Governos europeus calam diante da crise

Enquanto a população se mobiliza em protestos, líderes políticos não dão respostas claras às dúvidas da sociedade. Foi o que aconteceu no mais esperado encontro dos últimos meses, realizado quinta-feira, em Madri,entre o presidente do governo espanhol Mariano Rajoy e a chanceler alemã Angela Merkel: diante das insistentes perguntas da imprensa sobre ações concretas dos países que pudessem impactar nas economias locais, a única resposta foi o silêncio.

Por Naira Hofmeister, na Carta Maior

Mais de uma centena de jornalistas lotavam os corredores do Palácio de La Moncloa, em Madri, na tarde de quinta-feira, 6 de setembro, para acompanhar a coletiva de imprensa do presidente do governo espanhol Mariano Rajoy e da chanceler alemã Angela Merkel.

A curiosidade era justificada, já que o encontro era uma metáfora da Europa dividida entre norte rico e sul pobre, potências econômicas e nações deprimidas, ou, para os mais pragmáticos, os que mandam e os que obedecem.

Os jornais em Madri dedicaram suas manchetes e várias páginas à visita da dirigente alemã e a expectativa sobre o resultado do encontro entre a população era tão grande que foi impossível não fazer uma comparação com o filme “Bienvenido Mr. Marshall” – uma sátira política do período pós-guerra que retrata os preparativos da cidadezinha espanhola de Villar del Río para esperar os “norte-americanos” que salvariam o país deprimido, mas que nunca passam por lá.

E pode-se dizer que foi mais ou menos o que aconteceu, já que depois dos breves e genéricos discursos, os chefes dos governos de Espanha e Alemanha ignoraram as peguntas dos jornalistas. Disseram que não podiam responder por uma ou outra razão, ou nem a isso se deram ao trabalho, repetindo simplesmente o já gasto discurso de que as medidas de austeridade são o único caminho possível para sair da crise.

E não se diga que não havia sobre o que falar já que minutos antes de ambos governantes entrarem no recinto reservado de La Moncloa, a 2 mil quilômetros dali, o presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi, finalmente anunciava uma das mais esperadas notícias no setor econômico: a compra de dívida dos países em pior situação financeira que peçam o resgate aos sócios europeus. “De acordo com estritas condições”, salvaguardou o executivo.

Em Madri, as quatro perguntas que foram permitidas à imprensa poderiam ser resumidas em: 1) A Espanha pedirá ao BCE que compre sua dívida?; 2) que condições imporia a Alemanha neste caso?, e 3) com pouca legitimidade para aplicar mais recortes, até onde estaria disposto a ir o governo de Mariano Rajoy para que a negociação se confirmasse? Nenhuma recebeu a explicação merecida.

“Ele não vai responder”, antecipava a repórter do diário espanhol ABC aos colegas, que a ajudavam a realizar uma verdadeira arquitetura de palavras que não deixasse espaço para tergiversações.

“Não tenho novidades”, se limitou a dizer Rajoy; “Não é da minha competência”, fez coro ao dissimulado silêncio de seu homólogo Angela Merkel. Já o banco nacional alemão, Bundesbank, expressou publicamente seu desconforto com a decisão tomada pelo Banco Central Europeu.

A frustração da imprensa em La Moncloa foi tão grande que ao final do encontro duas dezenas de jornalistas cercaram a chefe da comunicação da Presidência para exigir que alguém fosse trazido para comentar o anúncio do BCE, o que não aconteceu. “O governo precisa de tempo para avaliar a 'linha pequena do contrato' antes de se manifestar”, justificou a senhora.

Políticos deixam mercados tomar a dianteira

A reação fria de Merkel e Rajoy manifestada para a imprensa em La Moncloa é uma metáfora da maneira como os líderes europeus encaram a crise, fazendo uso do refrão “deixa estar para ver como fica”.

Rajoy quer testar a resposta “dos mercados” às declarações de Draghi e ver até quando pode postergar a decisão (dada já como certa pela imprensa) de pedir esse segundo resgate (o primeiro foi o empréstimo de 100 bilhões de euros que virão da União Europeia para tirar os falidos bancos espanhóis do buraco).

De imediato se pode dizer que a estratégia funcionou, já que as declarações de Draghi em Frankfurt dispararam uma subida das bolsas europeias e a redução do risco país da Espanha, beneficiando especuladores.

Entretanto todos sabem que é preciso interferir politicamente nos rumos do continente. Ideia que, ao julgar pelos discursos das últimas semanas em Madri, vem sendo adiada. Na semana passada durante uma reunião de trabalho entre Rajoy e o presidente francês, François Hollande, o socialista galo prognosticou que “o futuro do euro seria decidido em outubro”, durante a próxima reunião do Conselho Europeu.

Nesta quinta-feira, por sua vez, Merkel contradisse o colega, interpretando que esse momento chave só acontecerá em dezembro, no encontro seguinte do colegiado. As diretrizes gerais que contém a teoria das ações foram colocadas no papel no mais recente encontro do grupo, em 29 de junho, porém fazer com que elas se tornem prática ainda é um desafio a ser vencido.

Enquanto isso, a preocupação segue sendo satisfazer os mercados. Foi o que deixou claro a mandatária alemã ao contestar uma jornalista sobre a impopularidade que a chanceler sustenta entre os espanhóis: “Nenhum país quer impor algo difícil a outro porque sim. Se não fizermos isso não poderemos mais vender nossos produtos e viver nossa vida em liberdade. É a única maneira de salvaguardar nossa prosperidade”, refletiu, fazendo ainda uma referência à competição com China, Índia e Brasil.

Descontente com a falta de brios dos políticos, a população pede nas ruas uma mudança nos rumos do continente – os espanhóis propõem inclusive uma nova constituinte. Mas diante dos empresários de ambos os países que acompanhavam o encontro entre os governantes, Rajoy não duvidou em incluir uma frase não prevista em seu discurso. A de que, além de coragem e determinação para recuperar o crescimento, será também necessário “fazer ouvidos surdos a muito do que se ouve”.