Pobres sofrem mais com a poluição urbana, diz médico da USP

Segundo Paulo Saldiva, professor da Faculdade de Medicina da USP, são motivos políticos e interesses econômicos que impedem as metrópoles brasileiras de reduzirem a emissão de poluentes. “O fato de tratarmos o solo das cidades como mercadoria faz a população mais pobre migrar para áreas mais acessíveis na periferia, aumentando o tempo de permanência no tráfego”, diz.

Por Isabel Harari e André Cristi

poluição são paulo

Por ano, cerca de 1,3 milhão de mortes no mundo são causadas pela poluição urbana, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Só em São Paulo morrem 4 mil por ano. Em 2004, quando o número de carros era um terço menor, estima-se que o número de mortes tenha sido 2,9 mil. Idosos, crianças, gestantes, portadores de doenças respiratórias e cardíacas crônicas e, principalmente, os mais pobres – que têm níveis maiores de exposição – são os principais atingidos.

Segundo Paulo Saldiva, médico especialista em poluição atmosférica e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), “não há impedimentos técnicos ou falta de conhecimento para que esse problema seja resolvido. No meu entendimento, temos todas as condições de resolver o problema da poluição do ar em nossas cidades em alguns anos”.

De acordo com a OMS, os elevados níveis de poluição na cidade de São Paulo são responsáveis pela redução da expectativa de vida em cerca de um ano e meio. Os três motivos que encabeçam a lista são: câncer de pulmão e vias aéreas superiores; infarto agudo do miocárdio e arritmias; e bronquite crônica e asma. Estima-se que a cada 10 microgramas de poluição retiradas do ar há um aumento de oito meses na expectativa de vida.

Nesta entrevista, o patologista apontou para as duas causas fundamentais do problema: o caráter segregador da ocupação do solo nas metrópoles e a falta de políticas públicas que privilegiem o transporte público. Segundo Saldiva, quem mais polui são os carros, e, nas grandes cidades do Brasil, a opção pelo transporte veicular sequer traz o benefício de uma mobilidade eficiente. “A existência de um transporte coletivo rápido, eficiente e barato daria a motivação para que a população migrasse para o transporte público”, afirma.


Paulo Saldiva

Pergunta: Segundo dados da Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental, ligada ao governo do estado de São Paulo) e do Laboratório de Poluição Atmosférica da Faculdade de Medicina da USP, os índices de poluição em São Paulo são os piores dos últimos oito anos e as doenças cardiorrespiratórias matam 20 pessoas por dia na região metropolitana. Há relação entre esses dois fatores?

Paulo Saldiva: O aumento dos casos de doenças cardíacas e respiratórias em nossas cidades tem várias causas: envelhecimento da população, sedentarismo, obesidade e também a poluição atmosférica. Nas cidades onde há grandes séries históricas de medições de poluição, como São Paulo e Rio de Janeiro, houve uma melhora contínua até cerca de 2005 e 2006. A partir desse momento, a tendência de melhora se interrompe, com evidências de piora, notadamente para partículas finas e ozônio. O mais grave é que o patamar onde estamos é reconhecidamente causador de dano à saúde.

P: Por que a poluição piorou a partir de 2006? Foi por causa do aumento da frota de veículos?

PS: A poluição deixou de melhorar a partir de 2006, estacionando em níveis inadequados para a saúde humana. Os poluentes que ficaram acima do padrão são o ozônio e o material particulado. A razão para isso é o aumento da frota e a lentificação do trânsito, que faz que os veículos emitam mais poluentes ao estarem presos em congestionamentos. A redução da velocidade do tráfego faz que permaneçamos cada vez mais tempo em meio a corredores de tráfego, onde os níveis de poluição são substancialmente mais elevados do que a média da cidade. Em outras palavras, quanto mais tempo ficamos presos em congestionamentos intermináveis, maior será a nossa dose de poluição. O tamanho do problema pode ser resumido da seguinte forma. Aproximadamente 12% das internações respiratórias em São Paulo são atribuíveis à poluição do ar. Um em cada dez infartos do miocárdio são o produto da associação entre tráfego e poluição. Os níveis atuais de poluição do ar respondem por 4 mil mortes prematuras ao ano na cidade de São Paulo. Trata-se, portanto, de um tema de saúde pública.

