França “moderniza” discurso neocolonial*
François Hollande anunciou na sexta-feira, em Dakar, perante os deputados senegaleses, que “o tempo da ‘Françafrique’ acabou”. E especificou que a partir de agora “há a França, há a África, há a parceria entre a França e a África com relações assentes no respeito, na clareza e na solidariedade”.
Por Carlos Lopes Pereira, em Avante!
Publicado 22/10/2012 12:07
O presidente francês prometeu encerrar o longo período, desde os anos 60, em que se misturaram política, comércio e negócios obscuros nas relações entre Paris e as suas antigas colônias. Referia-se aos tempos áureos do neocolonialismo gaulês, desde o general De Gaulle a Mitterrand, passando por Pompidou e Giscard D’Estaing, quando a França comprava diamantes, vendia armas e promovia golpes de Estado em diversos países africanos – ao mesmo tempo que recebia no Eliseu ditadores como Bokassa ou Mobutu.
Nesta primeira viagem ao continente africano, Hollande começou por visitar o Senegal, aliado francês privilegiado desde os anos de Leopold Senghor, o “pai” da independência, em 1960. As boas relações franco-senegalesas, incluindo bases e facilidades militares, mantiveram-se ao longo do último meio século, prolongando-se durante os mandatos dos presidentes Abdou Diouf e Abdoulaye Wade e, agora, com Macky Sall.
Falando no parlamento senegalês, o chefe do Estado francês contrariou sem citar o “discurso de Dakar” pronunciado há cinco anos pelo seu antecessor, Nicolas Sarkozy. Principiando também na capital senegalesa a primeira visita presidencial a África, Sarkozy escandalizara então os seus anfitriões afirmando que “o drama de África” era “o homem africano não ter entrado ainda totalmente na História”… Agora, Hollande saudou uma África que é “o berço da Humanidade”, preconizou que ela vai transformar-se num “grande continente emergente”, manifestou confiança na sua juventude e na sua economia e prometeu relações de parceria “sem ingerência mas com exigência”.
O périplo africano de François Hollande levou-o, no fim de semana, a Kinshasa, na República Democrática do Congo, para assistir à 14.ª cimeira da Organização Internacional da Francofonia (OIF).
Na capital congolesa, a organização alargou-se um pouco mais ao conceder o estatuto de membro à Armênia e o de observador ao Uruguai, ao mesmo tempo que admitiu o Qatar como associado. A OIF tem agora 57 países membros, dos quais três associados e 20 observadores.
No continente africano, a organização da francofonia abrange países do Norte (como Marrocos, Tunísia e Egito), do Oeste (a quase totalidade dos estados da sub-região), do Centro (como os dois Congos, a República Centro Africana, o Ruanda, o Burundi e o Chade) e da zona oriental (Moçambique e Madagáscar, além das ilhas Seychelles, Comores e Maurícia).
Vários destes países não usam sequer o francês como língua oficial, como são os casos dos estados “lusófonos” de Cabo Verde, da Guiné-Bissau, de S. Tomé e Príncipe e de Moçambique. Ou do Qatar, uma monarquia árabe – mais conhecida pela sua submissão ao imperialismo americano do que ao idioma de Victor Hugo – que não esconde as ambições de aumentar ainda mais a influência na África Ocidental, onde financia centros religiosos muçulmanos que concorrem com escolas… de língua francesa.
Ao Congo, Hollande foi “celebrar” e “relançar a francofonia”, conforme afirmou. O presidente disse aos participantes da cimeira da OIF que o “valor comum” é a língua francesa. E foi claro: “A francofonia tem valores, princípios, exigências. É uma mensagem de liberdade. É um espaço de influência, de promoção de valores, de abertura, de trocas econômicas, sociais e culturais”.
Apesar das más relações que mantém com o presidente Joseph Kabila, Hollande não hesitou em participar nesta cimeira da OIF, em Kinshasa, já que a República Democrática do Congo é o primeiro país francófono do mundo (70 milhões de habitantes) e um parceiro econômico “prometedor” face às suas imensas riquezas minerais, como escreve Le Monde.
O jornal põe um diplomata francês a justificar o “carinho” de Paris pela francofonia em África: “A presença econômica e às vezes cultural da China, do Brasil ou da Índia em África é muito positiva, mas isso implica que nós defendamos a nossa posição e os nossos interesses”.
Interesses, pois. Nada mudou, claro, para além dos discursos.
François Hollande não cumprirá as garantias de relações justas com a África assim como não cumpriu as promessas que fez aos franceses de uma política diferente da de Sarkozy e de Merkel… A França continuará, assim, a agir contra os interesses dos povos africanos, apesar da “modernização” do seu discurso neocolonial.
*Este artigo foi publicado no “Avante!” nº 2029, 18.10.2012