Jandira Feghali: Preservando o orçamento da Seguridade
Uma das grandes conquistas da Constituição de 1988 foi estabelecer um sistema de seguridade social com fontes específicas para seu financiamento. Hoje, a Constituição determina que a Seguridade, que inclui Saúde, Previdência e Assistência Social, deve ser financiada por contribuições sobre a folha (as previdenciárias), sobre o faturamento (a Cofins e o PIS) e sobre o lucro (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL).
Por Jandira Feghali*
Publicado 03/08/2012 15:41
Quando se discute a redução ou isenção de impostos, é preciso verificar a que fim se destinam para que não recaia sobre o orçamento da Seguridade o ônus de desonerações que tem objetivos diversos daqueles propostos pelo sistema de proteção social. Assim, é justo que saiam do orçamento da seguridade os recursos necessários para cobrir a desoneração da contribuição previdenciária das microempresas, por exemplo.
Isso porque tal medida tem como alvo a geração de vagas no mercado de trabalho formal, ou seja, é uma medida de forte impacto social.
No entanto, os incentivos agora adotados em benefício das indústrias, que, sem dúvida, necessitam de medidas que as tornem mais competitivas frente ao atual desequilíbrio cambial, têm motivações diferenciadas. Refiro-me à recente aprovação da Medida Provisória 563/12, que faz parte do Plano Brasil Maior de estímulo à economia, e concede isenção tributária a produtos, estabelece regimes fiscais diferenciados e desonera a folha de pagamentos de alguns setores.
Notoriamente, esse subsídio, concedido inicialmente a alguns segmentos industriais e estendido a vários outros durante a tramitação da MP, não pode ser coberto com recursos da Seguridade Social, pois buscam solução para problemas que se originam, em maior grau, da depreciação cambial. Sem mencionar que, constitucionalmente, não cabe ao Orçamento da Seguridade Social financiar essas medidas corretivas.
Diante de tal motivação, para tais benefícios, o correto seria que a compensação das renúncias das contribuições previdenciárias fosse feita com recursos do Orçamento Fiscal. Quando a compensação se dá com recursos da Seguridade, penaliza-se o financiamento das atividades próprias desse Orçamento.
Durante o debate que se fez quando da aprovação da regulamentação da emenda constitucional nº 29, pouco avançamos na construção de um sistema de saúde integral e universal. O principal problema remanescente continua o subfinanciamento, sob argumento de que a União não poderia arcar com a expansão demandada. Mas, vejamos. Em 7 anos, as renúncias das receitas da Cofins saltaram de R$ 5,4 bilhões, em 2005, para R$ 34,6 bilhões, em 2011, uma variação de 500%. No mesmo período, os investimentos em saúde pularam de R$ 34,5 bilhões para R$ 72,3 bilhões, variação de 100%. Note-se que as estimativas de renúncia no ano de 2011 equivalem à metade de todo a despesa em Saúde.
Os incentivos são necessários e têm ajudado o país a atravessar com relativa tranquilidade as turbulências causadas pela crise internacional. É justo que o Estado intervenha e, dentro de uma visão desenvolvimentista, crie mecanismos para conferir competitividade à indústria e, ao mesmo tempo, poupe os que vivem da renda do trabalho de seus efeitos perversos. Mas não podemos admitir que isso se dê em prejuízo dos recursos que se destinam a Saúde, Previdência e Assistência Social.
Com esse argumento travamos uma luta, sem sucesso, desde a primeira tentativa de reforma tributária no Congresso Nacional. Agora, a partir de emenda por mim apresentada e aprovada, recupera-se o conceito de Seguridade Social e, pela primeira vez, se dá um passo importante na direção de preservar os recursos do orçamento da Seguridade Social. Em 2011, esses recursos somaram R$ 528 bilhões. Destes, R$ 451 bilhões foram aplicados em Saúde, Assistência e Previdência Social. A diferença tem sido destinada, todos os anos, para arcar com despesas estranhas à Seguridade, ou seja, o orçamento da Seguridade já sofre com destinações outras daquelas previstas constitucionalmente. Nada mais justo que seja recomposto quando a política econômica dele se socorre.
* Jandira Feghali é médica e deputada federal pelo PCdoB-RJ no exercício do quinto mandato.
Fonte: www.anfip.org.br