Aldo Arantes: Geoengenharia e mudanças climáticas

Sob o título “Fertilização de Oceanos reacende polêmica”, o Jornal Estado de São Paulo de 24 deste publicou reportagem sobre a “fertilização”, com sulfato de ferro, do oceano da costa do ¬Canadá. A iniciativa, financiada por um milionário norte-americano, visa aumentar a flora local de plânctons com o objetivo de absorver o dióxido de carbono (CO2) e, com isto, reduzir o aquecimento global.

Por Aldo Arantes*

Nesta mesma reportagem o físico Paulo Artaxo, membro do Painel Internacional de Mudanças Climáticas (IPCC), destaca a tendência mundial de combater as mudanças climáticas com novas tecnologias de engenharia ( geoengenharia). E afirma “ Existe um número muito grande de indústrias e financiadores particulares milionários que estimulam a realização de pesquisas”.
A geo-engenharia visa, através da manipulação dos padrões climáticos, neutralizar o aquecimento global, através de mecanismos artificiais de controle da incidência de radiação solar sobre a superfície terrestre e do sequestro do CO2 atmosférico.

John Vidal, em trabalho intitulado “Geoengenharia: o verde contra a ganância na corrida para resfriar o planeta”[ 2], destaca entre várias técnicas de geoengenharia que estão sendo pesquisadas, entre elas, a técnica de absorção de plâncton, a engenharia genética de culturas com cor mais clara para refletir a luz solar de volta ao espaço, a fertilização do oceano com nanopartículas de ferro para aumentar o fitoplâncton, a pulverização de aerossóis baseados em sulfato na estratosfera para desviar a luz solar. O objetivo comum destas tecnologias é a redução da incidência dos raios solares sobre a terra, promovendo assim uma redução no aquecimento global.

O projeto mais polêmico é a construção de vulcão artificial para reduzir a incidência de raios solares sobre a terra. Os vulcões, em suas erupções, emitem partículas (aerossóis) que refletem a luz solar, reduzindo a incidência dos raios solares sobre a terra. Com isto há um resfriamento do planeta. Pretende-se através da geo-engenharia provocar este resultado a partir de um vulcão artificial. Tal iniciativa teria consequências sobre toda a terra, alterando seu clima. E as consequências disto, certamente, não seriam iguais para todos os países.

O desenvolvimento de tais tecnologias está ligado ao fato de que as metas de redução do aquecimento global não têm sido obtidas, particularmente, pela resistência dos países desenvolvidos em cumprirem suas responsabilidades decorrentes do Protocolo de Quioto. Estas tecnologias obter o mesmo resultado sem precisar reduzir a emissão de gases poluentes. Todavia uma das questões suscitadas é que os gases de efeito estufa continuariam sendo produzidos.

O interesse do empresariado na bio-engenharia, com grandes investimentos em pesquisas, se relaciona com o objetivo de patentear as descobertas para obter bilhões de dólares, através do mercado de crédito de carbono.

Uma pesquisa do ETC [Environmental Technology Centre], um observatório com sede no Canadá, mostra que pelo menos 27 patentes foram concedidas a inventores e cessionários, incluindo Bill Gates, Dupont, o governo dos EUA e várias corporações.

Falando sobre esta questão Diana Bronson, do ETC, afirmou "Se a as técnicas de geo-engenharia avançarem para a utilização real, a existência de patentes pode significar que as decisões sobre o clima serão efetivamente entregues ao setor privado".

Os cientistas estão divididos com relação à implantação da geo-engenharia em escala planetária, mas estão unidos acerca da necessidade da pesquisa, particularmente para mostrar que muitos dos esquemas propostos podem ser descartados.

Não se tem ainda uma comprovação científica das consequências que estas técnicas provocarão sobre a terra. E mais grave, tais técnicas estarão em mãos de empresários privados dos países altamente desenvolvidos.

Falando sobre o assunto, Pat Mooney , do ETC, afirmou "Nós simplesmente não sabemos como revogar a tecnologia em escala planetária uma vez que tenha sido lançada. As técnicas que alteram a composição da estratosfera ou a química dos oceanos podem ter consequências inesperadas, assim como impactos desiguais sobre todo o mundo".

Como pano de fundo da geo-engenharia está a questão militar. De acordo com o historiador da ciência norte-americano James Fleming, o controle do clima dá aos militares uma vantagem, e por isso eles procuram estimular as pesquisas destas novas tecnologias, proporcionando um fluxo de recursos para os cientistas.

A Conferência sobre Biodiversidade e a Geo-engenharia

A Conferência da ONU sobre a Biodiversidade, realizada entre os dias 8 e 19 de outubro na cidade de Hyderabade, Índia, onde estive presente, debateu e aprovou resoluções sobre a geo-engenharia.

