José Dirceu: Submissão vergonhosa aos vetos de Alckmin

Definida por alguns deputados paulistas como "apêndice do Executivo", a Assembleia Legislativa de São Paulo continua batendo recordes de subserviência ao governador Geraldo Alckmin.

Por José Driceu* 

Além de engavetar pedidos de abertura de investigação e obstruir a fila de espera da Casa com CPIs de fachada, como já apontei anteriormente neste espaço, o Legislativo paulista tem se abstido de voltar a discutir a chuva de vetos de Alckmin aos projetos aprovado pelos deputados.

Atualmente, a Alesp coleciona uma lista de 621 projetos vetados ao longo dos anos pelo Executivo, sem qualquer perspectiva de que sejam apreciados pelos parlamentares. Mesmo tendo sido submetidos a todos os trâmites legislativos, incluindo a aprovação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), responsável pelo estudo da viabilidade técnica dos projetos de lei, cerca de 90% das proposições aprovadas não passam pela sanção do governador por inconstitucionalidade.

Dentre os projetos não sancionados por Alckmin estão o que obrigaria lanchonetes instaladas nas escolas de ensino fundamental e médio a seguirem padrões técnicos de qualidade nutricional e o que regularia a publicidade de alimentos e bebidas pobres em nutrientes.

Sem qualquer cerimônia, o governador paulista negou recentemente também o projeto de lei de autoria do deputado Geraldo Cruz (PT), que estabelecia que o governo adotasse a máxima transparência sobre os dados referentes ao sistema educacional do Estado. O projeto obrigaria os órgãos responsáveis pela educação pública a divulgar em todos os veículos de comunicação oficial e em cada unidade escolar o máximo de dados sobre o sistema. As informações seriam referentes à qualidade da educação ofertada, à infraestrutura da rede, às iniciativas relacionadas à gestão do sistema, ao repasse dos recursos e à quantidade de estudantes matriculados, ou seja, nada que não pudesse ser de conhecimento público. Aliás, ao contrário, tudo isso é de extremo interesse público.

Mas Alckmin, alegando que os dados já estão no portal de educação na internet – o que não é verdade, pois apenas uma parte delas consta no site – e usando desculpas absurdas, como a de que "a divulgação (de informações) fora do exato contexto é inoportuna, podendo causar prejuízos à escola e à comunidade", nos dá mais uma prova do quanto os governos tucanos são avessos à transparência.

O que será que o governador tucano pretende esconder da população sobre a educação no Estado? Aquilo que ela já conhece? A falência completa confirmada a cada avaliação periódica, como a anual do Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp)?

Ainda sob o argumento de inconstitucionalidade, Alckmin vetou integralmente um projeto que abriria a oportunidade de criação de conselhos estadual e regionais de Segurança Pública e Cidadania. Mas justo na área de Segurança, governador? E diante dos índices inaceitáveis de criminalidade com os quais o Estado convive?

Além da postura autoritária do governador, que não se cansa de vetar propostas de interesse público sem argumentos consistentes, causa muita preocupação a conduta submissa da Assembleia paulista, que comete falta grave com a população ao cruzar os braços e deixar de cumprir o seu papel elementar de votar os projetos e fiscalizar a ação do Executivo. Não se pode aceitar que o governador continue negando o mérito de tantas proposições importantes, exercendo um poder sem a devida medida, que seria o contrapeso oferecido pelo Legislativo.

Se a Casa tem a prerrogativa de dar a última palavra, voltar a apreciar as matérias e derrubar, se necessário for, os vetos de Alckmin, por que não o faz? Apenas para não se indispor com o governador? A obediência cega da Câmara paulista, que na prática se comporta como um departamento do Palácio dos Bandeirantes, consiste em um desserviço ao povo de São Paulo e fere a isonomia entre os dois poderes no Estado, situação que não se pode continuar admitindo.

A bancada do Partido dos Trabalhadores e as dos demais partidos de oposição têm se manifestado contra esses abusos, mas é preciso que toda a sociedade se mobilize e exija que os deputados a quem conferiu seus votos ajam com autonomia e transparência, garantindo, de fato, a representatividade e a vontade popular.

*José Dirceu é advogado e ex-ministro da Casa Civil.