Brasil: vulnerabilidade externa cai, mas ainda há desafios

O Brasil mostra hoje indicadores de vulnerabilidade externa melhores do que antes da crise deflagrada em 2008, contrariando o que se imaginaria à primeira vista. Mas há desafios para manter essa tendência: em especial, sustentar as exportações num mundo em lento crescimento e continuar atraindo investimento estrangeiro direto (IED) de modo a garantir o financiamento do déficit em transações correntes.

No mês passado, o buraco na conta corrente do país com o exterior saltou para US$ 5,43 bilhões e superou a previsão do próprio Banco Central (BC), que contava com um déficit de US$ 4,9 bilhões. Ainda assim, o IED foi mais do que suficiente para cobrir a conta, ao alcançar US$ 7,73 bilhões. Em novembro, segundo as estimativas do BC, esse quadro não deve se repetir: a previsão é de déficit em transações correntes de US$ 6 bilhões e só a metade em investimento estrangeiro.

Analistas ainda veem como confortável o financiamento das contas do Brasil com o exterior no médio prazo, mas chamam atenção para a contribuição cada vez menor da balança comercial, considerada a fonte "autônoma" de um país para esse fim.

A relação entre o passivo externo líquido (PEL) e as exportações brasileiras acumuladas em 12 meses, considerada uma das principais medidas de solvência de um país, encerrou o terceiro trimestre em 2,64 – indicando que seria necessário mais que o dobro das vendas externas do Brasil para fazer frente à soma da dívida externa com o estoque de capital estrangeiro investido internamente.

Esse termômetro mostra significativa inflexão a partir do segundo semestre do ano passado. Foi naquele momento que o índice caiu abaixo de 3, faixa em que se mantém até agora, destaca Daniela Magalhães Prates, professora do Instituto de Economia da Unicamp e especialista na análise das contas externas do país.

À exceção do fim de 2008, quando esse termômetro recuou a 1,41 por conta da abrupta retração nos fluxos de capital com a quebra do Lehman Brothers, a relação vinha apontando que o Brasil precisava de volume bem superior de exportações anuais para financiar o passivo externo (ver tabela).

Depois da crise, em 2010, o indicador chegou a piorar, até que uma "gestão mais ampla" dos fluxos de capital abrandou o movimento, defende a professora. Segundo ela, foi a reação do governo brasileiro às medidas de afrouxamento quantitativo nas economias maduras que estancou a piora da vulnerabilidade externa. "O país acumulou muito passivo volátil e a gestão dos fluxos de capital controlou o indicador de solvência", avalia a acadêmica, que defende o uso dos controles adotados pelo governo para brecar a entrada maciça de recursos de curto prazo.

"Estamos em situação melhor com redução do indicador de solvência e, ao lado disso, temos uma composição mais favorável [do fluxo para o país], com mais investimento estrangeiro direto e menos investimento de portfólio", acrescenta. "Mas precisamos estimular investimentos em setores mais inovadores da economia [para continuar atraindo recursos de longo prazo]. Caso contrário, vamos perder de novo o bonde."

Outros indicadores de endividamento externo acompanhados pelo BC apontam melhora nos últimos anos. A relação entre serviço da dívida e exportações saiu de 19% no fim de 2008, beirou 30% em 2009 e estava em 18,9% em setembro. A razão entre as reservas internacionais e o serviço da dívida, por sua vez, saiu de 5% em 2008 e fechou o terceiro trimestre em 8,1, segundo dados estimados pela autoridade monetária.

"Não fico muito preocupado com o financiamento da conta corrente", pondera Antonio Madeira, economista da área externa na consultoria LCA. "Mesmo num ambiente de eventual piora da aversão ao risco, em que os prazos tendem a se encurtar, o governo poderia, por exemplo, voltar atrás em algumas travas impostas, como o IOF sobre renda fixa."

A LCA espera que o déficit em conta corrente feche 2012 em torno de US$ 54 bilhões (ou o equivalente a 2,30% do Produto Interno Bruto) e que o investimento estrangeiro direto alcance US$ 63 bilhões (2,7% do PIB). Para 2013, segundo as instituições consultadas pelo BC no relatório Focus, o quadro é menos tranquilo: as estimativas são de US$ 65 bilhões e US$ 60 bilhões, respectivamente.

Fonte: Valor Econômico