Iannotti: Necrópsia, quem matou Douglas em Belo Horizonte?

No último domingo (23), publiquei um texto relatando que o atendimento às vítimas dos brutais ataques da Polícia de Minas Gerais no dia anterior foi prejudicado. A própria polícia parecia comandada para que os feridos não recebessem atendimento, pois os socorristas fomos alvos de bombas e tiros.

Por Giovano Iannotti, especial para o Vermelho.

Tão séria foi a proibição que nos impediram de usar a única ambulância disponível e o equipamento dessa ambulância para atender um jovem que caíra do viaduto e sofrera traumatismo craniano e múltiplas fraturas. Contei também que um suposto policial disfarçado (possivelmente um dos “vândalos” que têm atacado a cidade) e com o rosto coberto foi quem nos ajudou, pedindo a seus colegas que não atirassem em nós, socorristas. Enquanto fui para o hospital com o paciente, minha mulher, médica, e meu irmão tentaram salvar uma outra vítima de queda, em estado gravíssimo, em coma, mas foram bombardeados pelas tropas do Governador de Minas Gerais (PSDB).

Depois da publicação desse texto, nosso grupo de socorristas voluntários recebeu apoio espontâneo de várias pessoas, querendo ser solidárias com as possíveis vítimas. Outros estudantes de medicina, de outras áreas da saúde e até leigos se ofereceram para integrar o grupo. Tentamos coordenar os esforços, recebendo todo mundo e a cada um dando uma função dentro dos limites de seus conhecimentos, capacidades e disposição. No dia 25 fizemos mais uma reunião com o grupo e repassamos os princípios básicos de socorro e de salvamento em zonas de crise, inclusive zonas atacadas por bombas químicas.

Contudo, o treinamento técnico específico para tratar as vítimas não é suficiente. Conversei com os alunos e expliquei que tínhamos que pensar em saúde pública, medicina (verdadeiramente) preventiva e em respeito à cidadania. Dentro de nossa pouca capacidade de influenciar o movimento, defendemos junto aos organizadores a tese de que nenhum ganho político poderia advir de se levar a manifestação para o Mineirão. O governador já tinha dado o recado, usando-se de seus comandados, para dizer que haveria “tolerância zero”; que quem saísse às ruas no dia do jogo da FIFA estaria “cometendo suicídio”. O prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda, disse que “a polícia tinha prendido pouco e usado pouco o cassetete” e, ainda, que esperava que os agentes fossem mais enérgicos na próxima manifestação. Com esse linguajar bélico, ir ao estádio seria, em nossa visão, aceitar a provocação dos ocupantes das instituições mineiras e abrir espaço para novos e graves incidentes.

Também no dia 25 fui à Assembleia Legislativa de Minas Gerais, convidado a dar meu depoimento pessoalmente na Comissão de Direitos Humanos. Disse ao presidente da Comissão, deputado Durval Ângelo (PT) que o viaduto deveria ser fechado, pois, caso os manifestantes decidissem ir para o Mineirão, a probabilidade de novas quedas era certa. Ele me informou que recebeu da Prefeitura de Belo Horizonte a garantia de que o viaduto seria fechado.

Outra medida tomada foi o contato direto com o Poder Público, através dos Bombeiros. Um dos estudantes voluntários conversou diversas vezes com um oficial dos bombeiros. Algumas de nossas equipes ficariam dentro do cordão policial, para dar os primeiros auxílios, estabilizar e transferir as vítimas.

