Haroldo Ceravolo: “Diante do Nada”, um conto de Oscar Niemeyer

Como muitos jornalistas que atuaram em cadernos culturais, tive o prazer de preparar textos e edições para uma eventual morte de Niemeyer que, felizmente, morreram nas gavetas e nas memórias de computadores de que foram ficando obsoletos nos últimos 20 anos.

Por Haroldo Ceravolo Sereza*


Abaixo da imagem, segue um texto que publiquei sobre uma obra sua – não um prédio, mas um conto, lançado com livro pela editora Revan em 1999. O texto saiu no caderno “Ilustrada”, da Folha de S.Paulo, em 20/11/1999.

Niemeyer cria Way, a lenda contra a opressão

O arquiteto Oscar Niemeyer tem colecionado merecidas homenagens nos seus quase 92 anos de vida. Resolveu prestar as suas, com o lançamento da ficção “Diante do Nada”, que chama de conto, mas que merece a qualificação de lenda, no sentido mais elevado do termo.

“Com este texto, sem preocupação literária, desejo apenas esclarecer os que me estimam, estudantes, colegas, desconhecidos que me fazem parar na rua solidários, sobre o que penso da vida, dos homens, deste universo fantástico que nos cerca”, escreve numa breve apresentação. “É a história de um jovem que se preocupa com o mundo e seus semelhantes e que no drama do ser humano se integra, lutando desesperadamente”, completa.

As homenagens prestadas por Niemeyer começam com a dedicatória: “À juventude do meu país”. E passam pelos personagens: o protagonista se chama Way, redução de Hemingway, apelido que recebe devido à semelhança com o escritor; um outro personagem se chama Gregório, primeiro nome do comunista Gregório Bezerra, preso e torturado durante o regime militar, também citado diretamente no livro.

Niemeyer também reverencia a natureza, o mar, as dunas, a contemplação de praias desertas. Discute arquitetura, compara uma casa a um homem. Mas a grande homenagem do livro é aos que resistiram, cada um ao seu modo, à opressão do regime militar brasileiro (1964-1985).

Há o guerrilheiro solitário (Way), a igreja progressista (frei Sabino), a oposição cautelosa, que recusa a luta armada, do Partido Comunista Brasileiro (Gregório), o operário Tião -personagens que estabelecem entre si relações cordiais e respeitosas, apesar das divergências políticas.

Way (caminho em inglês), um escritor, busca, com sua companheira Lili, uma saída para o beco em que o país se metera. Divide-se entre a literatura e a resistência. Opta pela segunda. O caminho escolhido não parece ter saída e, um dia, voltando da praia com Lili, o casal é surpreendido pela polícia. Ele é metralhado, ela foge para o mar, onde também é alvejada.

Quando o fim parecia trágico, entra a lenda. A história não acabou. O país está novamente em crise, “as empresas estatais são vendidas a preço vil”, “a revolta parece a mesma dos velhos tempos”, “o que vai acontecer?”.

Acompanhado por desenhos belíssimos do próprio Niemeyer, “Diante do Nada” é mais um pequeno monumento do arquiteto. Um detalhe numa vida lendária, mas um detalhe cheio de graça.

*Haroldo Ceravolo Sereza é jornalista e colunista da Revista Samuel.

Fonte: Revista Samuel