Alberto Villas: Conversa de botequim

Leiteiro não existe mais. Aquele senhor que todos os dias bem cedinho, antes mesmo do sol raiar, ia de porta em porta recolhendo o litro de vidro vazio e deixando no lugar um branquinho cheio de leite, esse nunca mais vi. Como o tintureiro. O último que tenho notícia é seu Valdivino, um homem franzino que percorria os bairros do Carmo, Sion, Anchieta e Serra recolhendo roupa suja na segunda para devolver lavada, passada e perfumada na sexta.

Por Alberto Villas, na Carta Capital

Nesses tempos modernos, profissões vão mesmo desaparecendo e não adianta chorar o leite derramado. Os últimos lambe-lambes, por exemplo, talvez ainda resistem lá na pracinha da Igreja de Santa Rita de Cássia, em Cataguases, fazendo chapas de mocinhas casadoiras e jovens servindo o Tiro de Guerra. Aqui na cidade grande eles sumiram do mapa.

E datilógrafo? Lembra dos anúncios que exigiam candidatos que soubessem bater à máquina e aqueles que batiam com rapidez e sem olhar para o teclado eram chamados de “exímios datilógrafos?”

O telegrafista, responsável por transmitir e receber mensagens por meio do código Morse, esse também nunca mais vi. Bem como o pianista de cinema. Na verdade, pianista de cinema nunca vi um mas o meu avô contava que no tempo dele, na era do cinema mudo, um pianista era contratado para tocar enquanto as cenas em preto e branco iam sendo exibidas na tela, tela de cinemas que tinham nomes como Odeon, Pathé, Metrópole e Brasil.

Nesses últimos dias o que mais ouço dizer é que a profissão de jornalista está acabando. Isso me assusta sabe por quê? Porque sou jornalista há mais de trinta anos. Andam enxugando redações, fechando revistas, encolhendo jornais e os pobres jornalistas estão todos indo pro olho da rua. Um amigo meu postou ontem no Facebook que o editorialista de um jornal de Santa Catarina virou garçom.

Não passo um dia sem ouvir a ladainha de que as revistas vão acabar, os jornais vão fechar e que esse mundo moderno não comporta mais essas coisas velhas e ultrapassadas. Tudo agora é digital e se ainda existe um mundo, esse é virtual. Adeus redação!

Aquela redação barulhenta de Remigtons e Olivettis ficaram na lembrança. Redação esfumaçada, de telex, cheia de laudas por todos os lados e xícaras de café espalhadas pelas mesas acabou. A última onde trabalhei foi lá no Estadão, nos anos 80 do século passado.

Fico aqui pensando o que um pianista de cinema, um leiteiro ou um tintureiro ainda vivo escreve no quesito profissão quando preenche uma ficha. Ex-pianista de cinema? Ex-leiteiro? Ex-tintureiro? E o bobo da corte? Sim bobo da corte era profissão. Era um funcionário encarregado de distrair o rei e a rainha e fazê-los rir. Se bem que, pensando bem, ainda temos muitos bobos da corte por ai fazendo chefe rir só que não é mais profissão, é, digamos, um jeitinho de se manter no emprego. Mas isso é outra história.

Fico aqui pensando também que outras profissões correm o risco de acabar. Cobrador de ônibus? Contínuo de repartição pública? Frentista? Na Europa já não existe mais frentista. Como não existem mais porteiros de prédio nem empregadas domésticas que dormem no trabalho.

Só sei que já estou me preparando para quando a profissão de jornalista acabar. Vou virar garçom! Garçom como aquele editorialista lá do sul, amigo de um amigo meu. E confesso que vou ficar feliz da vida quando um cliente chegar e dizer: Seu garçom, faça o favor de me trazer depressa uma boa média que não seja requentada, um pão bem quente com manteiga à beça, um guardanapo e um copo d'água bem gelada. Feche a porta da direita com muito cuidado que não estou disposto a ficar exposto ao sol e vá perguntar ao seu freguês do lado qual foi o resultado do futebol.

*Jornalista, é autor dos livros “O mundo acabou!” e “Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Morta”