Repórter relata guerra entre a PM e o crime organizado
O repórter policial Josmar Jozino foi um dos primeiros a alertar sobre a existência do Primeiro Comando da Capital, o PCC, no país. Em 2000, recebeu o prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos. Em 2005, conquistou novamente o prêmio com o livro Cobras e Lagartos e, em 2008, novamente, com o Casadas com o Crime. Agora, ele lança Xeque-Mate: o tribunal do crime e os letais boinas pretas. Guerra sem fim. Em entrevista, fala sobre o novo trabalho e da dominação das ruas pelo crime organizado.
Publicado 13/08/2012 12:12
Jornalista desde 1994, Josmar é especialista em reportagens policiais e atualmente está na redação do Agora São Paulo. Quem já teve a oportunidade de trabalhar com ele, acaba enxergando o submundo detalhado em seus textos, "crônicas de mortes anunciadas", parafraseando o escritor colombiano, Gabriel García Márquez.
Na entrevista que concedeu ao Brasil de Fato, fala também sobre a proposta de desmilitarização da polícia e da situação atual que vive São Paulo. “Quando um policial é morto pelo crime organizado, vem a represália e aparece uma chacina. É isso o que o livro mostra, uma guerra sem fim.”
Em Xeque-Mate, da Editora Letras do Brasil, o autor, que chega a ser ameaçado por todas as partes envolvidas, apura igualmente os dois lados da moeda, das ordens enviadas de dentro dos presídios aos comandos que matam para preservar a ordem pública.
Brasil de Fato: Por que intitulou de“ Xeque- Mate” o nome de seu livro?
Josmar Jozino: Porque na linguagem da cadeia é uma ordem de sentença de morte pra matar alguém. É uma gíria que os presos usam: “Xeque-mate, pode matar!”
Brasil de Fato: Com todas essas chacinas que vem ocorrendo, principalmente nos últimos meses na capital, a gente pode dizer que São Paulo vive em estado de “Xeque-Mate”?
JJ: Vive no xeque-mate, mas a matança a gente não pode atribuir somente ao crime organizado. Também tem outra matança que precisa ser melhor apurada na periferia. Mortes de pessoas que não têm envolvimento com o crime, morrendo na madrugada, na calada da noite. Essas mortes não tem nada a ver com o crime organizado. Então, precisa ser investigado, porém não deixa de ser um xeque-mate.
Brasil de Fato: No livro você narra a história dos dois lados: da polícia e do crime organizado. Você teve preocupação em manter a imparcialidade, ou em algum momento você teve que defender um dos dois lados?
JJ: Não é nem preocupação. É obrigação mesmo de manter a imparcialidade. Jornalista tem que ter essa obrigação, essa ética. Não pode tomar partido nem de um lado nem de outro. Tem que narrar os fatos, apurar da melhor forma e sempre sendo imparcial mesmo. É obrigação.
Brasil de Fato: Quem mantém o controle nas cadeias de São Paulo: o governo ou o crime?
JJ: Segundo o Ministério Público e os próprios agentes penitenciários, que são funcionários do governo, é o crime organizado que define as regras e tudo mais.
Brasil de Fato: E nas ruas, quem controla?
JJ: Nas ruas eu acredito que eles são bem organizados também. Eu acho que até tem um Estado paralelo. Não vou dizer que eles controlam as ruas, mas que dominam boa parte do Estado, dominam sim. Impõe regras nas periferias, enfim, isso acontece na capital, na grande São Paulo, no interior e no litoral. Tem uma corrente que diz que os homicídios diminuíram por causa disso.
Brasil de Fato: O governo sustenta que a queda dos números de mortes se deve à uma atuação mais efetiva da polícia. Por outro lado, existe a tese de que com a hegemonia do Primeiro Comando da Capital (PCC) acabaram os conflitos entre as facções e, consequentemente, houve redução nas mortes. Qual a sua avaliação quanto a isso?