Nossos planos preventivos caíram um a um. Os manifestantes decidiram ir para o Mineirão; o viaduto não estava fechado; não colocaram alguns de nós atrás das linhas policiais. Tentamos fazer um cordão de isolamento de pessoas com jalecos brancos para que não subissem a Abraão Caran em direção ao cordão policial. Funcionou por pouco tempo. Subimos até as barreiras físicas colocadas pela polícia e que estava sendo removida por provocadores. Nossas roupas pareciam inspirar respeito e deixaram de jogar pedras naquela direção. Conseguimos recolocar parte da cerca metálica em seu lugar. Contudo, os provocadores descobriram alguns policiais posicionados em um barranco, no lado contrário à UFMG e começaram a atacá-los com pedras e rojões. Estes responderam e os que estavam na Abraão Caran deram cobertura. Tivemos que abandonar nossa posição mediadora e montar a base no gramado que já usáramos dias antes.

A novidade positiva foi que um grupo de preto, com galões de água a cheios pela metade e com cartazes dizendo: “Comissão de Direitos Humanos” se ofereceu para cuidar de nós. Durante nosso trabalho, se houvesse bombas de gás por perto, eles as recolheriam do chão, as jogariam na água e tampariam os galões.

A história se repetiu como tragédia. Enquanto cuidávamos de pessoas com ferimentos leves e intoxicadas, avisaram-nos que havia um homem no chão, ele teria caído do viaduto. Corremos para lá. Quando chegamos, um colega médico, com camisa do SINMED estava à cabeça da vítima, coordenando o atendimento e auxiliando-a na respiração. Éramos vários e cada um cuidou de um dos ferimentos. Improvisamos talas e o colega deu a um pedaço de papelão a forma de um colar cervical. A condição do rapaz era muito ruim. A pior possível. Quando terminávamos de implementar as primeiras medidas de suporte, chegaram homens da Força Nacional e bombeiros com uma prancha. Colocamos o paciente na prancha e os voluntários abriram caminho na multidão, fazendo um cordão de isolamento. O oficial da Força Nacional que ia à frente da prancha teve que usar um escudo, porque, mesmo naquela situação, uns (com o perdão de quem lê) estúpidos jogaram pedras contra os militares que carregavam a vítima.

No começo da subida da Abraão Caran, uma ambulância dos bombeiros nos esperava. Ali, assumi a cabeça do paciente e entrei com ele no veículo. Esta ambulância estava em condições melhores do que a de sábado, mas era uma unidade básica, sem recursos avançados. Quando terminamos de acomodar o paciente, a enfermeira dos bombeiros me informou que havia chegado uma USA (Unidade de Suporte Avançado, uma ambulância com mais equipamentos e com um médico à bordo). Perguntou o que eu queria fazer, se seguir na unidade básica dos bombeiros ou se trocar pela unidade avançada do SAMU. Eu disse que mudássemos a vítima para o SAMU, porque lá um tratamento mais definitivo já poderia ser implementado.

Trocamos de ambulância. Na USA, ofereci à doutora da unidade que assumisse minha posição, para que ela entubasse o paciente. Gentilmente ela me ofereceu os instrumentos para o procedimento. O doente sangrava muito e precisávamos de um aspirador para limpar sua boca. Não havia! Enquanto a enfermeira colocava o paciente “no soro”, fiquei sabendo que iríamos para um posto avançado de atendimento próximo do Mineirão (onde estava esse posto no sábado? Se existia, por que não fomos para lá? Se não existia, por que não existia?). A distância do cordão policial até esse posto avançado era relativamente curta. A viagem durou pouco tempo.

