Ditadura quis prender Abdias do Nascimento por sua influência

De acordo com o relatório da Divisão de Segurança e Informação (DSI) do Ministério da Justiça, o ex-deputado e pesquisador Abdias Nascimento, um dos maiores ativistas de direitos humanos do país quase foi processado pela Lei de Segurança Nacional (LSN) durante o regime militar. O Serviço Nacional de Informações (SNI) considerou que ele poderia se constituir em uma influência capaz de apresentar um projeto político original para o país, voltado para o movimento negro.

Abdias do Nascimento - Ricardo Stuckert/PR/Agência Brasil

De acordo com reportagem publicada nesta segunda-feira (26) pelo jornal Correio Braziliense, Abdias concedeu uma entrevista ao Pasquim na qual fez críticas às políticas governamentais para o movimento. A entrevista foi concedida uma visita ao país. Ele vivia nos Estados Unidos, onde lecionava em uma universidade em Nova York. O fato bastou para o SNI instigar o então ministro da Justiça, Armando Falcão, a analisar sua inclusão na temida Lei de Segurança Nacional. Para isso, juntou diversos trechos do depoimento do ativista. O processo, que começou em setembro de 1978, durou quase quatro anos, e só foi arquivado em março de 1982.

De acordo com os militares, ele poderia se constituir em uma influência capaz de apresentar um projeto político original para o país, voltado para o movimento negro. Várias ideias expostas na entrevista incomodaram o governo militar, como a Lei Afonso Arinos – que combate o racismo -, considerada por Abdias como "uma piada", segundo relatório da Divisão de Segurança e Informação (DSI) do Ministério da Justiça.

Um dos pontos citados pelos agentes era a Carta de Princípios do Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial, que tinha cinco itens principais: a defesa da comunidade negra, a reavaliação do papel do negro na história do Brasil, a extinção das formas de perseguição e repressão, a liberdade de expressão e organização e a liberdade à luta internacional do negro. “O senhor ministro-chefe do SNI se dirige a V. Exa. encaminhando informação a respeito de Abdias Nascimento e solicitando estudo deste ministério sobre a possibilidade de processá-lo com base à Lei de Segurança Nacional”, relata documento enviado a Armando Falcão, que pede análise de sua assessoria jurídica.

A consultoria do ministro fez um parecer baseando-se também em outras entrevistas de Abdias e, depois de uma análise de cinco laudas, conclui que ele não poderia ser enquadrado por não ter cometido crime algum. “Inobstante a injustiça cometida — a de o ativista declarar a existência do racismo no Brasil — , não nos parece tenha o entrevistado praticado delito de imprensa ou contra a Segurança Nacional, porquanto, embora a seu modo, a sua posição é contrária à discriminação racial”, avaliaram os advogados do Ministério da Justiça.

Na mesma entrevista, Abdias teria reclamado à repórter que viajara dos Estados Unidos para o Brasil com a carteira de identidade, pois seu passaporte brasileiro lhe fora negado pelas autoridades do país. A consultoria jurídica do Ministério da Justiça sugeriu que a diplomacia brasileira fizesse um encontro com o ativista, uma forma de amenizar a situação. Com isso, segundo o relatório produzido à época, constituiria “em instrumento de nossa propaganda internacional, reveladora da ausência de qualquer discriminação racial no Brasil.”

Abdias

Abdias morreu  no dia 24 de maio de 2011, aos 97 anos, no Rio de Janeiro, sem jamais ter deixado de denunciar as perversões sociais da escravidão: "Há preconceito racial no Brasil", repetia até nas mais discretas oportunidades. Fundador do Teatro Experimental do Negro (TEN), em 1944, ele ajudou a constranger o racismo nos palcos brasileiros, tirando a temática negra das coxias, acompanhado por artistas como Ruth de Souza, Santa Rosa e Milton Gonçalves.

Abdias exerceu por duas vezes o mandato de senador, sob a liderança política de Leonel Brizola, no PDT. "No Brasil, que tem essa fama toda de democrático, me lembro como fui esmagado quando fui senador", declarou em entrevista ao Terra.

Com informações do Correio Braziliense e do Terra