Painéis Guerra e Paz de Portinari ficam em SP até dia 20

“Os painéis Guerra e Paz representam sem dúvida o melhor trabalho que eu já fiz. Dedico-os à humanidade”. A frase, dita pelo artista brasileiro Candido Portinari (1903-1962), tenta explicar a grandiosidade dos painéis que estão em exposição no Memorial da América Latina, em São Paulo, até dia 20 de maio.

Cada um dos murais tem 14 metros de altura por 10 metros de largura e pesam mais de 1 tonelada, mas a grandiosidade das obras não pode ser medida apenas pelo tamanho dos painéis e sim pela tocante mensagem de paz que destina ao mundo.

“Esta não é apenas uma exposição de arte. Esta é uma grande mensagem ética e humanista e que se dirige ao principal problema que o mundo vive hoje em dia: a questão da violência, da não cidadania, da injustiça social. Esta é a grande mensagem de toda a vida de Portinari e que ficou sintetizada nesses trabalhos finais que ele deixou”, disse João Candido Portinari, filho de Portinari, em entrevista à Agência Brasil. João Candido é o responsável pela realização do projeto, que trouxe as obras para o Brasil.

Terminadas em 1956, as obras permanecem atuais. As expressões de sofrimento das mães no painel que mostra A Guerra, por exemplo, podem ser comparadas a fotos de mães que sofreram recentemente no conflito na Síria. Segundo João Candido, essa comparação foi feita por um professor de Uberlândia (MG) que visitou a exposição e lhe mandou, por e-mail, uma fotomontagem comparando a mãe síria à pintura de Portinari. “Ela estava numa posição de desespero absolutamente idêntica a de uma mulher que estava no painel da Guerra”, falou João Candido.

Todo o trabalho que resultou em Guerra e Paz foi produzido por Candido Portinari entre os anos de 1952 e 1956. O trabalho foi encomendado pelo governo brasileiro para presentear a sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, onde os painéis foram instalados no hall de entrada, com acesso restrito ao público.

Uma grande reforma no edifício da sede da ONU, que teve início em 2010, deu a inédita oportunidade de trazer esses painéis ao Brasil. A primeira etapa da exposição ocorreu no Rio de Janeiro, em dezembro de 2010, reunindo mais de 44 mil visitantes. Em São Paulo, mais de 150 mil pessoas já visitaram Guerra e Paz. Até 2014, as obras ficarão em exposição pelo mundo, até que voltem em definitivo para a sede da ONU.

Os imensos painéis só puderam ser transportados porque Guerra e Paz consiste numa espécie de quebra-cabeça, composto por 28 placas de madeira compensada naval. No Brasil, as obras passaram por um processo de restauração, realizado entre fevereiro e maio de 2011 no Palácio Gustavo Capanema, no Rio de Janeiro. Com Guerra e Paz também estão sendo expostos 100 estudos preparatórios, além de documentos históricos como cartas, recortes de jornais e fotografias que contam, em detalhes, a criação dos painéis.

João Candido tinha apenas 13 anos quando o pai deu início às obras. “Eu vi um ato de heroísmo. É claro que naquela época eu não tinha condições para perceber isso. Eu só via um homem que pintava de manhã até de noite, em condições extremamente árduas. Ele trabalhava num galpão que era um antigo estúdio de televisão, emprestado pela Rádio Tupi, sem janelas, com teto de zinco e que chegava à temperatura de 45 graus Celsius. Ele tomava limonada o tempo todo para tentar sobreviver”, lembra. Segundo João Candido, o pai levou quatro anos fazendo os estudos para as obras e as pintou em apenas nove meses.

Guerra e Paz foram os dois últimos e maiores painéis criados por Portinari. Enquanto fazia o estudo preparatório para os dois painéis, os médicos o aconselharam a parar de pintar por causa do processo de envenenamento pelas tintas. Portinari rejeitou o conselho médico. “Foi fatal. Havia aquela proibição médica, que ele não respeitou. Mas ele não podia deixar de passar a maior mensagem da vida dele, a de paz”, disse o filho. Em 6 de fevereiro de 1962, Portinari morreu em consequência do envenenamento pelo chumbo presente nas tintas que usava.

O gigantismo das obras impressiona o público. A professora aposentada Nilsa Papaleo visitou a exposição na última sexta-feira (11). “Fico encantada em ver como uma pessoa pode fazer uma arte desse tamanho. Fiquei espantada [em saber] como transportaram, já que é um painel imenso. E aí me explicaram que é como um quebra-cabeça, todo dividido, que eles desmontam. É muito bonito, impactante”, disse ela, à Agência Brasil. Para ela, as obras apresentam a sociedade em que vivemos. “E continua do mesmo jeito”.

O médico Luiz Martinelli já tinha visto a obra na ONU. “Mas ver aqui é diferente. Estamos em casa. No nosso país é diferente. É mais gostoso”, disse. “Particularmente eu gosto mais de A Paz. Eu sou da paz”, brincou. “Em A Guerra, vemos as pessoas sofrendo. É uma imagem mais chocante. A paz sempre é mais bonita”.

Após receber a dica de um professor, que contou que a obra era da ONU, o estudante Pablo de Lima Almeida decidiu ir à exposição com um grupo de amigos. À Agência Brasil, contou ter gostado mais do painel que retrata a paz. “É mais bonito”, disse ele.

Já a aposentada Cristina Figueiredo, que sempre gostou de arte, decidiu visitar a exposição antes que ela terminasse. O impacto das obras, segundo ela, é grandioso. “Eu tinha visto Guernica, do Picasso, que também é impressionante. Mas este aqui tem o nosso colorido, o colorido brasileiro, o que para mim é muito importante”, falou, lembrando da atualidade da obra. “Li em algum lugar que ele (Portinari) retrata a guerra como uma coisa que sempre pertenceu à humanidade. Ele não retrata uma (única) guerra, como é o caso de Guernica, que aborda a Guerra Civil Espanhola. Ele retrata a guerra que sempre existiu na humanidade e que, infelizmente, continua existindo”, disse.

Essa grande mensagem do artista Candido Portinari ao mundo, os imensos painéis que formam a obra Guerra e Paz, deve permanecer no Brasil por um tempo maior do que o esperado. No Memorial da América Latina, em São Paulo, onde está exposta atualmente, a exposição foi prorrogada até o dia 20 de maio, com entrada franca. Depois, ela deve ter como destino a capital mineira, Belo Horizonte (MG), antes de atravessar o oceano, seguindo provavelmente para a Noruega e para a China.

Elaine Patricia Cruz, para a Agência Brasil