Jean Wyllys: Yes, Dilma, we can too!

A vitória de Barack Obama nas eleições dos EUA é, também, uma vitória para todas e todos aqueles que lutamos pelos direitos civis da população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT) — e pelos direitos humanos da população como um todo — no mundo inteiro. E é uma prova de que a conquista dessa igualdade é cada dia mais inexorável.

Por Jean Wyllys, Carta Capital


Casal gay faz campanha pelo casamento de pessoas do mesmo sexo em agosto, na Califórnia. A disputa sobre o direito neste Estado será resolvida pela Suprema Corte dos EUA. / Foto Frederic J. Brown / AFP

Obama deu uma lição aos outros chefes e chefas de Estado. Ele teve a coragem de se arriscar, pouco antes de uma eleição presidencial difícil, defendendo publicamente uma posição de princípios que seus antecessores no cargo, inclusive aqueles que compartilhavam as mesmas convicções e tiveram medo de as defender porque contrariavam o discurso e os interesses dos líderes religiosos fundamentalistas — que, lá como aqui, são muito poderosos e não têm escrúpulos. Mas ele arriscou.

“Eu cheguei à conclusão de que é necessário que eu afirme que, na minha opinião, os casais do mesmo sexo deveriam poder casar”, disse Obama em maio passado. Essa frase diz muito. Ele não disse que tinha chegado à conclusão de que os casais do mesmo sexo deveriam poder casar — é claro que ele já sabia disso — mas de que era necessário que ele afirmasse publicamente sua convicção. É isso que um verdadeiro líder político faz: não espera que o mundo mude sozinho. A política serve para fazer o mundo mudar. E ele, como presidente da principal potência do mundo, não podia se omitir nessa luta pelos direitos civis.

Estive recentemente nos Estados Unidos representando o Brasil no Programa Visitantes Internacionais, do Departamento de Estado daquele país. Nesse programa, que neste ano teve como tema “Direitos LGBT são Direitos Humanos”, já passaram nomes como Indira Gandhi, primeira mulher a ocupar o cargo de chefe do governo indiano, Nicolas Sarkozy, advogado e ex-presidente da França e a presidenta Dilma Rousseff, entre outros importantes líderes mundiais. Como único representante brasileiro e ao lado de um grupo de dez líderes e ativistas da América Latina, visitei cinco estados e, no auge dessa histórica e bilionária campanha, tive contato direto com agentes governamentais e também organizações não-governamentais que me deram um retrato das violações de Direitos Humanos que lá acontecem.

Embora reconheça a importância da reeleição de Obama – ele certamente é a melhor opção para nossos vizinhos norte-americanos – não posso ignorar ou dar pouca importância à realidade de que nos EUA existem problemas sérios de violação de Direitos Humanos, em especial no que diz respeito às população de negros e latinos, vitimizados pelo alto índice de infecção pelo HIV e de encarceramento em massa, em regra envolto por contexto de marginalização da pobreza. Essas mazelas não são produtos específicos da gestão Obama: elas são resultados da formação histórica dos Estados Unidos, marcada pela escravidão de negros africanos e segregação racial dela decorrente, pelo extermínio de povos indígenas, pelos fluxos migratórios e por uma economia de mercado. Tinha esperanças, assim como o resto do mundo, que Obama enfrentasse com mais diligência essas questões nesse primeiro mandato, mas tenho esperança de que, nessa nova gestão, ele dê prioridade a elas (aliás, seu esforço para criar um sistema de saúde pública para aos pobres sinaliza o quanto ele quer enfrentar essas questões).

Dito isto, não é por acaso que tenha sido Barack Obama o eleito pelo povo norte-americano. Até meados do século passado, um americano negro, como ele, podia ser obrigado a ceder o assento no ônibus, podia ser impedido de entrar em determinados estabelecimentos e, em nada menos que dezesseis estados, não tinha direito a casar com uma pessoa branca. Mesmo que esta fosse uma mulher. Obama conhece essa história, todos conhecem. Mas ele carrega no sangue, na herança de sua família, na identidade de toda uma comunidade que teve que lutar contra o preconceito e a segregação. Quando Obama tinha apenas um ano, o estudante negro James Meredith tentou se matricular na Universidade de Mississipi e houve violentas manifestações racistas para impedi-lo. O presidente JFK teve de mandar três mil soldados e 400 agentes federais para protegê-lo. Até que uma sentença da Corte o proibiu em 1954, pela demanda de um pai negro de Kansas que não aceitava como única opção para seu filho as “escolas para negros”. Na época, vários estados autorizavam a segregação racial em colégios e universidades.