Nos debates ficaram evidenciadas as diferentes posições adotadas pelos países desenvolvidos e em desenvolvimento. Os países desenvolvidos enfatizando o papel da geoengenharia no combate ao aquecimento global e os países em desenvolvimento defendendo que o meio principal no combate às mudanças climáticas deve ser o da redução das emissões de gases poluentes.

O Brasil, com o apoio da China, propôs que o meio principal do combate às mudanças climáticas deve continuar sendo a redução das emissões de gases de efeito estufa. Por outro lado a Noruega, apoiada pelo Qatar, se manifestou contra a limitação das atividades de geoengenharia.
No final da Conferência foi aprovada uma Resolução estabelecendo que, no combate à mudança climática, deve se concentrar fundamentalmente na redução das emissões antropogênicas e no incremento a absorção pelos sumidouros de gases de efeito estufa.

No debate da Resolução sobre geoengenharia a Noruega, Japão, Austrália, Canadá, Nova Zelândia e União Europeia propuseram substituir, no texto, o chamamento para assegurar a realização de “testes sobre as técnicas geoengenharia” por “ condições controladas em laboratórios”. Evidentemente a emenda visou flexibilizar as medidas para a comprovação das consequências da aplicação prática das técnicas da geo-engenharia.

Fruto dos debates a Conferência aprovou uma Resolução nos seguintes termos: “A geoengenharia relacionada com o clima pode incluir: a) Toda tecnologia que deliberadamente reduza o aquecimento , em grande escala, e que possa afetar a biodiversidade biológica ( excluindo o sequestro e armazenamento de carbono originado de combustíveis fósseis quando capturam dióxido de carbono antes que seja liberado para a atmosfera) ;b) Intervenção intencional no meio ambiente planetário cuja natureza e escala se dirijam o sentido de limitar ( contrarrestar) a mudança climática antropogênica e seus efeito; c) Manipulação deliberada em grande escala do meio ambiente planetário”.

Esta Resolução destaca, também, importantes lacunas na compreensão dos efeitos da geo-engenharia e a proibição da utilização de técnicas de modificação do ambiente com fins militares ou com outros fins hostis. O texto final solicita, anda, um informe dos efeitos possíveis da geo-engenharia na diversidade biológica.

Estas Resoluções sobre a geoengenharia relacionada ao clima vieram acompanhadas de outra sobre o financiamento da defesa da biodiversidade, com o estimulo à participação de capitais privados. A Resolução afirma “ as partes a considerar o estímulo da integração dos valores da diversidade biológica e dos serviços ecossistêmicos na atividades do setor privado, incluídas as grandes empresas e as que atuam nas bolsas de valores”.

Sobre o tema do financiamento o Brasil propôs suprimir a referência aos setores privados no financiamento da defesa da biodiversidade. Manifestaram-se contra o Canadá e a Noruega. Este conflito entre países desenvolvidos e em desenvolvimento se relaciona com a defesa que os primeiros fazem do financiamento privado e os últimos do financiamento público, das medidas de defesa do meio ambiente.

No final prevaleceu a posição dos países desenvolvidos. Diferentemente da Rio+20 onde os países em desenvolvimento tiveram um papel destacado e conseguiram grandes vitórias. Entre elas a incorporação do princípio das “responsabilidades comuns, porém diferenciadas” em relação do desenvolvimento sustentável. Esta mesma proposta foi rejeitada em Hyderabad.

A geo-engenharia acarreta sérias preocupações nos meios científicos em relação às suas possíveis consequências. E, por isto mesmo, exige rigorosas comprovações científicas de seus impactos. Por isto as pesquisas sobre geoengenharia deveriam ser feitas por instituições públicas, sem interesses de ganhos econômicos, e sua aplicação controlada por organismos internacionais.

No entanto o que está ocorrendo é o monopólio destas pesquisas por empresários. Tal fato acrescenta uma preocupação a mais no sentido de que iniciativas de adoção de técnicas de bio-engenharia podem ser colocadas em prática sem levar em conta as medidas acima
mencionadas.

O fato acima relatado, veiculado pelo jornal Estado de São Paulo, diz respeito à posta em prática de um projeto de geoengenharia onde não houve comprovação científica de suas consequências e, muito menos, um controle internacional de sua aplicação prática. Tratou-se de uma decisão tomada pelo empresário financiador do projeto em função de seus interesses financeiros.

O desenvolvimento de pesquisas sobre a geoengenharia são necessárias e positivas. O que os países em desenvolvimento não podem aceitar é que uma questão tão importante , fique nas mãos de empresários particulares dos países desenvolvidos.

* Secretário Nacional de Meio Ambiente do PCdoB e diretor presidente do Instituto Nacional de Pesquisas e Defesa do Meio Ambiente (INMA)