Com o Vermelho, Aldo percorre assuntos nunca dantes navegados

Recém-chegado de Portugal, onde presidiu uma reunião de ministros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, e pertinho de embarcar para a Inglaterra, de onde acompanhará os Jogos Olímpicos de Londres, o ministro do Esporte Aldo Rebelo atendeu a um convite do Portal Vermelho, Rádio Vermelho e da Rádio Internacional da China para uma entrevista exclusiva. Com a humildade peculiar, chegou sozinho na sede do Portal Vermelho. Entre papos e entrevistas, estendeu sua visita por horas.

aldo e redacao - José Medeiros da Silva

Por Kerison Lopes, Joanne Mota e José Medeiros da Silva

Aldo fala com confiança na capacidade do povo brasileiro em realizar exitosamente a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016 e as vê como uma oportunidade para unir mais o Brasil e aprofundar a relação de respeito e amizade com os outros povos. E apresentar ao mundo os valores mais sublimes da nossa civilização.

“A Copa e as Olimpíadas não são apenas os dois principais acontecimentos esportivos do planeta, são os principais eventos do mundo. Os mais acompanhados, os mais esperados, os que reúnem o maior número de espectadores em todo o planeta, os mais universais. O Brasil não deve vê-los apenas como evento esportivo, mas como duas grandes oportunidades para o nosso desenvolvimento”.

O velho do Restelo

Em resposta às críticas dos pessimistas, que lutaram para que o Brasil não fosse a sede desses eventos e agora argumentam que o país não será capaz de realizá-los, Aldo recorre a Camões, o bardo maior da língua portuguesa, e aborda sociologicamente a questão.

“O pessimismo tem no Brasil raízes culturais, civilizatórias, políticas e ideológicas. Podemos localizar essa manifestação pessimista desde Portugal, na época dos descobrimentos, quando Camões relata nos Lusíadas a presença no porto, na saída dos navegadores, de um personagem que ele retrata como o velhinho do Restelo, que era um bairro de Lisboa, onde ele fazia sua pregação dizendo que aquilo era uma aventura, que aquilo não iria dar certo, que aquilo era um risco, que aquilo poderia terminar em coisas indesejáveis.”

Aldo diferencia esse pessimismo, de origem cultural e que compõe a nossa identidade em sua face cuidadosa e protetora, do negativismo de cunho ideológico, fruto das lutas políticas em curso. “Existe também o [ pessimismo] de natureza ideológica, política, porque como são eventos alcançados em um governo que enfrentou e enfrenta uma oposição conservadora no país, se trata de uma determinada luta, uma tentativa de desqualificação das possibilidades do governo, do Estado e da própria sociedade em realizar esse eventos.”

O ministro acredita que a capacidade dos brasileiros já foi demonstrada em desafios muito maiores que os que se avizinham. “O Brasil já fez coisas mais importantes e mais difíceis do que esses eventos. O mais difícil foi construir Manaus, construir Cuiabá (…) construir essas metrópoles, em lugares tão ermos, tão difíceis de acesso.”

Sobre a responsabilidade de liderar esse desafio, Aldo revela que já enfrentou empreitadas mais complicadas. “Relatar o Código Florestal foi muito mais difícil do que a Copa e as Olimpíadas, porque era uma batalha de ideias em que você tinha que apresentar soluções. Copa e Olimpíadas não têm segredos. De quatro em quatro anos tem uma, e todo mundo faz de um jeito ou de outro. Nós vamos fazer bem.”

O ministro tem uma visão sobre o esporte que vai além do senso comum. Ele o vê como uma atividade não apenas competitiva, mas lúdica, educativa e necessária ao desenvolvimento físico e psíquico do ser humano.

Caráter educativo do futebol

“Não é apenas a prática de uma atividade física, organizada com regras, competitiva. O esporte é também uma prática ligada ao entretenimento e ao lazer, e é educacional não apenas no sentido físico, mas também no sentido psicológico, no sentido de prevenir e levar a criança e o adolescente para uma atividade que o distancie de outras atividades de risco”, diz o ministro. Ele usa como exemplo a vida do escritor argelino Albert Camus: “Camus foi goleiro amador e disse que o que melhor aprendeu para a vida foi como jogador amador de futebol, como goleiro. Porque o ajudou a formar como homem.”

Aldo destaca o caráter educativo do futebol, “você aprende que a vida tem regras e também aprende sobre o relacionamento humano. Você tem que manter a dignidade quando perde e manter a humildade quando ganha. Aprender que as possibilidades são individuais e coletivas”.

Voltando aos desafios do Brasil na realização dos eventos internacionais, o ministro declara que sua expectativa não se limita aos aspectos econômicos, facilmente perceptíveis na geração de empregos e na ampliação de infraestruturas. Como estadista, percebe nos eventos um momento especial para o Brasil ampliar e melhorar uma imagem positiva que já tem no mundo.

Aliás, Aldo entende que a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016 deixarão um grande legado para o nosso país, mas que o mesmo deve ser compartilhado também para nossos vizinhos de América do Sul, nossos irmãos da Comunidade da Língua Portuguesa e demais povos da comunidade internacional. Pois “seremos não apenas nacionalistas, mas internacionalistas na geração dos benefícios desses dois grandes acontecimentos”.

Na construção dos eventos no Brasil, Aldo revela que o Ministério do Esporte pretende iniciar imediatamente a integração com esses países, por exemplo, no voluntariado para a Copa de 2014. “No caso da Copa, queremos que o voluntariado seja de todo o Brasil. Também pretendemos, através do voluntariado, integrar tanto a América do Sul quanto os países de língua portuguesa, porque são aqueles que estão mais próximos e com os quais nós temos mais facilidade de integração”.

