Serra 'dança conforme a música' e chama jornalista de mentiroso

Para a fração LGBT do PCdoB, o candidato tucano José Serra (PSDB) dança conforme a música. A afirmação se refere ao chamado “kit gay” utilizado como munição na disputa pela Prefeitura da capital paulista contra o candidato do PT. Nesta terça-feira (16), uma matéria lembra que, quando governador, em 2009, Serra distribuiu cartilha semelhante a que ele questiona, distribuída pelo Ministério da Educação, quando Haddad, seu rival na disputa municipal, era ministro.

Ao tentar rebater matéria, publicada na Folha de S. Paulo, Serra ofendeu o jornalista Kennedy Alencar durante entrevista concedida à rádio CBN na manhã desta terça. O tucano chamou Alencar de mentiroso e em dois momentos exigiu que o profissional se calasse para que ele falasse. O que é irônico já que em todo momento o candidato à prefeitura de São Paulo praticamente não deixa o jornalista falar.

Para Silvana Conti, do PCdoB Rio Grande do Sul e que faz parte da fração LGBT do Partido, José Serra prefere ter memória “seletiva”, tendo em vista que o material foi associado a valores liberais, vinculados à grupos tanto à esquerda, quanto à direita no campo partidário e até questionado na ocasião por integrantes da igreja evangélica.

“Hoje Serra sela sua aliança com o conservadorismo evangélico, e mostra sua verdadeira face homofóbica e intolerante, mais uma vez de forma oportunista”, esclarece Silvana, referindo-se à alianças feitas pelo tucano como com o pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, que rechaçou a comparação entre as cartilhas. O pastor afirma discordar da cartilha tucana quando ela diz que a homossexualidade é orientação sexual e não doença.

Silvana lembra que chamar de "kit gay" um material pedagógico “que tem a intenção de trabalhar pelo fim da homofobia nas escolas, demonstra que precisamos avançar muito para termos um país com democracia plena”.

“Temos que ficar de olho, neste tema, agora e para além das eleições, pois este debate do fim da homofobia está vinculado a uma educação pública, laica, de qualidade, que garanta acesso e permanência a todas as pessoas, independente da classe, sexo, orientação sexual, identidade de gênero, raça, etnia, deficiência, e todo e qualquer tipo de diversidade”, advertiu a comunista Silvana Conti.

“Agora eu falo”, exigiu Serra

Durante a entrevista concedida à rádio CBN, que durou 50 minutos, José Serra, além de insultar o jornalista, também deixou de responder a algumas questões e apontar metas de maneira mais clara. A conversa começou tensa com a pergunta de Kennedy Alencar sobre a cartilha. O jornalista queria saber se sua atitude “é uma contradição por uma conveniência eleitoral” ou se o candidato se tornou “um politico conservador e mudou de ideia”?

Após esse questionamento o candidato parece ter perdido o controle e passou a ser repetitivo. Acompanhe o diálogo transcrito (e em áudio abaixo):

Kennedy Alencar: Tendo em vista que é muito semelhante à cartilha do MEC, nesta campanha de 2012, como a de 2010, quando o senhor abordou o aborto de uma forma moralista, o senhor apresenta o apoio de uma direita intolerante como a do pasto Silas Malafaia que diz que homossexualismo é doença e não orientação sexual. Eu pergunto ao senhor, a sua atitude é uma contradição por uma conveniência eleitoral ou o senhor se tornou um politico conservador e mudou de ideia?

José Serra: Você leu a cartilha, a do estado?

Kennedy:
Eu li a cartilha candidato…

Serra: Você leu inteira? Você leu inteira? Você leu inteira? Você leu inteira a cartilha?

Kennedy:
Eu vi a cartilha…

Serra: Kennedy fala a verdade… Kennedy fala a verdade, se leu inteira? Não leu, Kennedy…

Kennedy:
Candidato, eu fiz uma pergunta objetiva para o senhor… O senhor lançou uma cartilha que estimula a tolerância…

Serra:
Não, não, mas você está fazendo uma pergunta a partir de algo… Faça “avor”, seja educado e ouça o que estou falando. Você está falando de uma cartilha que você não leu, leia e você vai ver que são coisas muito diferentes…

Kennedy
: Mas eu vi a cartilha…

Serra:
Não viu. Não viu. De duas, uma: se você viu você tá mentindo. Se você leu… se você não leu eu até aceito, porque o que você está falando é mentira.

Kennedy:
Eu não estou falando uma mentira. Eu estou fazendo uma pergunta…

Serra:
Não, não, não. Você fez uma pergunta que envolve uma mentira Kennedy. As cartilhas são completamente diferentes… As cartilhas são completamente diferentes… Eu sei que você tem suas preferências políticas, mas modere-se Kennedy, você tá na CBN. Não pode fazer campanha eleitoral aqui na CBN, Kennedy…

(Kennedy tenta falar ao fundo)

Kennedy:
Eu fiz uma pergunta para o senhor sobre uma cartilha lançada pelo senhor em 2009, quando governador…

Serra:
Você fez uma pergunta em torno de uma cartilha que você não leu, você não leu. Ô Fabíola bota ordem aqui.

Fabíola Cidral
(mediadora): Candidato…

Serra:
Ele entra aqui e não deixa ninguém responder….

