Renato Rabelo: China; os maus samaritanos da The Economist

O 18º Congresso Nacional do Partido Comunista da China (PCCh) inicia-se neste dia 8 de novembro. Porém, as especulações sobre o futuro do país começam a pipocar pela imprensa do mundo todo. E a britânica, com sua ultraliberal The Economist, não poderia ficar de fora.

Por Renato Rabelo*, em seu blog

Sob o título de “O homem que deve mudar a China” o semanário britânico não perde a pose e a arrogância e lança uma verdadeira receita a ser seguida pelo provável sucessor de Hu Jintao (Xi Jinping) para “salvar” o país do “caos”. Em síntese, a receita é velha conhecida por nós vitimados por esta mesma agenda: democracia liberal, mais liberalização, privatização e abertura do sistema financeiro. Desta vez, como ocorreu no último processo sucessório, não se apelou a adjetivos como o “Gorbachev chinês”. Neste sentido foram mais comedidos. Mas não menos arrogantes.

Por democracia liberal, no caso, entende-se como a quebra do “monopólio” de poder exercido pelo PCCh via “entrega” de mais poder aos cidadãos e instituição de eleições “livres” e diretas para presidente da República, por exemplo. É como se os avanços em matéria de democracia participativa e representativa na China simplesmente não existissem. O que se omite na matéria é o fato de regularmente cerca de 800 milhões de pessoas estarem indo às urnas eleger seus representantes no nível da base, numa experiência exitosa iniciada em 1998 cujo caminho deverá ser palmilhado pelos próprios chineses sob a base de uma história corrida de cerca de 5.000 anos.

O interessante desta experiência, no nível da base, é que a mesma não ocorre sob as hostes do financiamento privado, nem tampouco com a ação de imensos lobbies financeiros presentes no nosso dia a dia. Para que serve essa corrida aos milhões de dólares na campanha presidencial norte-americana? Será uma forma de “promover a democracia” ou algo voltado, pura e simples, à compra de corações e mentes? Seria a democracia exportada, via Guerra do Ópio (1839-1842), que a Inglaterra quer empregar na China?

Do ponto de vista econômico, os “conselhos” tocam em três aspectos essenciais: privatização completa da terra, liberalização do trânsito interno de pessoas (proscrição do “sistema hukou”) e a “necessária” exposição do sistema financeiro estatal à concorrência. Temas com certa complexidade e que não cabem respostas simples. Por exemplo, a proscrição do sistema de passaporte interno está muito mais flexibilizado do que há 20 anos, porém poucos se dão conta ao fato de as cidades chinesas simplesmente não terem favelas (como ocorre em cidades similares no mundo) e o fato de a terra ser propriedade estatal ou e/coletiva dá a possibilidade do camponês de ou tentar a vida nas cidades ou simplesmente ficar em seu vilarejo. Isso não é pouca coisa: o que Marx chama de “exército industrial de reserva”, para o caso chinês, não se encontra nas periferias das metrópoles e sim no vilarejo.

Por fim, essa questão da liberalização do sistema financeiro chinês. É o caso de colocarmos em questão sobre onde este processo, como o ocorrido no Brasil na década de 1990, foi capaz de trazer tanto estabilidade ao próprio sistema financeiro quanto manter esse mesmo sistema financeiro estatal, como mola propulsora do processo de desenvolvimento. Pergunta de resposta nada difícil. É só observarmos de onde a presente crise financeira surgiu e onde ela menos afetou. Surgiu de países onde o sistema financeiro é completamente desregulado. Países como a China, onde o sistema financeiro é basicamente estatal, puderam reagir de forma rápida. Eis uma diferença essencial.

* Renato Rabelo é presidente nacional do PCdoB