Pedro Guerreiro: Contradições, rivalidade e concertação

Pelas suas implicações e consequências, o acompanhamento da atual situação do processo de integração capitalista europeu – a União Europeia – e das perspectivas que vão sendo delineadas para o seu futuro próximo exigem uma acrescida e necessária atenção.

Por Pedro Guerreiro*, no jornal Avante!

No atual momento, que se caracteriza pela continuação e mesmo acentuação da crise na União Europeia, emergem com renovado vigor as contradições, os conflitos de interesses e a desconfiança entre as suas principais potências, embora não colocando em causa o seu compromisso de classe.

Sucedem-se as declarações que evidenciam a existência de diferenças quanto aos objetivos imediatos a alcançar, ao real conteúdo e alcance, à ordenação e ritmos de concretização e até à participação ou não nas fases – já em concretização ou ainda em gestação – que visam o aprofundamento da integração capitalista, como acontece, por exemplo, com o denominado “tratado orçamental” (mecanismo de domínio económico e político) ou a dita “união bancária” (um mecanismo de “supervisão”, para quem, por quem e para quê?).

Trata-se de discordâncias que decorrem das diferentes dificuldades e interesses que se disputam entre os grandes grupos econômico-financeiros da Alemanha, da França e da Grã-Bretanha, mas que, ao mesmo tempo, não impedem o seu entendimento quando se trata de impor os seus concertados intuitos e agenda aos restantes países que integram a União Europeia, como acontece relativamente ao Quadro financeiro da UE após 2013.

Assim se poderá compreender melhor o debate em torno da criação do “núcleo duro”, que resultaria do pretendido aprofundamento da União Económica e Monetária e, consequente, reconfiguração da Zona Euro.

O grande capital alemão continua a procurar gerir a crise como uma oportunidade para reforçar o seu domínio económico e político na União Europeia, estabelecendo para tal as condições e termos da nova etapa da integração capitalista que se anuncia.

Nova etapa que, a ser concretizada, representaria o estabelecimento de mecanismos que garantiriam o completo controlo das economias dos países da sua “periferia”, a partir da criação de novos instrumentos ou da adaptação e reforço dos já existentes na União Europeia, como a reafirmada ambição de impor o poder de veto sobre os orçamentos nacionais por parte da futura “estrutura” da Zona Euro, feita à medida das pretensões de domínio do grande capital alemão.

A agenda e as autênticas condições leoninas (e sem contrapartidas) colocadas pelo grande capital alemão alimentam as desconfianças e ansiedades dos seus parceiros, nomeadamente do grande capital francês, que, no turbilhão, não quer perder o pé – recorde-se que a Espanha é um dos primeiros parceiros comerciais da França.

No entanto, uns e outros, cavalgam na criação das condições para a continuação do refinanciamento do capital financeiro – nomeadamente da Alemanha e da França – à custa da intensificação da exploração e da degradação das condições de vida dos trabalhadores, exigindo e impondo a aplicação das falsas “medidas de controlo do défice e do endividamento público” e das ditas “reformas estruturais”, através das quais saqueiam e acumulam colossais meios financeiros.

A União Europeia não tem remédio ou arranjo – não é reformável. Prenhe de contradições, cada novo passo na integração capitalista europeia representará acrescidos e reforçados ataques aos direitos dos trabalhadores e à soberania dos povos, pois, como a realidade aí está a demonstrar, é da sua natureza e propósito ser um instrumento de domínio das grandes potências e dos grandes grupos económicos e financeiras.

* Pedro Guerreiro é membro do Partido Comunista Português (PCP).