Manuela D’Ávila fala sobre seus planos para Porto Alegre

Acometida de um torcicolo na manhã em que recebeu a reportagem do Metro Porto Alegre, a deputada federal Manuela D’Ávila não se intimidou com as dores musculares e falou por quase uma hora, praticamente sem parar, sobre suas propostas para Porto Alegre. Pré-candidata do PCdoB à prefeitura da capital, ela promete transformar Porto Alegre em uma cidade tecnológica, com investimentos em transporte, segurança e saúde.

Manuela D’Ávila fala sobre seus planos para Porto Alegre - Metro Porto Alegre

A parlamentar avisa que o ritmo intenso de trabalho será o mesmo durante toda a campanha: invariavelmente o primeiro compromisso é antes das oito horas e o último, após as 20 horas. A seguir, trechos da segunda entrevista dos principais postulantes ao Paço Municipal:

Metro Porto Alegre: Por que disputar a prefeitura?
Manuela D’Ávila: Por vários motivos. Quando perdi a eleição de 2008, passei quatro anos observando tudo o que dava certo no Brasil, no mundo, nas grandes cidades parecidas com Porto Alegre. Acredito que tenha boas ideias para ajudar a resolver os problemas das pessoas que vivem em Porto Alegre. Depois, porque tenho experiência, adquirida em oito anos de mandato [dois como vereadora e seis como deputada federal] e muita vitalidade para me dedicar intensamente à nossa cidade. E porque eu gosto muito de Porto Alegre, sou apaixonada pela nossa cidade e, embora eu tenha um bom mandato federal, quero ajudar a cuidar das pessoas da cidade.

Metro Porto Alegre: A senhora nasceu em Porto Alegre?
MA: Sim, mas vivi alguns anos fora daqui. E isso me fez muito bem, porque acho que é preciso estar fora de Porto Alegre para entender Porto Alegre. Uma parte grande da cidade é formada por pessoas que vieram para cá, então é preciso entender como elas chegam, como se deslocam aqui dentro. É preciso entender as expectativas de quem vem para cá.

Metro Porto Alegre: Quais são essas boas ideias a que a senhora se refere?
MA: Acho que um pouco da resposta está nesse fato: o que as pessoas querem quando vêm para Porto Alegre? E a resposta é simples: elas vêm em busca de qualidade nos serviços, na educação, vêm em busca de perspectiva profissional. Meu pai saiu de Jaguarão há 40 anos em busca de educação de qualidade. Ele veio para estudar. Onde está a saúde de qualidade? Aqui. Essas três áreas – saúde, educação e trabalho – são essenciais para organizar as propostas de uma administração.

Metro Porto Alegre: Poderia ser mais específica?
MA: A inovação tecnológica, por exemplo, tem que passar a ser o centro da gestão municipal. É preciso trazer a escola para o século em que a gente vive, modernizar o ambiente escolar, aumentar as vagas nas creches, já que Porto Alegre tem uma das menores coberturas do país. Também não consigo entender como a cidade mantém índices tão baixos no atendimento primário à saúde se foi aqui que surgiu essa prática, no Instituto Murialdo, e se formamos tantos médicos. Não somos uma cidade com falta de capital humano, falta é gestão. Acho também que é possível incluir a pauta da segurança nesse item da inovação tecnológica. Problema do povo é problema do prefeito. E a inovação tecnológica também pode ser parceira desse problema, com o cercamento eletrônico da cidade, com a criação de centrais de monitoramento e o cuidado com o espaço público. A inovação também precisa ser trabalhada no transporte público. O metrô vai ajudar a resolver os problemas de um quadrante apenas da cidade. E o que nós fazemos, mesmo na região norte, até o metrô ficar pronto? Precisamos de mais reengenharia de trânsito e de modernização da estrutura da transporte coletivo, com a adoção de paradas inteligentes, por exemplo. A inovação tecnológica tem que estar no centro da solução desses problemas.

Metro Porto Alegre: Como se faz para investir em modernização sem recursos?
MA: Em primeiro lugar, a capacidade de investimento da prefeitura cresceu mais de 30% no governo Fogaça/Fortunati. Mas o governo investe só metade desse total. Ou seja, tem como aumentar o investimento apenas com gestão eficiente. E tem como aumentar o próprio orçamento da cidade sem aumentar tributos.

Metro Porto Alegre: Como a senhora faria isso?
MA: A economia é uma engrenagem circular, uma coisa movimenta a outra. É uma estrutura dialética. Então, se aceleramos a velocidade com que os investimentos podem ser feitos, esse investimentos tendem a aumentar. Hoje se leva dois anos para fazer um edifício em Porto Alegre. Eu não me conformo de que a cidade tenha o mesmo salário médio de dez anos atrás, justamente na década de ouro do Brasil. Como que crescemos a massa salarial apenas 0,7% acima da inflação? Isso significa que nosso capital humano mais qualificado está indo embora daqui.

