Moisés Saab: Líbano, a morte de um general precavido

Aos 47 anos de idade, o general Wissam Al Hassan, morto em Beirute, a capital libanesa na sexta-feira passada (19) em um atentado sem escapatória, teve tempo de aprender que em seu país as precauções nunca são demais.

Por Moisés Saab, na Prensa Latina

A morte do general Al Hassan desencadeou uma onda de violência no Líbano, cujo objetivo maior era a derrubada do governo do primeiro-ministro Najib Miqati e a formação de um gabinete de unidade nacional, na qual a Aliança 14 de Março, encabeçada pelo ex-primeiro-ministro Saad Hariri recuperaria os espaços perdidos.

Devido ao pobre poder de convocação da Aliança 14 de Março, à mobilização do Exército e a uma decisão firme das atuais autoridades libanesas de enfrentar qualquer golpe de mão, impediram que esses propósitos se concretizassem.

Se é certo que no último momento da existência toda a vida passa diante dos olhos de uma pessoa, talvez o general se deteve por um milionésimo de segundo naquele fevereiro de 2005, quando seu mentor, o ex-primeiro-ministro Rafiq Hariri, voou em pedaços devido a um atentado improvável dadas as medidas de proteção que rodeavam seus movimentos.

E eis que, depois de se dissipar a fumaça das escaramuças de rua e o eco das palavras de ordem pela renúncia do governo, emergem detalhes que levam a pensar que o atentado contra o general Al Hassan teve componentes no mínimo suspeitos.

Considerado um gênio das atividades de inteligência, o oficial recorria a toda uma série de estratagemas para para despistar eventuais interessados em dar fim à sua vida.

No dia da sua morte, saiu sem avisar de sua residência em um pequeno carro, totalmente diferente dos grandes carros e limusines blindadas que utilizam os principais políticos libaneses, por segurança e, é justo dizer, por um apego desmedido ao boato.

Era um homem que não confiava em ninguém, e fazia bem, porque tinha inimigos poderosos em todos os campos: poucos meses atrás desbaratou uma rede de uma centena de espiões a serviço de Israel e, antes, ordenou a detenção do ex-ministro cristão Michel Samaha, acusado de organizar atentados contra figuras políticas libanesas.

Em data mais recente era considerado o contato supremo para o contrabando de armas e homens para engrossar os bandos que combatem o presidente sírio, Bachar Al Assad.

Mas o ponto mais obscuro em seu currículo foi o atentado contra Hariri, de cuja segurança pessoal estava encarregado, justamente no dia em que estava ausente da caravana por causa de uns exames universitários, segundo explicaria depois.

Que um general de inteligência de 40 anos subordine suas obrigações a um humilde exame universitário soa pouco crível em um país como o Líbano, onde a morte espreita em cada curva da estrada tanto os poderosos, como os humildes.

E certamente a justificativa fez com que mais de um cenho se franzisse nos meios políticos do pequeno país árabe, onde todos são suspeitos de algo em um momento ou outro.

Hariri também tinha muitos inimigos: dono de uma fortuna estimada em 25 bilhões de dólares no final do século passado, retornou ao Líbano naquele período e comprou a preços depreciados propriedades em todo o país, o que o tornou objeto de críticas por aproveitar a crise para criar um império.

O general Al Hassan logo chamou a atenção de Hariri, que o converteu em seu homem de confiança para assuntos de segurança, serviços que pagou de maneira generosa.

Essa relação não terminou com a morte de Hariri, pois seu filho, Saad, manteve os serviços de Al Hassan e desmentiu a capa e espada as suspeitas explicitadas por diversos meios de comunicação sobre a ausência do general justamente no dia em que seu patrão foi alvo de um atentado do nem sequer a espessa blindagem de seu Mercedes Benz pôde salvá-lo.

Quiçá com demasiada ênfase, dadas as circunstâncias.

Nos sete anos transcorridos, Al Hassan aumentou sua influência na paisagem política libanesa e se mudou para o distrito de classe alta de Achrafiyeh, no leste de Beirute, onde os únicos muçulmanos bem recebidos são aqueles que têm muito dinheiro, como parece ser o caso do oficial morto, que junto a sua família levava uma vida folgada.

Até o último dia 19 de outubro, quando um carro carregado com 50 quilos de explosivos o mandou para o outro mundo, apenas uma semana depois de sua chegada da Europa e justamente no momento em que era necessária uma morte importante para complicar a sempre explosiva situação libanesa.

E lá estava Al Hassan para preencher esse papel.