Bolsa Família em versão indiana

Na Índia, onde cerca de 360 milhões de pessoas vivem com menos de 56 centavos de dólar ao dia, um programa piloto se inspira em uma ideia bem sucedida em diversos países para colocar em prática um ambicioso programa de combate à pobreza.

Lançada em janeiro, a medida dará pequenas quantidades de dinheiro diretamente a famílias pobres para que elas realizem suas próprias compras, sem intermediários. Assim como ocorre no Bolsa Família, iniciativa brasileira na mesma área.

Na Índia, quase dois “Brasis” vivem na linha da pobreza. 

Com a nova ação, o governo espera corrigir as falhas do atual programa que gasta 14 bilhões de dólares por ano, cerca de 1% do PIB do país, na compra e distribuição de alimentos, fertilizantes e combustíveis para locais nos quais a população carente pode adquiri-los com desconto ou de graça.

O sistema atual é considerado ineficiente e sujeito à corrupção. De acordo com um estudo de 2010 do Banco de Desenvolvimento da Ásia, 70% dos beneficiários nem sequer eram pobres. Além disso, parte dos alimentos subsidiados e o gás enviados às lojas de racionamento acabavam no mercado negro. Ao realizar os repasses diretamente às famílias, eliminam-se os gastos com a compra e o transporte destes itens, que também não serão extraviados.

“Quando o produto é comprado para distribuir há margem para ineficiência, porque pode estragar, ser desviado ou roubado”, comenta o economista Walter Belik, professor da Unicamp e ex-coordenador da Iniciativa América Latina e Caribe sem Fome da ONU.

Essa falha impediu o país de diminuir a pobreza na última década, embora tenha passado por um acelerado ciclo de crescimento econômico. Mesmo com o aumento da renda da população, 48% das crianças continuam raquíticas, contra 54% em 2001.

As falhas do passado atraíram para a nova ação grandes expectativas. Sonia Gandhi, presidente do Partido do Congresso e mulher do ex-primeiro-ministro Rajiv Gandhi, o definiu como “o maior programa de inclusão social do mundo”. Já o primeiro-ministro Manmohan Singh disse que a iniciativa é a chance de garantir que o dinheiro “seja gasto com quem realmente necessita”.

A princípio a ação deve incluir 200 mil pessoas nos distritos mais pobres do país, podendo cobrir mais da metade da população. O governo quer transferir 58 bilhões de dólares por ano aos mais pobres, com valores que variam de 1,2 mil e 1,5 mil reais por ano ao invés de dezenas de programas de bem-estar, como bolsas e pensões.

As dúvidas sobre a logística do programa, entretanto, são proporcionais ao tamanho da população indiana. A tarefa de identificar 1,24 bilhão de habitantes já é complexa, mas maior ainda é definir aqueles que realmente precisam de ajuda. Por isso, o governo criou um sistema gratuito de registro de identidade biométrico e o atrelou ao recebimento de benefícios sociais, a serem transferidos diretamente por meio de uma conta bancária. Contudo, apenas 240 milhões de pessoas foram cadastradas.

E esse registro mais detalhado da população, assim como o Cadastro Único do Bolsa Família com 14 milhões de inserções, é fundamental para identificar as parcelas mais atingidas pela pobreza. “Esse cadastro também permite uma fiscalização pelos órgãos de controle e uma frequente atualização. São raros os casos de pessoas que recebem sem precisar”, destaca Belik.

Com o novo sistema, o governo quer repassar de forma única os benefícios e subsídios dos 29 programas de bem-estar social que mantém. Nem todos os auxílios foram incluídos no programa piloto por “cautela”. Por enquanto, as famílias cadastradas recebem dinheiro apenas para comprar gás, além de pagamentos de pensão e bolsas de estudo. Ainda não estão inclusos auxílios para alimentos, fertilizantes, querosene e diesel, que continuam sendo distribuídos pelo programa anterior.

A escolha pela transferência direta de dinheiro como forma de combater à fome encontra exemplos de sucesso em diversos lugares do mundo, desde a África à América do Sul. O repasse de dinheiro incentiva o comércio local, o consumo, a nutrição e a educação – mesmo nos locais em que o recebimento não estava atrelado à frequência escolar das crianças beneficiadas (o modelo indiano não terá nenhuma condicionante em troca dos valores).

Os resultados positivos se repetiram na Índia em um pré-teste do programa durante 2011. Em Deli, 100 famílias receberam 1 mil rúpias (20 dólares) diretamente nas contas bancárias. Um grupo de estudo observou o “aumento notável” na nutrição das famílias, que passaram a ter uma dieta mais rica e com alimentos de melhor qualidade.

Com o dinheiro, elas também puderam comprar comida em qualquer lugar (ao invés de apenas nas lojas com os descontos nos produtos enviados pelo governo), além de remédios e fazer visitas a médicos.

Fonte: Carta Capital