Daniel Ilirian: Corinthians e Palmeiras

Dizem que a primeira vez não se esquece. E a minha foi aos 8 anos. Foi meu pai quem me levou. Era dezembro, com muito calor, e minha mãe apenas sugeriu que eu levasse o agasalho da escola, pois voltaríamos à noite e São Paulo tem dessas coisas.

Por Daniel Ilirian*

Parecia que estava profetizando. Chegamos ao Centro e não havia mais ônibus que nos levasse ao estádio. Pelo menos não para nós. Havia para eles… Eu vestia a camisa do Corinthians, meu pai ordenou que eu pusesse o casaco e embarcamos. O jogo valia uma vaga na grande final. Mas isso para eles. Para nós era apenas Corinthians e Palmeiras, o meu primeiro Derby.

Lá dentro ficamos quietos ouvindo-os cantar que filho da puta era corintiano. Não importava, pois meu traje rubro escolar era o que nos separava da morte. Chegamos vivos ao Morumbi e o sonho deles era vencer um campeonato que há muito não viam. Sonho que acabou com um gol de calcanhar de Claudio Adão, e os deixou na fila por mais um ano. Minha alegria foi incontida e só não foi maior que no ano seguinte, ao ver o Corinthians conquistar seu primeiro título brasileiro. Glória maior não havia! Mas eles não desistiram …Valeram-se de suas raízes italianas e foram buscar na multinacional Parmalat a solução para os seus problemas. Nós rimos é claro, pois tirar leite de vaca os italianos podiam saber, mas de porco é outra história. E como nos enganamos.

A Parmalat transformou o Palmeiras numa máquina de jogar futebol. Tinha Animal e Capeta juntos e nós conhecemos o inferno de Dante. Era derrota atrás de derrota. Eles ganharam tudo que podiam. Eu não aguentava mais. Mas eis que surge no Parque São Jorge um negro carioca que só falava em Deus e àquela altura Jesus não dava mais conta. Foi apelidado de Pé de Anjo e acabou com o império romano, digo, alviverde.

Ganhamos do Palmeiras novamente! A ordem estava restabelecida e foi nossa vez de armar o melhor time do país. Ninguém nos resistia e sonhamos mais alto, dessa vez com a América. Nada seria capaz de nos impedir. Não havia mais Parmalat que nos incomodasse. Mas os deuses são sempre impiedosos e San Gennaro resolve lançar um São Marcos no Palestra Itália. Um goleiro que pegava até pensamento. O carcamano nos tira a América por duas vezes! Nosso sonho ruiu desgraçadamente, e a desolação foi total. O Palmeiras vai ao Japão jogar contra os ingleses e nós viramos bretões num instante. Claro, afinal, nossas origens eram inglesas, todos sabiam. Eles não podiam ganhar o mundo de maneira alguma. E tanto agouro deu certo. São Marcos falhou bisonhamente para tristeza deles e nosso alivio.

Já era século 21 e o Palmeiras volta ao Brasil para conhecer o rebaixamento. Nós choramos de tanto rir. Foi disputar o que havia de pior no futebol. Nós os deixamos de lado e continuamos a sonhar com a América ao ponto de acreditar nas palavras de um iraniano que nos prometeu até estádio. Eram como juras de amor. E nós caímos. Ao invés do sonho latino fomos rebaixados, humilhados, terra arrasada. Foi a vez de eles rirem. Reergueram-se e contrataram um Mago para vencer novamente. Foram campeões. E no ano seguinte fomos nós a ganhar. O Derby ferveu mais uma vez!

Era fenomenal. Eles quase ganharam o campeonato nacional e nós quase ganhamos a América. Eles nos odiavam e nós os detestávamos. Era assim mesmo. Tudo como era antes. Até que finalmente conquistamos a América. Eles ficaram incrédulos. Fizemos como eles, que ficaram macambúzios. O golpe foi grande. Já não dançavam a tarantella e as pizzas não abriam mais o apetite. E o Palmeiras foi caindo, caindo…

E caiu pela segunda vez em sua história, ao passo que o Corinthians alçou seu voo mais alto rumo ao Japão para enfrentar os mesmos ingleses que derrotaram seu maior rival. Parece mesmo o sinal dos tempos. E tem gente que afirma com toda certeza que o mundo vai acabar em 2012. Pura bobagem, pois amanhã é dia de Corinthians e Palmeiras.

*Historiador e colaborador do Vermelho