Opinião: O prefeito Haddad e as enchentes

Em seu primeiro dia de governo, o prefeito Fenando Haddad anunciou um pacote de 16 medidas emergenciais para a redução dos danos das enchentes na capital paulista durante o atual período chuvoso. No âmbito de um caráter nitidamente emergencial, poder-se-ia sugerir isso ou aquilo para melhorar os efeitos reais desse pacote, mas não muito mais do anunciado pelo prefeito.

Por Álvaro Rodrigues dos Santos*

Acertadíssima, aliás, a contratação do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) para o monitoramento das áreas de risco já mapeadas, um qualificadíssimo reforço às ações de Defesa Civil.

Vale lembrar, ainda dentro desse caráter emergencial voltado a salvar vidas, a importância prioritária que deva se dar nesse momento à remoção e reassentamento de famílias que hoje ocupam trechos críticos de margens dos córregos urbanos, situação em que suas precárias moradias ficam sujeitas ao fatal solapamento por consequência de águas torrenciais.

Entretanto, ainda que indispensáveis, as medidas emergenciais sabidamente são de curto alcance e de restrita eficácia. A questão fundamental não está aí. Estará, sim, na abordagem com que a gestão tratará um indispensável plano maior de combate às enchentes, situação em que, em vez das consequências, serão as causas reais do fenômeno que deverão ser enfrentadas.

Para tanto, é de início imperativo que a nova administração tenha o destemor e a clarividência de perceber e assumir que os sucessivos planos de combate às enchentes elaborados e executados pelos governos estadual e municipais da Região Metropolitana de São Paulo redundaram em um fragoroso fracasso.

As enchentes urbanas na metrópole estão acontecendo a cada ano com maior frequência, com maior intensidade e com maior distribuição geográfica. Estamos, no que diz respeito às enchentes, em uma situação crítica e trágica. E, por favor, não venhamos a acreditar que esse infortúnio se deva a fatores como o aquecimento global ou mesmo, simploriamente, ao lixo urbano.

Concisamente, as enchentes urbanas são explicadas pelo incrível aumento do volume de águas de chuva que aflui, em tempos sucessivamente menores, para um sistema de drenagem –córregos, rios, bueiros, galerias, canais– progressivamente incapaz de lhe dar a devida vazão.

A extensiva impermeabilização do espaço urbano, a exagerada canalização de córregos e o rápido assoreamento das drenagens por enormes volumes de sedimentos oriundos dos processos erosivos incidentes nas zonas periféricas de expansão urbana são os fatores causais essenciais a serem batidos. E tecnologicamente, como nos ensinam várias cidades do mundo, vencer essa batalha é plenamente possível.

Registre-se que, em nosso caso, e agravantemente, não somente não vêm combatendo essas causas, mas, pior, nossas cidades continuam a crescer reproduzindo-as, multiplicando-as e potencializando seus maléficos efeitos.

Senhor prefeito, está em suas mãos a oportunidade áurea de corrigir esses maus rumos e liderar a metrópole para um competente e resolutivo enfrentamento das enchentes, incluindo uma inteligente divisão de responsabilidades. Ao Estado, caberiam as medidas estruturais, voltadas a dotar nossos maiores rios de maior capacidade de vazão; aos municípios, as medidas não estruturais, voltadas a recuperar a capacidade do espaço urbano em reter águas de chuva e a combater o perverso binômio erosão/assoreamento.

Para tanto, passo inicial, é preciso romper com a lógica dos atuais planos, antes que eles consigam afogar de vez a metrópole em enchentes e nos pútridos e deletérios piscinões, esse atentado urbanístico e sanitário que vem sendo irresponsavelmente adotado como a panaceia para todos os males.

* Álvaro Rodrigues dos Santos é geólogo, foi diretor de Planejamento e Gestão do Instituto de Pesquisas Tecnológicas. É autor de "Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções"

Fonte: Folha de S.Paulo