P: Quem são os principais atingidos pelo aumento da poluição?

PS: Idosos, crianças, gestantes, portadores de doenças respiratórias e cardíacas crônicas e, principalmente, os mais pobres, que têm níveis maiores de exposição.

P: Por que os mais pobres têm níveis maiores de exposição?

PS: O fato de tratarmos o solo das cidades como mercadoria faz que as áreas centrais da cidade percam população, notadamente a mais pobre, que migra para áreas mais acessíveis na periferia, aumentando, consequentemente, o tempo de permanência no tráfego. As casas das comunidades mais carentes são também as mais permeáveis à entrada de poluentes. Finalmente, é nos pontos de ônibus, pontos de alta concentração de poluentes, que a população mais desfavorecida passa longos períodos à espera do transporte.

P: Quais são as alternativas de políticas públicas que você sugere para diminuir a poluição?

PS: No meu entendimento, temos todas as condições de resolver o problema da poluição do ar em nossas cidades em alguns anos. Nas grandes cidades do Brasil, a poluição veicular é responsável pela grande maioria das emissões de poluentes. Mudamos o microclima urbano e poluímos o ar sem termos nem ao menos o benefício de uma mobilidade mais eficiente. A existência de um transporte coletivo rápido, eficiente e barato daria a motivação para que a população migrasse para o transporte público. Sabemos fazer metrô, construímos trens e nossos engenheiros produzem os grandes corredores de ônibus em Santiago, Bogotá e Pequim. Temos a disponibilidade de vários combustíveis mais limpos do que os que utilizamos. Não há, portanto, impedimentos técnicos nem falta de conhecimento para que resolvamos o problema. Faltam políticas públicas de médio prazo para privilegiar o transporte coletivo.

P: Além das medidas de mobilidade, existem outras que poderiam ser tomadas em outras áreas?

PS: Aumento da cobertura vegetal – que funciona como fator de redução de poluição –, medidas de readensamento urbano nas regiões centrais das cidades e políticas de incentivo aos combustíveis menos poluentes.

P: Se não há impedimento técnico ou de conhecimento, o impedimento é político? O que causa esse impedimento político?

PS: Dificilmente haverá um político no Brasil, nas presentes circunstâncias, que ouse implementar políticas de favorecimento do uso das vias pelo transporte coletivo ou ciclovias em detrimento dos automóveis. Também creio ser muito pouco provável que encontremos condições para combater a política atual de uso e ocupação do solo urbano, dado o estado de descrédito em que as principais forças políticas de nosso país se encontram. Por exemplo, a maior parte da população irá preferir pagar um pedágio urbano “indireto” – pagar estacionamentos particulares nos locais de trabalho ou perder horas de sono por causa dos congestionamentos – a pagar uma taxa para a melhoria do transporte coletivo. É uma situação que mistura uma crise de gestão política, interesses econômicos e falta de lideranças confiáveis.

P: Como o modo de vida nas grandes cidades pode afetar a saúde, além da poluição?

PS: O fator mais significativo é o estresse social. O conjunto de falta de mobilidade, ruído excessivo, sedentarismo veicular e violência faz que a incidência de doenças mentais e afetivas seja muito mais frequente nas cidades. Outro exemplo é a obesidade, produto do modo de vida que resulta da maneira como organizamos a cidade. Por exemplo, uma criança hoje não tem acesso ao espaço público por razões de violência. Nesse cenário, o jogo de futebol é no console eletrônico do Fifa 2012 e não na rua.

Fonte: Carta Maior