Metro Porto Alegre: A senhora tem alguma ideia de como segurar aqui esse capital humano, que se movimenta justamente em busca de oportunidades?
MA: Penso em três áreas: indústria criativa, turismo de saúde e turismo de eventos.

Metro Porto Alegre: A senhora falou em segurança. Como o prefeito lida com isso?
MA: É comum os prefeitos reclamarem do pacto federativo brasileiro, de que os municípios não têm um repasse proporcional aos serviços que assumem, essas coisas. É um choro correto até. Mas enquanto essa mudança não acontece, porque não buscar investimentos federais a partir de determinados projetos? Só para ter uma ideia, o estádio do Maracanã, sem os aditivos que já recebeu, foi orçado em R$ 860 milhões. O total de Porto Alegre no PAC da Mobilidade é R$ 560 milhões. Ou seja, disputamos poucos recursos federais. O prefeito tem que entender isso: é problema do povo, é problema meu. A ocupação do espaço público, por exemplo, é atribuição municipal. Se o prefeito cuidar bem das 700 praças de Porto Alegre, já vai ter dado uma grande contribuição para a segurança pública. Se cuidar bem das paradas de ônibus, também. Uma cidade ocupada, com movimento nas ruas, dá mais sensação de segurança.

Metro Porto Alegre: A senhora concorda com a restrição no horário de funcionamento dos bares?
MA: Nossa Secretaria de Indústria e Comércio não trata de desenvolvimento, trata de punição e fiscalização. O tema da prestação de serviços em Porto Alegre é sério, o prefeito tem que zelar pela manutenção de postos de trabalho. Quem gera emprego hoje na cidade? O setor de serviços. A Smic cumpre seu papel, não questiono isso. Mas quem trata do desenvolvimento nessas regiões da cidade? Ninguém.

Metro Porto Alegre: Mas a senhora defende ou não a restrição de horário?
MA: Defendo a criação de uma secretaria de desenvolvimento para cuidar desses temas. Temos hoje um número excessivo de secretarias, algumas que nem sabemos a finalidade, outras até sem secretário. Uma má organização administrativa. E não temos quem pense e desenvolva as potencialidades econômicas da cidade.

Metro Porto Alegre: Vou refazer a pergunta: como a senhora imagina conciliar os interesses de moradores, comerciantes e frequentadores dos bares, que nem sempre moram no bairro?
MA: Eu também defendo fiscalização. Só que o esforço da administração, a meu ver, deveria ser pela regularização da atividade comercial, e não pelo fechamento. A minha obsessão, como prefeita, será essa: uma cidade em ordem, uma cidade legal, mas parceira na construção dessa legalidade, e não jogando o empresário para a ilegalidade com um aparato burocrático obsoleto. É preciso ter agilidade para o processo de fiscalização ser justo. E os moradores, como ficam? Têm que ser respeitados, é claro. Se a fiscalização for justa, ele será respeitado. As áreas mistas da cidade pressupõem a existência de determinado comércio junto com moradia. Mas gostaria de lembrar que esse não é o único conflito em relação ao silêncio que existe em Porto Alegre. Temos problema com templos religiosos, com o aeroporto. Há moradores do centro que não dormem devido ao barulho das máquinas de limpeza da própria prefeitura. Então, a regra tem que ser a mesma para todos. Repito: a legalização das casas noturnas tem que ser uma obsessão da prefeitura. E não o fechamento. O espaço de boemia é saudável, o cenário cultural de Porto Alegre é tradicional no Brasil. Vamos perder isso também? Já não nos basta o Araújo Vianna fechado há tanto tempo?

Metro Porto Alegre: O Presídio Central é um problema da prefeitura?
MA: Fico muito feliz que essa preocupação com o Central tenha sido renovada. Eu presidi a Comissão de Direitos Humanos da Câmara e era muito comum ouvir que estava perdendo meu tempo me preocupando com presos. Mas ele está aí, não? Porto Alegre, por exemplo, tem um dos piores índices de contaminação por tuberculose do país. Um dos espaços de proliferação é justamente o Presídio Central. Eu defendo a implosão do prédio, a nossa meta não é a existência de um Presídio Central melhorado. Não existe isso.

Metro Porto Alegre: O modelo está errado?
MA: Exatamente, está fadado ao fracasso. Fico muito feliz que as pessoas percebam que não existe saída para a recuperação de presos que não seja um sistema penitenciário mais justo. O Brasil não tem pena de morte. Portanto, temos de trabalhar com a perspectiva de recuperação. Lá dentro tem 70% de pessoas que sequer foram julgadas. E só tem pobre, evidentemente. Então, o Central é um problema para Porto Alegre em vários aspectos. Principalmente em relação à saúde.