Ultimamente, as copas e olimpíadas foram ou serão realizadas em países em desenvolvimento, como a China, a África do Sul, o Brasil e a Rússia, todos países do chamado Brics. Aldo acredita que essa tendência de internacionalização será intensificada. “A realização da Copa e das Olimpíadas está cada vez mais universal. Eram eventos que variavam pouco da América para Europa. Hoje não. Já teve na África, na Ásia (Coreia e Japão), as Olimpíadas de Pequim. A Copa do mundo vai ser realizada no Catar em 2022 e creio que a tendência é ampliar essa internacionalização”.

Parceria com a China

Pode-se argumentar que isso corresponde aos interesses do mercado, e Aldo diz que isso é verdade. “Claro que há influência e deformações trazidas pelo mercado para esses eventos, mas o que entusiasma, o que fascina a humanidade na copa do mundo e nas olimpíadas, é a fantasia do prazer estético de um belo jogo de futebol, de uma exibição de ginástica. A universalização não é uma coisa só do mercado, mas também vem do fascínio e da paixão pelo esporte.”

Quando a conversa chegou na China, Aldo lembrou que a relação do nosso país com a China está ligada à origem do próprio Brasil como nação. “Os portugueses, na sua ousadia, não passaram apenas pelo Brasil. Eles foram até a China, batizaram Macau, Formosa. Foram à Índia, a Goa, foram ao Japão, foram ao Vietnã. Quem verteu o vietnamita para o alfabeto latino foi um padre português [o jesuíta Francisco de Pina – 1585?/1625] e os vietnamitas se agarraram como símbolo de sua identidade, preservando esse alfabeto até hoje.”

Sobre as Olimpíadas de 2008, o ministro disse que a China demonstrou ali toda a sua capacidade, sua organização e seu poder de superação. “Acho que [a China] alcançou pleno êxito, apesar de todas as dificuldades que possa ter enfrentado. Estamos aprendendo com Pequim e vamos aprender também com a Olimpíadas de Londres.”

A parceria do Brasil com a China não deve se restringir aos jogos olímpicos, na opinião do ministro. Em uma mensagem aos chineses, ele anuncia que o Brasil vai emprestar todo apoio para que a China se prepare para realizar uma Copa do Mundo. “Se precisar, como uma missão oficial brasileira junto ao governo chinês para ajudar nesse esforço”.

Aldo se empolga quando trata da relação sino-brasileira, pois são projetos civilizatórios que podem ter papel importante no mundo. “A China não tem como tradição o expansionismo militar, o domínio sobre outros países. Nunca teve ambições de ocupar outras nações. O Brasil também nunca teve essa vocação anexionista. Sempre procurou resolver pela negociação, pela arbitragem, os conflitos. Acho que o Brasil e a China têm uma grande contribuição a dar aos seus próprios desenvolvimentos nacionais, mas também uma grande contribuição para o equilíbrio, para a paz e harmonia no mundo”.

Recorrendo outra vez a Camões, entre olhos fechados e pensamentos, Aldo fala como se pintasse na memória procissões de caravelas em mares nunca dantes navegados. Poetas e soldados a desbravar o mundo e forjar novas identidades civilizacionais. “Os navegadores partiram, foram conhecer o mundo e fazer novas descobertas, forjaram vários mundos, inclusive o Brasil.”

E se cabia aos reis tomar as decisões políticas nos períodos das grandes navegações, foram os navegadores, ancestrais do nosso proletariado, os responsáveis para implementar tal façanha, como Camões, poeta e soldado, que chegou inclusive a lutar na reconquista de Damão, na Índia, no dia 2 de fevereiro de 1559.

Origem popular como Camões

Herdeiro de Camões, Aldo segue sua marcha na construção do Brasil e o fortalecimento da comunidade de língua portuguesa. Nascido no mesmo solo de Zumbi dos Palmares e Graciliano Ramos, Aldo Rebelo, filho do vaqueiro José Figueiredo, chegou a presidir a UNE, a Câmara dos Deputados. Assumiu até a Presidência da República.

Apesar dos cargos, Aldo não se deslumbra com o encanto das funções. As assume como tarefas para a construção de um Brasil que ainda tem muito para avançar. “Uma prova de que a nossa sociedade ainda é uma sociedade democraticamente deformada é que o acesso ao esporte ainda não é suficientemente amplo para toda a população, principalmente para as crianças e os jovens.”

Com refinada erudição, Aldo gosta de discorrer sobre importantes instantes do processo civilizatório brasileiro. “Há muito tempo os descobridores do Brasil nos viam como o Eldorado. Ou seja, a terra da felicidade. Depois o Brasil como uma invenção civilizatória muito original e muito própria que os estudiosos já registravam, mas que muitos não compreendiam. Ou seja, o Brasil não é uma civilização puramente ocidental, nem é uma civilização oriental.”

Para Aldo, o Brasil é um projeto civilizatório miscigenado de indígenas, africanos e europeus, sem renegar nenhum dos seus troncos, porque deve a sua origem aos três. “Isso já foi visto com desconfiança, que achavam que era a causa do nosso fracasso, até que Gilberto Freire polemizou com os pessimistas da nossa miscigenação e provou que o Brasil poderia até ser melhor por causa disso”.

Aprofundar as trilhas da amizade iniciadas pelas nossa mais remota ancestralidade é o que pretende o ministro com a realização da Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Aldo não perdeu a simplicidade do sertanejo, mas agora seu sertão é o mundo.

Joanne Mota e Kerison Lopes são jornalistas do Portal Vermelho
José Medeiros da Silva é doutor em Ciência Política pela USP e especialista estrangeiro na Rádio Internacional da China, em Pequim

Acompanhe a entrevista na Rádio Vermelho.