Muniz Sodré: A hora e a vez do cliqueativismo
Parece não haver dúvidas quanto à contribuição da mobilização digital (ou ciberativismo, ou ainda cliqueativismo) para a derrubada de governos, como ocorreu no Egito, ou para a elaboração de leis, como a da Ficha Limpa no Brasil.
Publicado 15/02/2013 20:20
Por Muniz Sodré*, para o Observatório da Imprensa
Estes temas foram amplamente levantados na Campus Party Brasil, um mar de barraquinhas multicoloridas, que se realizou em São Paulo no começo deste mês. O título do encontro devia justificar-se pela poderosa influência monoglótica do ciberespaço que, ao menos, respeitou o “s” de Brasil.
Numa reportagem de O Globo (30/1/2013), assinada por Paulo Justus, o ativista Lucas Pretti (responsável pelo portal de petições online Change.org) garantia:
Democracia representativa
A palavra “ativismo” está simbolicamente marcada por toda uma tradição política. Não falta quem possa achá-la forte demais para questões de natureza tão gerencial como obesidade infantil ou comércio de acarajés. Não é este, porém, o ponto para o qual queremos chamar a atenção, e sim para aquela alegada “queda de barreiras entre o virtual e o real”.
É que, coincidente com a realização da Campus Party, corria na internet um manifesto com milhares de assinaturas contra a posse de Renan Calheiros na presidência do Senado. Muitas assinaturas, sim, mas pelo visto foram inócuas as suas repercussões reais, como comprovou o ato de posse do prócer alagoano, atestado pela foto jornalística em que ele e o ex-presidente Fernando Collor de Melo gargalhavam. Numa foto posterior, em O Globo, Calheiros aparecia desfilando em meio a uma tropa formada em sua homenagem, enquanto sete (precisamente sete gatos pingados) manifestantes exibiam ao fundo cartazes de “Fora, Renan!”.
Ao que tudo indica, há uma forte discrepância entre virtual e real no que diz respeito à pressão no espaço público. Pode-se passar por cima da situação no Egito, onde tudo continua como dantes no quartel de Abrantes, talvez pior, com internet e tudo. O real-histórico não é feito de bytes, as lutas sociais que refletem contradições entre classes (sim, as classes continuam existindo…) ou entre aparelhos de Estado e povo não podem ser reduzidas a meios técnicos de mobilização de pessoas. A democracia representativa, ainda que aos pedaços, persiste como um tríptico de povo, organizações e Estado. Real, tudo isso. Dentro de casa, à frente do computador, o ativismo é um mero flatus vocis.
Outro olhar
De um modo geral, fica a impressão de que esse ativismo apolítico é comercialmente útil como plataforma de lançamento de novos recursos eletrônicos. Tanto assim que a Telefônica/Vivo aproveitou o grande público da Campus Party para lançar o primeiro smartphone que funciona na plataforma Firefox OS. A notícia, que não se dá ao trabalho de divulgar as vantagens nem o preço do novo gadget, avisa apenas que ele chegará às lojas no segundo semestre deste ano.
Ao mesmo tempo, numa das palestras mais aguardadas da Campus Party, Buzz Aldrin, o segundo homem a pisar na Lua, convidou os campuseiros a olharem para Marte, a nova fronteira espacial que, segundo ele, será alcançada entre os anos 2035 e 2040. Argumentou: “Por que ir a Marte? Chegando ao espaço, melhoramos a vida na Terra. Isso traz tecnologia a nossas vidas. Celulares, TV, GPS não seriam possíveis sem um plano espacial”.
Olhemos, pois, ciberativamente, para Marte.
*Muniz Sodré é jornalista, escritor, professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Fonte: Observatório da Imprensa