Metro Porto Alegre: Como resolver os problemas de mobilidade urbana?
MA: A primeira ação é rever o papel da EPTC. Quando ela foi criada, seu papel era fiscalizar e ordenar o trânsito. Mas os parquímetros, que mais ocupavam o tempo dos agentes, foram terceirizados. Logo, sobrou basicamente a organização do trânsito. Porto Alegre precisa de dezenas, talvez centenas, de pequenas intervenções, como a inversão feita no binário Santo Antônio/Garibaldi. Uma solução simples e que se revelou brilhante. Depois, é preciso melhorar a qualidade do transporte público. A Carris não cria uma nova linha há quase dez anos. A última foi a T11, em 2006.

Metro Porto Alegre: A cidade cresceu muito nesse período, como é que as linhas são as mesmas?
MA: O prefeito tem que assumir um papel protagonista também em relação ao transporte público na região metropolitana.

Metro Porto Alegre: A senhora poderia explicar de que forma?
MA: Mais da metade dos ônibus que circulam em Porto Alegre é da região metropolitana, de outras cidades. Nos nossos corredores, eles não seguem as regras. O prefeito tem que brigar por essa regularização junto à Metroplan. É obrigação dele cuidar do corredor, fazer com que funcione. Quando eu for prefeita, só vai andar ônibus regularizado nos corredores, com padrão fixado em parceria com a Metroplan.

Metro Porto Alegre: A senhora acha que a Carris continua sendo uma referência em termos de transporte público de qualidade?
MA: Acho que o momento é delicado. A empresa aumentou seus cargos de confiança de oito para 53 em apenas quatro anos. O endividamento também cresceu muito. E não há justificativa para isso, já que o transporte público de Porto Alegre é superavitário. É um sinônimo de má administração. Enquanto andar de carro for muito superior a andar de ônibus, o trânsito não tem solução.

Metro Porto Alegre: O que tem de marxista ainda na sua proposta de gestão?
MA: Eu sou marxista. Tem tudo. A gestão eficiente e moderna é o Estado servindo ao povo, e não a meia dúzia de pessoas indicadas por um partido. Isso é uma gestão eficiente. A radicalidade de uma gestão moderna, tecnológica, com inovação, é o Estado a serviço da população. Essa é a máxima marxista, isso é que faz alguém ser marxista. Eu tenho uma avaliação de que a economia de Porto Alegre é hoje um limitador do seu crescimento, da sua visibilidade nacional, do seu protagonismo. Isso é ser marxista.

Metro Porto Alegre: O apoio da senadora Ana Amélia (PP) à sua candidatura passa por 2014?
MA: Não. Aliás, quem diz isso não me conhece e não conhece a senadora. Eu não prometi nada para a Ana Amélia e ela também não me pediria nada.

Metro Porto Alegre: Se ela for candidata ao governo em 2014, terá seu apoio?
MA: É muito cedo para falar disso. E ela jamais manifestou publicamente que deseja ser candidata.

Metro Porto Alegre: A senhora acha que a atual polarização se manterá até o final da campanha eleitoral?
MA: Nunca houve em Porto Alegre um período pré- eleitoral com a disputa tão polarizada como esse. Nunca. Não tenho elementos técnicos para dizer se vai mudar. Mas parece evidente que a candidatura do PT tem potencial. Vou trabalhar para estar no segundo turno e ser prefeita.

Metro Porto Alegre: Como a senhora se sentirá se tiver de interromper seu mandato federal para assumir a prefeitura?
MA: Acho que tenho um belo mandato federal, trabalhei para isso, superei muitos preconceitos porque não é fácil ser mulher em Brasília. Mas hoje eu me julgo preparada e com o gás necessário para ser prefeita. Minha capacidade de trabalho pode ser melhor aproveitada.

Metro Porto Alegre: A senhora se sente, como o ex-deputado Lula, inútil no Parlamento?
MA: Não (risos). O Lula não gostava de ser deputado. Eu, ao contrário, valorizo muito o Congresso. Acho que faço coisas importantes, mas acredito que poderia fazer muito mais.

Metro Porto Alegre:
Suas alianças não são muito abrangentes. Por quê?
MA: Porque temos critérios. Eu lamento muito que, publicamente, esteja tão evidente a forma como as alianças têm sido construídas aqui em Porto Alegre. Eu teria vergonha de fazer, e teria vergonha de dizer que fiz. O leilão do espaço público se naturalizou. Muitas coisas que são erradas vão se perpetuar, à medida que secretarias são prometidas de porteira fechada, como se diz. Isso é a antítese de uma gestão moderna e da eficiência do serviço público.