Migração na Europa: Alemanha lida com a diversidade
Em um contexto de permanente discriminação aos estrangeiros, os "gastarbeiter" (trabalhadores convidados) e às pessoas de pele mais escura, a Alemanha se depara com a necessidade urgente de repensar a ambivalência com a que maneja a diversidade da população.
Por Francesca Dziadek, na agência IPS
Publicado 01/01/2013 12:43
Aproximadamente 20% da população, uns 16 milhões de pessoas, são descendentes de imigrantes.
Os dados demográficos assinalam que 25% das pessoas menores de 25 anos descendem de imigrantes. Os integrantes deste grupo, chamados de "novos alemães", reclamam visibilidade, representação e participação social e política, enquanto uma geração mais velha perde rapidamente paciência, diante da incapacidade do Estado de compensar delitos raciais e anos de exclusão.
Numa exposição pelos 775 anos desta cidade, chamada "Berlim: Cidade da Diversidade", trabalhadores turcos, que passaram a vida trabalhando dia e noite nas linhas de montagem de gigantes como Siemens e Telefunken, lembraram que foram atraídos a este país durante a escassez de mão de obra, após a construção do Muro de Berlim, em 1961.
Hoje, seus netos continuam lidando com a velha mentalidade da sociedade alemã de que "o barco está cheio".
Após a queda do Muro, em 1989, a "integração" se tornou o grito de guerra da reunificação da Alemanha. Enquanto Berlim oriental e ocidental se fundiam uma no braço da outra, minorias menos visíveis, como vietnamitas, no oeste, e "trabalhadores convidados", no leste, se encontraram diante de um obstáculo adicional: um envidraçado muro de acesso e inclusão, que se mostrou mais duro de quebrar do que o de concreto.
"Nunca gostei da palavra 'integração'", disse numa rádio pública a popular colunista turco-alemã Hatice Akyün, que escreve no jornal Der Tagesspiegel.
"Traz consigo as perguntas: quem integra com quem, como e por que?", questionou Akyün, credora do Prêmio Integração 2011 de Berlim.
Em 2005, preocupada com o envelhecimento da população e pela baixa natalidade que ameaçava de distorcer o equilíbrio demográfico do país, a Alemanha reviu a legislação sobre imigração, ampliando o critério de entrada, para incluir profissionais altamente qualificados, concedendo aos formados estrangeiros de universidades locais um ano para procurar emprego e dando as boas-vindas a imigrantes autônomos.
Pouco depois de promulgada a reforma, a organização neonazista Nationalsozialistischer Untergrund matou sua terceira vítima, Ismail Yasar, um verdureiro turco de 50 anos, de Nuremberg, como parte de uma série de assassinatos entre 2000 e 2006.
Aykün viveu na própria carne a temerosa escalada da tipificação de islâmicos para pessoas de origem turca.
"O ponto mais baixo para mim foi o debate de Sarrazin", contou à IPS, referindo-se ao auge da islamofobia e à demagogia populista, que se alastrou depois da publicação do livro Deutschland schafft sich ab (Alemanha se extingue a si mesma"), de Thilo Sarrazin, em 2010.
O livro, que se tornou a obra mais popular da literatura em décadas, com 1,5 milhão de exemplares vendidos, expôs o profundo sentimento anti-imigração da sociedade alemã.
"Um nome e uma fotografia de alguém com origem turca, num pedido de emprego faz diminuir em 14% as possibilidades do candidato", disse a senadora Dilek Kolat, uma das oradoras na conferência Diversidade 2012, patrocinada pelo estatuto da diversidade da Alemanha.
Kolat defendeu um processo concreto para implantar uma agenda de igualdade de oportunidades e de inclusão social, como sua iniciativa "Berlim necessita de você", uma campanha destinada a atrair candidatos de minorias para o setor público.
"Um enfoque neutro já não é relevante nem útil", opinou Kolat, diante de responsáveis de diversidade e funcionários dos recursos humanos de todas as partes da Alemanha.
Não surpreende que as corporações estejam entre os propulsores mais ativos de uma política autorregulada em matéria de diversidade, pois apontam para novos mercados globais.
O gerente-geral da Siemens, Peter Löscher, foi um pioneiro há cinco anos, quando disse que sua junta de diretores era "muito alemã, muito branca e muito varonil".
"A diversidade é o pão de nosso dia-a-dia, nossa estratégia clara como ator global", disse Brigitte Ederer, integrante da junta diretora da Siemens AG, com cerca de 52 mil empregados.
"Simplesmente, uma força de trabalho diversa tem sentido econômico, as equipes mistas resolvem problemas da forma mais efetiva", destacou.
Segundo o ministério federal de Trabalho e Assuntos Sociais, se prevê na Alemanha uma escassez de seis milhões de trabalhadores, até 2025.
Em resposta à atual crise econômica, o cartão azul da União Europeia, uma permissão de trabalho, entrou em vigor em agosto, como também o portal "Bem-vindo à Alemanha", um projeto de profissionais qualificados que "relaciona toda informação importante sobre como fazer uma carreira e viver na Alemanha", afirmou.
O setor público também deve atender com urgência o problema da diversidade. A Alemanha tem apenas 13% de funcionários pertencentes a alguma minoria, bem atrasada em relação à França e Grã-Bretanha, com 20%, segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos (OCDE).
"A polícia ainda não tem uma estratégia em matéria de diversidade, o enfoque dominante é a assimilação, a consciência da diferença não faz parte da mentalidade e é meu objetivo mudar isso", declarou à IPS a subcomissária da polícia, Margarete Koppers.
Sua declaração coincide com um momento em que toda a força está sendo observada por não prender os responsáveis pelos nove assassinatos de comerciantes de origem estrangeira, ocorridos entre setembro de 2000 e agosto de 2006.
Especialistas afirmam que isto equivale a aceitar o profundo racismo estrutural, e que há tempos falta na Alemanha um reconhecimento formal, como o relatório McPherson, de 1994, na Grã-Bretanha.
O professor da Universidade de Tübingen, Kien Nghi Ha, que chegou ao país em 1979, lembra em seu estudo sobre as relações entre a Ásia e a Alemanha um doloroso episódio que marcou sua infância: um ataque, em agosto de 1980, contra um abrigo de solicitantes de asilo em Hamburgo que deixou dois vietnamitas, de 18 e 22 anos, mortos.
Não foi feita nenhuma investigação nem entrou para as estatísticas. Os assassinatos nem mesmo foram registrados na categoria de crimes políticos.
Reconhecer tais crimes é um passo crucial para conseguir uma Alemanha mais diversa e inclusiva.
Fonte: Granma Internacional