Fabíola:
Kennedy, faça sua pergunta novamente.

Serra:
Kennedy, calma Kennedy, eu sei que você tem um candidato, mas modere, você é um
jornalista… Tem que ser mais comportado…

Fabíola:
Kennedy, faça sua pergunta novamente… Candidato, o senhor não vai responder a pergunta?

Serra:
É que eu fiz uma pergunta se ele tinha lido e ele não leu a cartilha …

Fabíola:
Ele está falando.

Kennedy:
… Ele lançou uma cartilha em 2009 que estimulava a tolerância. Hoje ele faz esse debate, um debate importante, na eleição de São Paulo, eu estou perguntando a ele…

Serra: Eu… eu não preguei nenhuma intolerância, porque você não leu a cartilha…A cartilha diz… Agora eu falo! A cartilha prega a tolerância. Se você tivesse lido você teria visto que não fala apenas de coisa de sexo, fala de deficientes físicos, fala de pessoas com religião, fala de pessoas com certas características físicas, segundo origem, inclusive de onde vêm, etc. A cartilha prega a intolerância, aliás, prega a tolerância. A luta contra a intolerância. A cartilha do governo do estado… O kit gay eu devo dizer a você que eu nunca falei sobre o kit gay, são sempre os jornalistas que perguntam.

Em outro momento, a mediadora questinou também um filme que fazia parte do material peraparado pelo MEC, que também foi sugerido pela cartilha oferecida na gestão Serra. "Eu acho que foi recomendado mas não foi usado", respondeu o candidato do PSDB.

Onde está o plano de governo?

Durante os 50 minutos de entrevista José Serra não detalhou seu plano de governo, nem mesmo mencionou estratégias como por exemplo, sobre o déficit de creche no município, prometeu construir uma creche para todas as estações do metrô novas, mas não disse como e disse ainda que vai trabalhar para zerar o déficit. No entanto, não mencionou o número de creches que serão erguidas e nem quanto e nem de onde sairão os recursos. Enquanto houver fila, como solução sugeriu uma bolsa auxílio, sem mencionar o valor. Questionado, ele disse que seria algo em torno de R$ 100. Quando a mediadora sugeriu incluir a pauta em seu plano de metas, Serra se esquivou.

Ao ser perguntado se ele teria pelo menos cinco metas para seu governo, respondeu gaguejando que sim, e foi logo citando novamente o bolsa creche. "Mas o senhor não sabe o valor dela?", indagou a mediadora. "Em torno de 100 reais. Já disse", respondeu, sem saber para quantas pessoas o programa seria dirigido.

Já emendando a resposta, a mediadora afirmou: "O senhor não sabe quantas pessoas serão atingidas…", e ele respondeu: "É diferente. Não é que eu não sei. Eu sei. Eu to apenas dizendo, que nós avaliaremos quais o numero de pessoas. E isso vai ser feito. Isso é uma bela meta é uma meta muito precisa, sabia".

Qual é a bela meta? Bom deve ser a próxima citada por ele, de dar reajuste para os professores de 10% no ano que vem e 13% no ano subsequente. Como? De onde virão os recursos?

Outra meta do candidato é "transformar 30 AMAS normais de ambulatórios médicos em atendimento 24 horas em São Paulo".

Já o expresso Tiradentes, metrô que vai chegar à Cidade Tiradentes com o monotrilho, que é uma obra conjunta entre estado e prefeitura já em andamento, também entrou nas metas do tucano. Outro compromisso dele é aumentar o numero de horas de permanência na escola, na rede escolar municipal. Também sem mencionar quantos alunos e quais turmas serão beneficiadas.

Com relação aos corredores de ônbus, que também não tem meta determinada em seu plano de governo, Serra justifica que é necessário revisar os corredores que já foram feitos e que fará investimento por regiões. "Isso não deveria estar previsto no seu plano de governo?", questiona o jornalista Milton Jung.

"E está previsto. Estou aqui procurando para te dar as prioridades por região, em matéria de corredor", mencionou José Serra. Mais adiante citou algumas regiões, sem detalhes.

Ainda de acordo com as declarações de Serra à rádio, no que depender dele os coronéis permanecerão nas subprefeituras da cidade. "Eu vou botar, coronéis ou não, é gente boa em cada lugar."

Quatro anos de gestão?

Já o comentarista Gilberto Dimenstein sugeriu que Serra assinasse outro documento se comprometendo a permanecer os quatro anos na gestão, o que foi negado por Serra. Antes disso, Dimenstein se certificou se não haveria nenhuma situação que ele "anteveja para deixar a Prefeitura neste próximo mandato, caso seja eleito", tendo em vista sua justificativa anterior sobre ter saído para disputar o governo do estado – para evitar que o PT fosse eleito no governo estadual.

"Então você não se incomodaria em novamente assinar um documento?", sugeriu Dimenstein. "Ah não, aquilo ali virou uma brincadeira…", respondeu Serra, também mencionando que virou "palhaçada". O jornalista tentou rebater e logo emendou: "Você se arrepende de ter assinado aquele documento?"

A resposta? Para Serra tudo não passa de exploração da campanha do PT, tendo se tornado a principal pauta da eleição.

Confira a íntegra da entrevista: