Guerra de religiões em SP reforça o conservadorismo
O que está acontecendo nesta campanha eleitoral em São Paulo é estarrecedor. Em vez de fazer o debate político e discutir os problemas da cidade, determinados setores estão querendo transformar a luta eleitoral em guerra religiosa.
Por José Reinaldo Carvalho, editor do Vermelho
Publicado 14/09/2012 16:41
Pra começo de conversa, vamos deixar claro que respeitamos todos os credos e instituições religiosas. Mas convenhamos que a mistura política com religião dá em geral maus resultados. Diferente do poeta popular que mistura poesia com cachaça e acaba discutindo futebol, o político que se apoia na religião para se eleger, especulando com a boa fé do povo, e o clérigo que se apoia em políticos para aumentar o poder institucional de sua seita, discutem coisas graves, mas usam o método do engodo, da exploração da boa fé do povo, enganando-o e pervertendo tanto o sentido da política como da religião.
A pouco mais de três semanas do dia da eleição, a Igreja Católica emitiu uma nota condenando em termos veementes o candidato a prefeito da maior cidade do Brasil Celso Russomanno, até agora o líder das pesquisas de intenção de voto. No documento assinado por ninguém menos que o cardeal dom Odílio Scherer, arcebispo metropolitano de São Paulo, os seguidores do papa de Roma consideram que a vitória do candidato do PRB representa uma “ameaça à democracia”.
Por que os representantes do Vaticano se mostram tão irritados com Russomano? Acaso estão incomodados com o populismo conservador que este representa? Com o engodo das suas promessas? Com o atraso político de São Paulo, que permaneceria sob o governo de forças retrógradas? Certamente não, porquanto não se viu nenhuma crítica à candidatura conservadora e neoliberal de Serra. Ao contrário, este é tratado como o queridinho da paróquia.
A irritação dos católicos apostólicos romanos de São Paulo obedece a outras razões, nada edificantes. Russomanno, embora dizendo-se da mesma confissão religiosa, tem o apoio institucional explícito da Igreja Universal do Reino de Deus, uma potência religiosa e econômica que não para de crescer há mais de duas décadas no país e já tem numerosas ramificações no exterior. Essa igreja criou um partido, o PRB, que, coincidentemente, é o mesmo pelo qual concorre Celso Russomanno. A Universal possuiu também uma poderosa rede de comunicações comandada pela TV Record de São Paulo, concorrente da Globo, a preferida da Igreja Católica Romana.
A Igreja Universal e seu PRB, por seu lado, fizeram circular um sórdido documento, assinado pelo presidente da sigla, Marcos Pereira, pretendendo vincular o candidato progressista Fernando Haddad e suas posições notadamente avançadas em questões democráticas, de comportamento e saúde pública à Igreja Católica.
O interessante é que também nesta questão, a irritação da arquidiocese não é com as posições retrógradas da Universal, mas ao fato de ter sido acusada de apoiar as corretas posições defendidas por Haddad quando era ministro da Educação sobre como os estabelecimentos de ensino no Brasil deveriam considerar a homossexualidade.
Algo parecido aconteceu durante a campanha eleitoral de 2010, quando no desespero da derrota, o candidato Serra, do PSDB, e a candidata Marina, então no PV, tentaram açular instintos primitivos com um moralismo hipócrita em favor do seu reacionarismo político.
O Estado laico é uma conquista democrática, republicana, que se consolidou apenas recentemente. A luta entre a Igreja Católica e a Universal e demais igrejas pentecostalistas por poder político resulta em um grande desserviço à democracia e aos valores republicanos.
A campanha eleitoral pede mais embate político, mais discussão de ideias, mais propostas sobre como resolver os angustiantes problemas da população.
A vida política nacional já é tão impregnada de conservadorismo, que uma dose a mais, sob a forma de sectarismo religioso, deseduca o povo e dificulta o avanço de sua consciência política. O país precisa de renovação, o que só será possível com a eleição de governantes progressistas, defensores, entre outras conquistas, do Estado democrático, laico e republicano.
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