Agora, esse menino que nasceu naquele tempo de segregação e violência, esse filho de um imigrante africano que viveu nos EUA na época em que as pessoas com a sua cor eram tratadas pela lei como menos gente, é o presidente do país mais poderoso do planeta. Agora era com ele — como antes foi com Lincoln, com Kennedy — e ele tinha uma responsabilidade com sua própria história.

Obama levou a luta pelo casamento igualitário à vitória eleitoral. Não só a dele. Quatro estados americanos (Minnesota, Washington, Maine e Maryland) votaram ontem em plebiscitos sobre o direito dos homossexuais ao casamento civil. E, com o apoio de Obama, foi quatro a zero a favor da igualdade, pela primeira vez. Os direitos não deveriam ser plebiscitados, porque as maiorias não podem decidir sobre os direitos das minorias (se a maioria decidisse que os negros não tivessem direito a se casar, essa decisão, mesmo majoritária, seria ilegítima). No entanto, o voto majoritário a favor dos direitos da população LGBT prova que a decisão de um líder político de se comprometer pode fazer a diferença.

Além dessas vitórias, ontem foi eleita, pela primeira vez, uma senadora lésbica assumida, também democrata, que representará no Senado a voz daquelas e daqueles que não tinham voz no debate legislativo dos seus direitos. Eu estava torcendo muito pela vitória de Tammy Baldwin porque sei, como primeiro parlamentar gay assumido e ativista de direitos humanos no Brasil, que a presença de um ou uma de nós na casa onde se discutem as leis pode mudar muita coisa. Essas vozes que tentavam entrar ao Congresso, gritando forte na rua, agora têm direito a serem ouvidas no plenário.

Obama e Baldwin provaram também que o medo não é invencível. Que é possível mudar a correlação de forças na política, ganhar o coração e a cabeça das pessoas e derrotar o ódio irracional do fundamentalismo. E com essas vitórias, que também são pedagógicas, a conquista da igualdade está acada dia mais próxima.

Já tinha acontecido na Espanha, quando o ex-presidente Zapatero se arriscou. Ele também venceu. E venceu Sócrates em Portugal. E Cristina Kirchner na Argentina. E vencerão Hollande na França e Cameron no Reino Unido, provavelmente os próximos países a legalizar sobre o casamento civil igualitário. Quando Cristina se engajou nessa luta, foi difícil, mas um ano depois, ela foi reeleita. As ameaças do fundamentalismo, que jurou derrotá-la nas urnas, não adiantaram. E, somados, os candidatos presidenciais que tinham apoiado o casamento igualitário no país vizinho tiveram 84,5% dos votos. Eu tenho minhas diferenças políticas e ideológicas com Obama e com cada um desses líderes, mas respeito e valorizo muito o compromisso que eles assumiram na luta pela igualdade. Eles arriscaram e venceram, e foi o povo que ganhou.

Nos países onde o casamento civil igualitário foi aprovado, milhares de pessoas são mais felizes e ninguém perdeu direito algum.

Eu espero que a nossa presidenta Dilma ouça as mensagens que o mundo nos está enviando. O Brasil não pode ficar atrás na história!

A Justiça brasileira já está reconhecendo, a cada dia que passa e em mais cidades e estados, que a proibição do casamento aos casais do mesmo sexo é injusta, inconstitucional e anacrônica. É uma afronta à dignidade humana de milhões de brasileiras e brasileiros. Eu espero que a base governista no Congresso Nacional, e principalmente o PT, acompanhem e abracem a campanha suprapartidária e plural pelo casamento civil igualitário. Essa luta não deve ser a bandeira de um partido ou de um/a parlamentar, mas uma política do Estado brasileiro, de todas e todos nós. E os que são maioria têm uma responsabilidade maior.

A nossa presidenta também pode fazer a diferença. Eu espero que ela também chegue à conclusão de que é necessário afirmar publicamente sua convicção sobre os nossos direitos que, de certa forma, são também os dela, os de todas e todos. A história vai reconhecer a coragem daquelas e daqueles que arriscaram para acabar com a injustiça e fazer desse mundo um lugar melhor para se viver.

Saiba mais sobre a campanha pelo casamento civil igualitário no Brasil na página da campanha.