Saul Leblon: O cheiro da naftalina tucana e o sopro progressista

O lançamento burocrático do nome de Aécio à sucessão de Dilma Roussef, feito por apressados tucanos nesta segunda-feira (3), exala o odor da naftalina entranhada nas peças do vestuário preteridas no guarda-roupa. Quando finalmente ascendem à luz, já perderam a sintonia com o manequim e a estação.

Por Saul Leblon*, na Carta Maior

Ungido no vácuo, Aécio ainda gaguejou assombrado: "antes de candidatura, a legenda precisa de agenda".

Não sem razão. O credo do PSDB transformou-se num pé de chumbo histórico. Hoje ele pisoteia o que restou do Estado do Bem-Estar Social europeu superpondo o arrocho ortodoxo ao colapso neoliberal. Apaga incêndio com gasolina.

As labaredas atingiram a classe média europeia da qual o tucanato um dia considerou-se uma espécie de prefiguração tropical culta, rica, bela e cheirosa.

19 milhões de desempregados, quase 120 milhões na antessala da pobreza, revestem a zona do euro das cores de uma tragédia histórica feita de despejos, suicídios, fome e pobreza, em escala e virulência desconhecidas desde a 2ª Guerra.

A candidatura Aécio é isso: o choque de gestão de Alckmin algemado ao descrédito planetário da bandeira dos mercados autorreguláveis. Queira ou não, sua candidatura vestirá o que lhe resta – a camisa conservadora impregnada da naftalina udenista.

O único plano de voo tucano é a aposta no acuamento político do PT e do governo Dilma.

Depende muito de como o outro lado reagir.

A inexistência de um contraponto estruturado de mídia progressista, por exemplo – ontem e ainda hoje menosprezado pelo governo Dilma – amplifica o alcance dessa ressurgência udenista, cuja chance de volta ao poder pressupõe nada menos que a destruição de Lula e o engessamento de sua sucessora.

Não é único flanco de um viés de complacência cada vez mais temerário.

O PT de certa forma foi uma costela emancipada da efervescência cristã-progressista semeada pela Teologia da Libertação nas periferias metropolitanas. A ela associou-se a energia sindical amadurecida nos levantes metalúrgicos do ABC paulista, nos anos 1970 e 1980.

Dessa simbiose de forte capilaridade emergiram lideranças e quadros que iriam catalisar segmentos egressos da luta armada, intelectuais de esquerda, cristãos progressistas e democratas em geral, na construção de um novo partido socialista, libertário e ecumênico.

O êxito eleitoral fulminante associado ao revés simultâneo da ala progressista da Igreja Católica contribuiria para o duplo desmonte da enraizamento original pela base.

O jogo eleitoral absorvente impôs a sua lógica absolutista na vida interna do partido; o golpe conservador dentro da Igreja Católica reproduziria o mesmo vácuo nas periferias crescentemente colonizadas pela individualização evangélica.

A vitória de Fernando Haddad em São Paulo reabre essa página da história.

A partir de São Paulo o PT pode – se quiser – renovar o arsenal de políticas públicas, ao mesmo tempo em que regenera a capacidade de organização pela base.

Seria uma demonstração de discernimento histórico da nova gestão petista, por exemplo, criar uma Secretaria de Participação Cidadã.

Sua missão democrática seria reativar a nucleação suprapartidária da cidadania em torno de questões cruciais que atormentam o cotidiano dos bairros de classe média, dos conjuntos populares e das periferias distantes.

O renascimento da participação comunitária impulsionado pelo recorte ecumênico, pavimentaria a realização de grandes conferências municipais temáticas. Nelas, delegados de classe média e de cinturões populares pactuariam suas prioridades para São Paulo.

O processo ganharia difusão através de uma rede de mídia alternativa capaz de amplificar a mais significativa virada cultural na gestão de uma metrópole no século 21: o protagonismo democrático de seus habitantes.

A vitalidade participativa em uma das cinco maiores manchas urbanas do planeta sacudiria a vida política do país e a letargia interna do PT.

Faria mais que isso: fomentaria um anteparo de discernimento popular com densidade capaz de resistir ao golpismo conservador que, queira ou não Aécio, deve cavalgar a sua candidatura a 2014 – se e até quando ela sobreviver à liquefação neoliberal.

* Saul Leblon é jornalista

** Título original: O cheiro da naftalina e o sopro progressista