Cacá Dieguez: 50 anos da cara do Brasil nos cinemas

Um dos grandes representantes do Cinema Novo, que mudou a cinematografia nacional e passou a mostrar a cara do Brasil, Cacá Diegues foi autor de filmes que refletem a alma do brasileiro; ele acaba de completar 50 anos de estrada.

Por Marcos Aurélio Ruy (*)

Escola de samba alegria de viver

No ano passado, o cineasta alagoano completou 50 anos de carreira; militante da cultura desde o Centro Popular de Cultura, da UNE, sempre manifestou sua crença na criação e afirmação do cinema brasileiro e, por isso, mostra-se feliz com a atualidade da produção nacional.


Cacá Dieguez

“Posso garantir que vivemos, nestes últimos 20 anos, uma era de ouro em nosso cinema, com diversidade regional e geracional, de estilo e política, comercial ou artístico”, afirmou sobre o atual momento que a produção nacional vive. Ele participou do clássico Cinco vezes favela (1962) com o segmento Escola de samba alegria de viver. Em pouco tempo transformou-se num dos grandes cineastas brasileiros, que, sob a ditadura de 1964, persistiu em aprofundar o conhecimento sobre o Brasil de verdade, mostrando as mazela do país, sem maniqueísmos.

Ao lado de cineastas importantes como Glauber Rocha, Leo Hirszman, Joaquim Pedro de Andrade, Nelson Pereira dos Santos, entre outros, deu uma cara nova ao cinema brasileiro a partir da década de 1960. Perseguido pela ditadura, em 1969 teve de deixar o país ao lado de sua companheira, a cantora Nara Leão.

“Faço filmes sobre aquilo que provoca minha curiosidade”, disse a respeito da temática que apresenta nas telonas do país. Complementa sua proposta ideológica e artística relatando que “o Brasil aparece nos meus filmes porque ele é um desafio, um mistério para minha compreensão”.

Diegues reafirma ainda sua opção em aprofundar a reflexão sobre o país ao dizer que “só é interessante fazer filmes sobre o seu próximo, sobre aquilo que só você pode e sabe fazer”.

E ele sempre o fez muito bem, diga-se de passagem. Para Diegues “é sempre difícil fazer cinema, em qualquer país do mundo” mas, diz, com os novos rumos do audiovisual no país nos últimos 10 anos, “podemos construir uma cinematografia de destaque para o século 21”.

Acentua com a autoridade de um grande autor: “tenho 50 anos de atividade cinematográfica e posso garantir que vivemos, nestes últimos 20 anos, uma era de ouro em nosso cinema, com diversidade regional e geracional, de estilo e política, comercial ou artístico. Não tenho nenhuma dúvida sobre a consolidação da qualidade de nossos filmes”, analisa, mas acredita que “a economia em que ele é feito não é consistente” e por isso, “pode se esfacelar a qualquer momento se não tomarmos certas precauções estruturais”, preocupa-se.

O diretor de Chuvas de verão (1978) produziu uma das cenas mais instigantes da película brasileira com a cena de sexo entre dois idosos (Jofre Soares e Miriam Pires), elaborada com a intenção de provocar o preconceito contra os mais velhos, que estariam determinados ao desterro.

Diegues foi autor de alguns clássicos do cinema nacional, como Cinco vezes favela, Ganga Zumba (1964), Os herdeiros (1969), Joanna Francesa (1973), Xica da Silva (1976), Bye bye Brasil (1979), Quilombo (1984), Dias melhores virão (1989), Tieta do Agreste (1996), Orfeu (1999), Deus é brasileiro (2002), O maior amor do mundo (2006). Bye bye Brasil (que traz outra cena antológica da produção brasileira quando José Wilker faz nevar no sertão em sua apresentação circense pelo sertão nordestino, ironizando aqueles que veem neve como sinônimo de país adiantado.

Outro assunto muito marcante na obra de Cacá Diegues é o combate ao racismo, uma das mais terríveis mazelas herdadas do Brasil escravista, que denuncia em diversas obras como Ganga Zumba, Xica da Silva, Quilombo. Foi inclusive um dos primeiros cineastas brasileiros a apresentar negros como protagonistas em suas películas.

Racismo retratado numa cena notável em O maior amor do mundo, onde a atriz Taís Araújo, uma favelada carioca acompanha José Wilker, um renomado cientista ao hotel onde ele estava hospedado e ao adentrar ao restaurante ela para na porta perante os olhos assustados dos presentes e também se assusta e vê que aquele não é o “seu lugar”, que a deixa revoltada.

Para ele, “o racismo está entranhado na alma de cada um de nós, depois de séculos de escravatura e submissão dos negros pobres em nossa sociedade. Precisamos combater isso cotidianamente, em cada passo que dermos na sociedade. Mas tenho confiança em sua superação no Brasil”.

Ultimamente, Cacá Diegues tem se dedicado a abrir espaços para realizadores jovens, sem condições financeiras de produzir filmes, como em Cinco vezes favela – agora por nós mesmos (2010), onde abriu a possibilidade para novos cineastas fazerem os episódios que resultaram no filme. “Eu andava fazendo palestras, dando aulas e organizando projeções de filmes em favelas cariocas quando me dei conta de que estava tendo o privilégio de testemunhar o nascimento da primeira geração de cineastas moradores dessas comunidades. Resolvi fazê-los conhecidos, mostrar o que eles são capazes de fazer. É um dos momentos de que mais me orgulho em minha vida de cineasta brasileiro”, explica.

(*) Colaborador do Vermelho

Cena do filme O maior amor do mundo (2006)