O posto avançado é um conjunto de algumas tendas com equipamentos médicos dentro. Havia cerca de uma dezena a quinze pessoas com uniforme do SAMU ali. Logo vi que alguns eram médicos. Eu continuava à cabeça da vítima, teoricamente ainda era responsável por ela. Escutei e vi um homem com o macacão do SAMU dizendo: “fulana, assuma”. Nisso, uma senhora, também uniformada, começou a dizer que eu saísse dali. Eu disse que alguém tinha que imobilizar o pescoço do rapaz. Uma colega (penso que era médica), segurou a cabeça da vítima e a senhora continuava obsessivamente me dizendo para sair dali. Eu disse que teria que “passar o caso” para a colega responsável e ela me empurrou o peito. Como eu acenei que não poderia sair dali antes de saber quem ficaria com a vítima, ela me empurrou mais. Vários dos que assistiam, entre bombeiros e pessoal do SAMU vieram para cima de mim e me tiraram da tenda. Senti-me indignado. Um colega que estava entre eles e que conheço há alguns anos, porque já demos plantões de urgência juntos, veio para fora, defendendo sua colega do SAMU e me dizendo que eles haviam montado um centro de primeiro mundo e que eu deveria estudar para entender o que eles faziam. No calor do problema, só pensava no rapaz acidentado e no absurdo da cena. Disse alto que aquilo era covardia e que eles deveriam estar mais próximos das vítimas, como nós, voluntários, estávamos.
Saí dali sentindo-me mal. Frustrado. O que era aquilo? Colegas agredindo colegas enquanto um paciente morre? Um perfeito pesadelo. Voltei a pé para a zona da manifestação. Fui localizado pelo pessoal da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República com quem eu estivera durante a assembleia na ALMG. Relatei-lhes o ocorrido, agradeci os bombeiros nas ambulâncias ali próximas e pedi a um oficial da PMMG que me deixasse passar pela linha de isolamento.

De novo em nossa “base”, fui chamado para atender uma moça caída no chão. Ela estava intoxicada com gás, havia desmaiado. Começou a acordar, mas com dificuldades de respiração. Tossia muito. Um dos alunos me passou um estetoscópio e senti que havia crepitação nas bases de seus pulmões. Para ela não precisaríamos de imobilização. Chamei uns voluntários leigos mais fortes e fizemos uma maca improvisada com os braços. Um estudante de medicina foi na frente e avisou os oficiais na linha de isolamento. Quando chegamos à barreira os bombeiros já esperavam com uma prancha e uma ambulância. Carregamos a paciente no veículo e eles me perguntaram para qual hospital seria melhor levá-la. Eu disse que a levaríamos para a base do SAMU. Para minha surpresa eles não sabiam daquela base, onde ela ficava e nem como chegar lá! Expliquei o trajeto (muito simples) e fomos para lá. O (provável) médico que eu vira dando ordens antes na tenda esperava na porta da viatura. Desta vez, “passei o caso” imediatamente e ele levou a vítima para a tenda.
Antes de voltar, procurei o colega com quem já dera plantão e pedi a ele que me desculpasse. Eu, expliquei, fiquei muito surpreso e ofendido com a forma com que trataram o paciente em primeiro lugar e com que me trataram também. Disse eu a ele: “você é meu irmão de plantões difíceis. Perdoe-me”. Abraçamo-nos e ele me disse que se preocupava por nós, porque eles estavam bem estruturados e que faziam tudo de acordo com os manuais e protocolos internacionais. Eu respondi, explicando que sou instrutor de emergência médica e que nós também agimos segundo o mesmo protocolo. A primeira ação, segundo esse protocolo, é a avaliação do cenário. Nenhum socorrista deve entrar em uma área para prestar socorro se sua própria segurança não for garantida. Esse é motivo pelo qual, no sábado, minha mulher e meu irmão, respeitando esse princípio fundamental, foram obrigados pela Polícia mineira a deixar o paciente comatoso só, no chão. Perguntei pela colega que me empurrara. Ele me disse, se entendi bem, que ela é major e que coordena o SAMU em Belo Horizonte. Não a localizamos e pedi a ele que lhe transmitisse minhas desculpas. Nesse momento meu irmão me ligou. Outro caíra do viaduto. Avisei meu colega e chamei os bombeiros.
Descemos a Abraão Caran, passamos pela barreira e fomos para o meio da Antônio Carlos, debaixo do viaduto de ambulância (ou seja, era possível chegar ali com a viatura, sem problemas). Quando chegamos, já havia outra unidade dos bombeiros com a nova vítima. Desci do veículo e me reencontrei com o nosso grupo. Eles me informaram que essa vítima estava, aparentemente, bem. Fizemos uma reunião e reavaliamos a situação. Já quase não havia manifestantes, a escuridão da noite engolia a avenida. Unanimemente decidimos que era hora de deixar o local. Fizemos uma chamada, confirmamos que todos estavam ali, íntegros, e nos separamos em dois grupos, Um iria para a Pampulha e outro para o Centro. Ninguém voltaria sozinho para casa.

