Pedro Maciel: O dilema sobre a autonomia do Banco Central

Com o movimento de financeirização da economia e a centralidade da moeda nas relações econômicas, o debate internacional sobre a autonomia nasceu com a publicação de estudos que associavam baixas taxas de inflação à autonomia dos bancos centrais em relação aos governos centrais. Sabemos que “dilema” é um problema que oferece duas soluções, sendo que nenhuma das quais é aceitável.

Pedro Benedito Maciel Neto*

Bem, no caso que envolve a polêmica ainda recorrente sobre a necessidade, ou não, de o Banco Central ser autônomo há necessidade de sermos honestos e afirmar que a grande questão (e verdadeira) é outra… Temos de saber primeiramente para que servem, a quem servem os Bancos Centrais mundo afora, para depois responder se eles devem, ou não, serem autônomos. 

O Banco Central é responsável pela regulação do Sistema Financeiro, pelo controle de liquidez (através da politica monetária), é o depositário das reservas nacionais, é o responsável pela emissão da moeda e é ainda, nos momentos de tensão e crise especialmente, o “emprestador” do sistema, o “banqueiro dos bancos” como ouvimos informalmente.

O Banco Central do Brasil foi criado em 31 de dezembro de 1964, com a promulgação da Lei nº 4.595 e, em 31 de março de 1965, começou a exercer sua função de autoridade monetária, com uma atuação da administração do sistema de pagamentos, evoluiu para a condição de “guardião da moeda nacional” e passou a atuar na preservação do valor da moeda, tanto no âmbito doméstico, zelando pelo seu poder de compra, como em relação às demais moedas internacionais, gerenciando a taxa de câmbio.

Com o artigo 192, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu dispositivos importantes para a atuação do Banco Central, entre os quais destacam-se o exercício exclusivo da competência da União para emitir moeda e a exigência de aprovação prévia pelo Senado Federal, em votação secreta, após arguição pública, dos nomes indicados pelo presidente da República para os cargos de presidente e diretores da instituição.

Para cumprir seu papel, o Banco Central dispõe de um conjunto de instrumentos de política monetária – taxa de juros, depósitos compulsórios, taxa de redesconto; e, dependendo do manejo dessas ferramentas, pode provocar diferentes impactos sobre a atividade econômica, afetando o dia-a-dia das pessoas.
O Banco Central respeita as regras e convenções e funciona como redutor de riscos e de incertezas e como gestor dos limites impostos aos produtores e detentores privados de riqueza, ou noutras palavras, o Banco Central é verdadeiro intermediário entre o poder soberano do Estado e os interesses do sistema bancário privado.

Talvez o Banco Central Europeu seja, de fato, autônomo em relação aos Estados-nacionais que compõe a União Europeia, mas pelo menos um aspecto negativo pode ser observado, vejamos o caso da Grécia. A Grécia, país estruturalmente diferente da Alemanha e França, em razão da tal autonomia não pôde e não pode usar as politicas monetárias e fiscais para equilibrar suas demandas (esse tema poderá ser desenvolvido depois, à luz dos tratados internacionais informadores da União Europeia).

Mas voltemos ao ponto. A questão dos “interesses”, muitas vezes colidentes e geradores de tensão, entre o “público” e o “privado” nos remete a uma reflexão fundamental que diz respeito à natureza do “dinheiro”, pois esta [a natureza] ultrapassa em importância as suas funções clássicas (unidade de conta; meio de circulação e reserva de valor).

O dinheiro é forma universal de riqueza, por isso é um bem ao mesmo tempo público e privado. É bem público na medida em que é referência para os atos de produção e intercâmbio de mercadorias, para avaliação da riqueza, etc. e é bem privado, pois é instrumento de enriquecimento privado.

E esse é o ponto fundamental. Portanto, a tensão existente entre o caráter público e privado do dinheiro exige a existência de uma autoridade que regule e organize o sistema de trocas e, s.m.j., o papel de autoridade vem sendo cumprido adequadamente pelo Banco Central no Brasil, fato que revela interesses dos que defendem a tal autonomia do Banco Central em relação ao setor público. Esses querem a autoridade monetária independente e servil aos interesses privados.

Teoricamente, o conceito de autonomia se diferencia de independência. A independência significaria a possibilidade da tomada de decisão sem necessidade de autorização ou acordo com órgão externo e, no caso do banco central, isso quer dizer implantar políticas monetárias sem discussão prévia com nenhuma esfera de poder. A autonomia, ação mais limitada, é a possibilidade de determinar algumas regras e, para o banco central, significa ter o poder de estabelecer regras para sua ação, como por exemplo, possuir mandatos estáveis para sua diretoria.

É inadmissível imaginarmos um órgão como o Banco Central completamente independente, especialmente tomando-se o argumento acima [a natureza do dinheiro], bem como o Principio do Interesse Público e a própria Constituição Federal.

*Pedro Benedito Maciel Neto é advogado e colaborador do Vermelho