10 anos do PT no poder: um país em busca da independência 

Ao assumir a presidência da República em 2003, de forma inédita na história brasileira, o operário Luiz Inácio Lula da Silva e seu Partido dos Trabalhadores (PT), articulados a um grande e heterogêneo bloco de poder, herdaram o desafio de emergir o país de uma profunda e grave crise cambial. Além disso, era necessário iniciar um processo de reversão do baixo crescimento, da miséria e das desigualdades sociais, pontos marcantes do subdesenvolvimento nacional.

O capital político conferido pelas urnas, naquela que foi considerada uma das maiores vitórias do atual período democrático – mais de 61% dos votos no segundo turno – não resultou em mudanças drásticas na orientação da política econômica de então. De lá para cá, o governo viu aliados históricos desembarcarem de seu projeto, atravessou escândalos políticos, mas acabou obtendo indicadores de crescimento econômico, como emprego e salário que, no seu conjunto, deram enorme popularidade à gestão, catapultando outras duas vitórias eleitorais seguidas, com o segundo mandato de Lula (2007-2010) e a chegada de Dilma Rousseff à presidência para mais quatro anos (2011-2014).

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O Brasil de Fato conversou com economistas de diferentes percepções para tentar compreender o sentido do programa econômico executado pelo PT no governo federal ao longo de uma década. Para uns, o partido optou pelo simples “continuísmo” e teria aprofundado a face liberal da economia, consolidando uma posição “subalterna” do país no cenário internacional. Internamente, na visão desses mesmos especialistas, o crescimento com distribuição de renda não seria tão vigoroso como se apregoa.

Para outros, o governo estaria deslo­cando, de forma gradual, o eixo do desenvolvimento econômico do setor financeiro para o setor produtivo. Além disso, seriam significativas a ampliação de direitos sociais e a incorporação de imensas populações no consumo, fortalecendo o mercado interno. Todos eles concordam, porém, com o caráter altamente dependente e ainda frágil da economia brasileira.

Cartilha da dependência

Para quem esperava uma inflexão imediata da política econômica brasileira a partir de 2003, surpreendeu-se com a linha ortodoxa adotada pelo então ministro da Fazenda, Antônio Palocci, e o presidente do Banco Central à época, Henrique Meirelles. No primeiro semestre de governo, além de um corte de R$ 12 bilhões no orçamento geral da União, os brasileiros viram o governo subir os juros para pagamento da dívida pública (taxa Selic) para estratosféricos 26,5% ao ano. O superávit primário, saldo das receitas sobre despesas do governo (exceto os juros da dívida) foi elevado de 3,75% para 4,25%, expressando o compromisso do governo com a remuneração do capital financeiro. Palocci queria retomar a confiança dos mercados ainda abalados pela crise cambial de 1999 e pelo “temor” da chegada de Lula ao poder.

“A declaração de prosseguimento da política macroeconômica foi explicitada na tristemente famosa Carta aos Brasileiros, que o Lula apresentou antes das eleições”, critica o economista Paulo Passarinho, ao se referir ao documento que o então candidato do PT divulgou se comprometendo, entre outras coisas, a manter as bases vigentes da economia. “É o mesmo compromisso que havia sido acertado por Fernando Henrique e sua equipe na virada do ano 1998 pa­ra 1999 e que tinha sido, inclusive, reafirmado no acordo extraordinário com o FMI em 2002. O que nós temos, na ver­dade, é a aplicação plena de um receituário do Banco Mundial. Há uma linha de continuidade que os governos FHC, Lula e Dilma encarnam”, reitera.

Para Guilherme Delgado, economista, pesquisador e servidor aposentado do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o governo ficou pelo menos três anos se havendo com a repercussão da crise anterior, para só depois montar um “novo esquema de fazer política econômica”, que seria o início de outros ciclos da economia durante o governo do PT. Isso teria sido percebido no modo como se lidou com a mais grave das crises capitalistas, em 2008. “A gestão da crise financeira internacional praticamente preservou a economia de uma recessão profunda. Foi uma gestão pelo lado do crédito, do gasto público, da manutenção do pacote de direitos sociais e o aquecimento do consumo. Porém, não se mudou nada da engenharia econômica e financeira preexistente, com juros altos e câmbio flutuante”, explica.

Distribuição de renda

Alardeada como uma das maiores ben­feitorias da era PT, o processo de redistribuição de renda é visto com ponderação pelos economistas entrevistados. Guilherme Delgado aponta avanço no que chama de “aplicação das regras constitucionais dos direitos sociais, revitalizada pela política de salário mínimo, muito mais importante do que nos outros governos. Isso melhora a igualdade, principalmente no sentido de ampliar a capacidade de consumo das massas”.

Na visão do economista Paulo Passarinho, o que tem acontecido é um processo inverso, de maior concentração da riqueza e da renda ao longo dos últimos anos. “A melhor prova disso é observarmos a estrutura tributária brasileira e a estrutura fiscal. A primeira diz respeito à maneira como o Estado arrecada os impostos e a segunda se refere à forma como se investe os recursos. Ora, a principal parcela da carga tributária advém da taxação dos preços finais cobrados dos consumidores e quem consome mais, proporcionalmente ao que ganha, acaba pagando mais impostos. É o caso do pobre, que consome tudo o que ganha”, compara.

Passarinho observa que a única redução da desigualdade em termos de renda se deu entre a grande massa de trabalhadores assalariados, que passou a ganhar salários menos díspares. Quanto às classes sociais mais ricas, a diferença em termos de renda foi ampliada, confirma o economista.

“A maneira como o Estado gasta seus recursos beneficia os ricos, detentores de riquezas monetárias. Basta ver que metade do orçamento da União é direcionado à quitação de despesas financeiras. Se (esse orçamento) fosse gasto em programas de saúde, educação, transporte público, se retornasse ao cidadão na forma de recursos públicos, isso representaria distribuição de renda. Porém, a maior parte dos recursos arrecadados é destinada ao pagamento de débitos financeiros decorrentes do que eu chamo da indústria da dívida pública, que beneficia a uma parcela de endinheirados”, aponta.

Fonte: Brasil de Fato