JJ: Tem uma corrente de pensamento de sociólogos e alguns estudiosos que diz que o PCC monopoliza o tráfico de drogas em todo o espaço. E onde ele controla o tráfico também põe regras pra não ter matança. Só tem xeque-mate com ordem mesmo. Então essa corrente diz que os homicídios diminuíram por isso. Mortes assim, dizem os estudiosos, só em casos extremos mesmo, com a autorização da facção. Já o governo diz que não. Diz que isso é resultado das políticas públicas e também do policiamento reforçado – apreensão de armas, de drogas, blitz constantes. Cada um tem a sua versão. Os especialistas de segurança achando que não é a política pública, que é o crime organizado dominando o Estado, e que acaba controlando o tráfico pra evitar mortes e a presença da polícia, porque na visão deles polícia na área é prejuízo pro tráfico. Do outro lado, o governo dizendo que isso aí é resultado da política pública.
Brasil de Fato: No dia 26 de julho, o Procurador Federal da República, Matheus Baraldi, pediu o afastamento do Comando da Polícia Militar do Estado de São Paulo na audiência pública no Ministério Público Federal. Na mesma linha, familiares de pessoas que foram vítimas da polícia, entidades de direitos humanos e alguns movimentos sociais pediram o fim da militarização da polícia. Qual a sua opinião à respeito?
JJ: Eu sou a favor da unificação das polícias. A polícia tem que ser uma só. Civil e Militar. Tem que ter alguém comandando. No caso um delegado, um coronel, não sei como seria isso. Mas eu sou a favor não só da unificação, mas também de uma corregedoria forte e independente também. Independente dessas duas instituições. Mesmo unificadas, mas com a criação de uma corregedoria independente para evitar corporativismo. Hoje a gente não pode generalizar que a tropa toda da polícia militar está fora de controle. Não é assim. Está tendo muitos abusos, muitos supostos casos de resistência seguida de morte, mas também não dá pra generalizar que toda PM tá saindo por aí matando. Não é bem assim. Tem grupos da PM que estão matando sim. Até alegam que é tiroteio, mas isso precisa ser investigado. Eu sou a favor da unificação porque é assim que funcionam nos países de "primeiro mundo", civilizados, eu acho que aí evitariam muitos problemas. Eu não me lembro em que ano foi, mas teve uma greve dos policiais civis que foi reprimida pelos policiais militares que parecia uma praça de guerra, e nós jornalistas estávamos no meio do tiroteio. Eu nunca vi nos meus 30 anos de carreira de jornalista nada parecido. Isso foi um mau exemplo pro mundo. Isso mostra que a PM sabe mais reprimir do que prevenir. Na própria história ela foi criada pra reprimir mesmo, para proteger a classe dominante. Historicamente ela foi criada pra isso.
Brasil de Fato: Você acha que existem mesmo os grupos de extermínio ligado à Polícia Militar?
JJ: Existem. No presídio Romão Gomes tem vários grupos de extermínio presos. Pessoal de Guarulhos, Osasco, pessoal da zona sul, da zona leste. Mataram até o próprio coronel deles por investigar os grupos de extermínio. Então prova maior que essa não precisa nem ter outra. Eles continuam agindo nas ruas. Essas mortes que tem na periferia, quando morre quatro ou cinco, em represália de algum PM que foi morto, você pode prestar atenção, pesquisar e analisar. Quando um policial é morto pelo crime organizado, vem a represália e aparece uma chacina. É isso que o livro mostra, uma guerra sem fim.
Brasil de Fato: Então tem como apontar um verdadeiro culpado para essas chacinas que acontecem nas periferias?
JJ: Isso é a polícia civil que vai ter que trabalhar com transparência, investigar direito, fazer um inquérito correto que vai chegar à autoria. Sem dúvidas, a grande suspeita é que sejam grupos de PM´s mesmo, em vingança da morte dos colegas mortos pelo crime organizado.
Fonte: Brasil de Fato