Interpretação dos Fatos

Meu pensamento neste momento está com a família Oliveira. Douglas morreu. Por quê? A angústia dessa imagem, dessa pergunta, aperta meu peito. Sinto-me mínimo e incapaz. Poderíamos ter sido mais incisivos ao pedir para o governador Antônio Anastasia que não provocasse os manifestantes? Poderíamos ter pressionado mais o prefeito Lacerda para fechar o viaduto de onde cinco já haviam caído antes de Douglas? Onde começa essa tragédia? Há um culpado? Há mais de um? Quem se responsabiliza por essa morte? Haverá consequências? Quais? A direita e a imprensa usarão o sacrifício do rapaz para continuar tentando desestabilizar o governo da presidenta Dilma?
Esta é uma morte com história. É uma morte que já se previa. Ela foi planejada, desejada pela direita no Brasil. Golpistas querem sangue. A imprensa quer sangue. O monstro quer sangue.

O governador Aécio Neves promoveu uma grande gastança de dinheiro do povo com obras. Construiu uma “Cidade Administrativa” bem longe do centro de BH, sem ampliar o metrô até ali. Milhares de funcionários públicos têm que perder horas e horas no trânsito para chegar ali em carros particulares que engarrafam o trânsito. Literalmente os prédios (novos) da tal “Cidade” caem aos pedaços. Vidros de janelas, reboco, cimento. Segundo relatos, ratos (que simbólico!) infestam os prédios do governo de Minas. Mas, construtoras ganharam bilhões, enquanto o estado de Minas Gerais paga um dos menores salários para professores. A região da sede do governo de Minas começou a ser loteada. Quem está por trás desse loteamento?

O mesmo político, que gosta de se fazer ver em jogos de futebol, parece ter visto na reforma do Mineirão uma forma de catapultar sua popularidade. Essa reforma foi anunciada e propagandeada por muito tempo. Mais dinheiro do povo foi gasto em publicidade e uma empresa privada (quem é Minas Arena?) ganhou o estádio de presente. Contudo, os que foram à inauguração do campo de futebol contaram que a obra não havia terminado quando foi inaugurada, os bares estavam quase todos fechados e, os poucos abertos, vendiam comida de péssima qualidade e de preço alto. As mineradoras mandam em Minas como nunca fizeram. Na mesma proporção, destroem todo o Estado de Minas. Ao sobrevoar a região, só se veem buracos e destruição.

Prefeitura e governo do Estado reformaram as avenidas Cristiano Machado e Antônio Carlos (“para a Copa”) três vezes consecutivas. Não conseguem os responsáveis pelo “choque de gestão” planejar uma obra? Por que refazê-la tantas vezes? Mais dinheiro para as construtoras / destruidoras. Enquanto isso, os professores continuam com seus salários indignos. O viaduto José de Alencar, onde foi morto o rapaz ontem, foi apresentado como muito necessário para que os torcedores fossem ver jogo de futebol. As pessoas desalojadas da Antônio Carlos (e de outros locais de Belo Horizonte) receberam a mesma justificativa. A pequena mata da UFMG que foi destruída pelos tratores sacrificou-se pelos carros que ali passariam rumo aos jogos da CBF e da FIFA. Contudo, com as manifestações, nenhum carro circulava pela avenida ou pelo viaduto. Podemos concluir que o dinheiro público foi gasto sem necessidade, porque os torcedores chegaram ao Mineirão.

