republica, foi banido da vida pública pela segunda vez, mesmo sem prova documental ou testemunhal, mas esse é o jogo político, o objetivo era tentar desestabilizar o Governo do Presidente Lula. Mas Zé Dirceu manteve-se resignado. Uma atitude heróica, mais uma vez herói?

E novamente os representantes dos derrotados em 2002, 2006 e 2010 tentam atacando Zé Dirceu atingir Lula e Dilma.

Mas a verdade vai triunfar derrotar a mentira e a versão, armas dos mentirosos e dissimulados.

[1] Caros Amigos, outubro 2011, p. 20.

* Pedro Benedito Maciel Neto é advogado, professor e autor do livro Reflexões sobre o estudo do direito, ed. Komedi, 2007