Participação popular é mais rápida que unidade internacional

A socióloga comunista Zillah Branco faz uma reflexão sobre o descompasso entre o amadurecimento político e a conscientização popular e analisa a Rio + 20, onde diferentes setores manifestaram, cada um à sua maneira, preocupações com o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável.

Por Zillah Branco*

O amadurecimento político é mais lento que a conscientização popular para os riscos de destruição do planeta. Percebe-se isto na Rio + 20 onde foi possível coexistirem tribos as mais diversas – de minorias étnicas, de mulheres, de intelectuais ambientalistas jovens e idosos, de aderentes às causas exóticas com arte e sem ela, de empresários preocupados com o mercado sustentável e de políticos em busca de consenso para promover as mudanças necessárias no mundo para reduzir as desigualdades e desenvolver as sociedades sem destruir a natureza.

Naturalmente, para os que estão mais diretamente relacionados com as condições objetivas de promover ações efetivas – seja em postos científicos ou políticos, que veem a necessidade urgente de assumirem compromissos nesta batalha, a consciência política é uma questão de sobrevivência na função profissional ou pessoal que ocupam. Não estão mais na situação dos amadores que se emocionam com as descobertas pessoais de que há muita miséria no mundo e que a ignorância aliada à ganância dos seres humanos tem produzido uma crescente destruição das reservas naturais. Além da ameaça à natureza em geral e, especialmente à natureza humana, os mais experientes conhecem as intenções dos que dão mais valor aos lucros e exercem pressões políticas sutis para que a riqueza e o poder não lhes escapem das mãos quando os projetos de igualdade e distribuição justa da renda sejam aprovados em todo o mundo para salvar o planeta.

WikiLeaks revela que EUA queriam adiar Rio+20

Tanto a gestão do ex-presidente dos EUA George W. Bush como a do atual chefe de Estado americano, Barack Obama, se mostraram contrárias à ideia do Brasil de convocar a Rio+20. O conteúdo dos telegramas revela que a resistência dos EUA à reunião ocorre desde 2008. Parte dos relatórios questionando a cúpula foram assinados por Hillary Clinton, secretária de Estado norte-americana e representante de Obama na Rio+20 esta semana.

Um telegrama de 31 de outubro de 2008 – assinado pela então secretária de Estado, Condoleezza Rice – deixa a entender que a ideia da realização do encontro veio do G-77, grupo de países em desenvolvimento. Naquele momento, não havia ainda um acordo de que a reunião ocorreria no Rio de Janeiro. "O presidente brasileiro (Luiz Inácio) Lula (da Silva) e o primeiro-ministro sul-coreano, Han (Duck-soo), propuseram sediar o evento.

Naquele momento, porém, a orientação de Condoleezza a sua missão perante a ONU era de tentar frear o projeto da reunião, alertando que 2012 não seria o momento. O principal argumento era de que uma agenda de trabalho já tinha sido estabelecida e seria concluída em 2017. Portanto, não haveria motivo para a convocação de uma nova reunião.

Condoleezza sugeria que a representação norte-americana na ONU explicasse que os EUA "não eram contrários à cúpula em si, mas estavam preocupados com os recursos, tanto financeiros como humanos, que seriam exigidos".

Obama assumiria a presidência norte-americana no início de 2009, dando ao mundo a esperança de que colocaria a questão ambiental no centro de sua agenda, reavaliando a política implementada por Bush, duramente criticada por ambientalistas. Mas em junho daquele ano, a secretária de Estado Hillary Clinton assinou uma carta que seria enviada para a ONU revelando que a resistência da nova administração em relação ao evento no Rio permanecia no governo dos EUA.

A secretária de Estado, Hillary Clinton, também chega à mesma conclusão que sua antecessora. "Se a meta dos dois eventos de alto nível é o mesmo, Estados-membros devem considerar adiar qualquer cúpula até 2017, quando teríamos uma oportunidade sem precedentes para reavaliar a história completa dos acordos de desenvolvimento sustentável e conquistas para que possamos nos informar sobre os próximos passos e embarcar em novas metas."

Até o argumento financeiro da gestão Bush voltou à tona. "Muitos governos, incluindo os EUA, não têm recursos e nem funcionários para preparar duas cúpulas em cinco anos." Segundo Hillary, Washington participaria dos debates sobre a conveniência de realizar a cúpula, mas o foco de Washington deveria ser "especialmente sobre a implementação de acordos já feitos".

As dificuldades políticas para que 120 líderes internacionais assinem um acordo estão presas às condições de dependência que os prendem às grandes potências. E, neste sentido, foi um grande êxito produzir um documento de intenções com representantes de países ricos, emergentes e pobres como aqueles que se situam em ilhas ameaçadas de desaparecerem com a subida das águas oceânicas. Os Estados Unidos previamente avisam que estão com dificuldades econômicas, mas será mais difícil agora, quando foram expostos os riscos de sobrevivência das populações miseráveis, negarem a sua ajuda reduzindo a poluição causada pela sua indústria.

Prefeitos de várias grandes cidades, incluindo Nova York, assumiram compromissos mais explícitos para reduzir os excessos – de consumo e de poluição. Mas o mais importante, que o Governo do Brasil introduziu nos encontros de lideres internacionais, foi a presença democrática daquelas organizações que levaram denúncias e exigências sem o peso da diplomacia. Elas consideraram o texto final assinado pelos governantes muito fraco, sem as decisões que lhes parecem óbvias e imediatas. Têm razão e devem continuar a lutar e a conscientizar os povos para vencer as pressões dos que não têm permitido defender a natureza e acabar com a pobreza no mundo.

*Zillah Branco é socióloga, militante comunista, conselheira do Cebrapaz e colaboradora do Vermelho.