Márcio Lacerda é um prefeito bizarro. Ele arranca árvores aos milhares, cerca praças, proibindo que o povo as use. Até privatizar uma rua e um mercado de bairro ele tentou fazer. A justificativa? Construir hotéis “para a Copa”. Agora, seu grande projeto é construir estacionamentos subterrâneos no centro da cidade. Quem se beneficia realmente com esses hotéis e esses futuros estacionamentos? O povo não estaria melhor com mais área pública, mais verde, mais transporte público e menos carros privados? Cada obra viária dessa natureza é, além de cara, um incentivo psicológico para a aquisição de novos carros. Não se pode esquecer: o filho do prefeito é o lugar-tenente do governo de Minas para a Copa da FIFA.

Até a escolha por uma medicina materialista, inventada por Rockfeller e pela Associação Médica Americana há que se julgar, pois foi com base nela que a Prefeitura montou seu capenga esquema de atendimento. Como se formam os médicos no Brasil hoje? O que eles aprendem? Estão dispostos a ir aonde há pessoas sofrendo ou precisam de garantias de máquinas e drogas? São médicos por amor à humanidade ou representantes das indústrias farmacêuticas e de exames? Estão dispostos a fazer Serviço Civil Obrigatório nos rincões do País após usarem dinheiro público para se formarem? Amam seus pacientes ou o dinheiro?

O que tudo isso tem a ver com a morte de Douglas? Tudo. Mostra os valores por trás dos administradores de Minas e de Belo Horizonte. Eles são materialistas. Eles não governam pela vida, mas por “resultados”. Eles acham que a coisa pública pode ser governada com mente de quem administra uma empresa. Eles não representam o povo. Eles representam interesses poderosos. São vassalos da imprensa golpista e do capital internacional.

Esse mesmo poder quer desestabilizar o governo progressista que está governando o Brasil. Há mais de dez anos eles saíram do governo gacional, depois de 500 anos ocupando-o. Atuam em conjunto com os meios de propaganda e de “lavagem cerebral”. No topo desses meios está a Rede Globo de Televisão, filha dileta da ditadura, e outros veículos. São eles que responderam à ordem de incitar os manifestantes. Nas sublinhas de seus textos, eles incentivam a violência, reproduzem “ad nauseam” as cenas de quebra-quebra e destruição, instruindo potenciais baderneiros sobre como fazer. Foi a Globo que, depois de criminalizar as manifestações, dizendo que os manifestantes não valiam 20 centavos (será esse o preço da vida do Douglas para o Arnaldo Jabor?), implantou cartazes no meio da torcida com os dizeres “não é contra a seleção, é contra a corrupção”. Leia-se: a Globo continua com sua relação umbilical com a CBF, a FIFA e os patrocinadores e depende disso. Querem dirigir o protesto contra a Dilma. Devemos dirigí-lo contra a CBF, a FIFA, a Globo e os patrocinadores multinacionais da Copa e contra todos os que manipulam e mistificam as massas populares.

Eles querem dar um golpe contra Dilma. Tentam vários caminhos. O Congresso, a Justiça, as ruas. Usarão os quarteis? Não creio. Podem usar até as urnas. Lembram-se da ordem do PSDB de fazer o governo sangrar até a morte? O golpe pode ser esse: enfraquecer a presidenta, colando nela a imagem da desordem para as eleições do ano que vem. Essa é uma das formas atuais nas mãos dos grupos de poder global.

Quem matou o Douglas? Os valores da direita; o materialismo; o lucro sem limites; o capital. Quem atuou? Atuaram diretamente o governo de Minas Gerais, com suas forças de repressão, a Prefeitura de Belo Horizonte, com sua má administração das ruas, da saúde pública e das emergências médicas, com um SAMU que não atuou preventivamente, pedindo e contribuindo para o fechamento do viaduto e se posicionando distante das vítimas. A Rede Globo que foi o canal divulgador, ainda que de forma sutil, das ordens superiores para promover a baderna.

