São Paulo, a cidade proibida

“Tá vindo? Olha, tá vindo… Ó o Tufão, ó o Tufão!”, grita a comerciante Cida Silva para avisar os colegas que os policiais estão próximos e que, por qualquer deslize, podem perder a mercadoria. Ela trabalha na rua 25 de março, na altura da rua Carlos de Souza Nazaré, no centro de São Paulo (SP), junto a dezenas de trabalhadores que vendem desde água mineral a massageadores elétricos e não têm permissão da Prefeitura para trabalhar.


Rua 25 de março no centro de São Paulo

Sem barraca fixa, os chamados marreteiros trazem os produtos em sacolas ou nas mãos e desenvolvem habilidades para fazer dinheiro. Como não pagam impostos para o uso do solo, vivem numa espécie de jogo de gato e rato com a Polícia Militar (PM) que, em parceria com o poder municipal, é responsável por reprimir esse tipo de ocupação na cidade. “Olha o papa bolinhas! Olha o relógio digital! Olha o pen drive”, anunciam os vendedores com um olho no consumidor e o outro, na fiscalização. Com a aproximação dos policiais, rapidamente escondem as peças e se misturam aos transeuntes, como se nada vendessem. Afastado o perigo, voltam a marretar.

Em toda a rua 25 de março, um dos principais centros de trabalho informal da América Latina, é possível observar guaritas da Polícia Militar e dezenas de policiais caminhando. Os trabalhadores se comunicam o tempo todo a partir de um linguajar específico criado para escapar da repressão. Tufão, por exemplo, faz referência ao personagem de Murilo Benício na novela Avenida Brasil, e indica a chegada de policiais. Outros agentes conhecidos são apelidados conforme características físicas ou psicológicas, como “Baixinho”, “Boneco de Olinda”, “Super Mario” e “Tranca Rua”.

"Se a Prefeitura desse [permissão], a gente pagava [o imposto]. Mas falam que não tem vaga, inventam um monte de história”, explica Cida, que trabalha há 15 anos na rua e diz que já acostumou a fugir dos policiais para tirar seu sustento.

Outro trabalhador que se apresenta como Sidney Marreteiro diz que não tem condições de pagar o imposto para trabalhar. E denuncia ações vexatórias e de violência praticadas pela PM: “Tem policial que trata a gente como bandido. Eu já levei porrada, já levei rodo, já me levaram algemado e pelo pescoço até a base [policial]. Lá eles te xingam, falam que vão colocar droga no teu bolso e te levar pra quebrada, te enfiar bala e dizer que era traficante”, conta. Sidney diz ainda que já foi pego pela PM pelo menos cinco vezes e reforça a sua condição de cidadão brasileiro: “Somos pais de família, trabalhadores e mesmo assim nos humilham”.

A reportagem também pode comprovar que há certo tipo de reconhecimento mútuo entre quem são os chamados trabalhadores ilegais e os órgãos de fiscalização, além de um forte sistema de intimidação, controle e repressão desses trabalhadores. Em um dos casos, um policial encarou um menino chamado Pepe e perguntou se o mesmo já havia costurado a camiseta que foi rasgada em outra abordagem policial. Em outra situação, o policial conhecido como “Baixinho” abordou um vendedor de relógios que explicava para a reportagem como funciona o trabalho na região. Como nada foi encontrado com o marreteiro – ele só trazia um relógio no pulso, uma espécie de demonstrador da mercadoria –, foi liberado.

Fonte: Brasil de Fato