Em um lugar mais maduro politicamente e com um judiciário honesto, governador e prefeito teriam renunciado, acompanhados pela cúpula da segurança pública, da saúde e da organização da Copa.

Que Fazer?

Há muita energia sendo liberada neste momento. Devemos cuidar para que ela seja bem gasta. Podemos impedir o golpe e melhorar as vidas de todos que moram por aqui. (Eles podem não saber, mas mesmo os grandes empresários, os banqueiros e os donos dos meios de comunicação viveriam melhor se fossem menos ricos e se seu poder fosse socializado). Temos que aprender a pensar com fundamento e com princípios. O princípio essencial da vida é o amor (não o lucro, não o mérito, não a capacidade individual, não outra coisa qualquer). A partir daí podemos analisar e sintetizar qualquer aspecto de nossa existência. A partir daí temos que reconhecer a semelhança. Vida e amor são semelhança. Se me reconheço no outro, dou a ele o reconhecimento de que, pelo simples fato de ele ser, é ele meu semelhante e merecedor dos cuidados básicos que uma sociedade pode dar.

Sendo assim, temos que mudar e melhorar antes de exigir que o outro o faça. Seja esse outro um homem, uma cidade, um país ou o mundo. Seja melhor para que tudo melhore. Nossos valores devem mudar. Voltar a ser menos materialistas. Educação é a base, mas é somente uma pequena parte. Cada um de nós deve cultivar o autoconhecimento, a cultura e a erudição. Você pode deixar seu carro na garagem, deixar de ver televisão (ela mata seu cérebro e seu tempo), incentivar o pequeno cultivador de produtos orgânicos. Jogue fora o Windows e adote o Linux. Pouco que muitos fizerem vira muito. É um caminho de autotransformação de pedra bruta em pedra polida. Não há atalhos.

Na prática, diante do luto que vivemos pelo morte de Douglas, proponho:
1) Retirar os nomes de parentes de Aécio Neves de prédios públicos de Minas Gerais. Usemos o nome de Douglas e de outras vítimas do projeto privatista que assalta o mundo para nomear mais dignamente essas construções.
2) A participação do prefeito e do governador nos funerais do rapaz. Eles devem se desculpar pessoalmente com a família Oliveira e não mandar representantes.
3) CPI e auditoria independente de todas as obras da capital e do estado.
4) Afastamento do comando da segurança pública, da saúde, das obras públicas e da Copa FIFA em Minas e em BH.
5) Renúncia do governador Anastasia e do prefeito Lacerda.
6) Lei de Meios. Mesmo que por medida provisória, há que se disciplinar o poder absoluto das grandes empresas de comunicação. Há que se democratizar esse poder. Nenhum grupo deveria poder ter participação em mais de um meio de comunicação. Nenhum canal deveria poder transmitir para todo o território nacional. Cassação imediata da concessão pública dada à Rede Globo de Televisão por seus continuados crimes contra o povo e contra a Constituição.
7) Mudar o paradigma de saúde adotado no Brasil.
8) Formação da Frente de Esquerda para resistir ao anunciado golpe em marcha e forçar e dar apoio direto ao governo da presidente Dilma para avançar pela esquerda.
9) Defender a democracia. Defender a democracia. Defender a democracia.

À mãe de Douglas: nós, médicos e estudantes voluntários gostaríamos de ter feito mais. Nosso poder não pôde com o poder do governo. Irmanamo-nos a você e à sua família na dor. (Vou contar a meu filho e pedir a ele que conte a seu filho o nome do Douglas e a forma como ele morreu. De minha parte, não o deixarei ser esquecido). Nosso abraço fraterno.

No fim de tudo dormir.
No fim de quê?
No fim do que tudo parece ser…
Este pequeno universo provinciano entre os astros,
Esta aldeola do espaço,
E não só do espaço visível, mas até do espaço total.
Álvaro de Campos

*Giovano Iannotti é professor de Medicina.