Familiares discutem o destino do acervo de Niemeyer

Seis meses após a morte de Oscar Niemeyer, uma discussão começa a tomar corpo em Brasília e no Rio de Janeiro, cidades onde moram familiares do arquiteto que ajudou a projetar a capital federal. Trata-se do destino a ser dado ao legado do criador de muitas obras arquitetônicas de destaque espalhadas pelo mundo.

 Quando morreu, mais do que um patrimônio em imóveis e bens diversos a ser rateado entre os 18 parentes mais próximos, Niemeyer deixou livros recém-publicados, desenhos, poesias e até um samba, ainda inédito.

Além disso, no escritório onde atuava há 30 anos com o sócio Jair Varela, nove trabalhos estavam sendo desenvolvidos no período da sua morte (desses, três fora do país – a biblioteca pública de Argel, na Argélia; o centro cultural de Ponta Delgada, em Açores; e a vinícula Chatêau La Coste, na França).

A grande dúvida da família e de pessoas próximas ao arquiteto é decidir se esse trabalho do escritório continuará carregando a grife Niemeyer ou se sua produção intelectual passará a ser catalogada e exposta em Brasília e no Rio.

As divergências decorrem do fato de que, embora com 104 anos fosse praticamente impossível para Niemeyer ser o autor isolado dos trabalhos, tais projetos continuavam passando pelo seu crivo. Além disso, tido como uma pessoa generosa, o arquiteto era criticado por dar sua assinatura a projetos de amigos como se estivesse trabalhando em parceria com eles – uma forma que encontrava de ajudar a engrandecer a obra dos colegas, nas últimas décadas da vida. Por conta disso, tem sido grande a discussão sobre o destino que terá seu legado e à questão autoral das obras a serem vendidas pelo escritório.

Acervo raro

No total, foram 104 anos de vida, 80 de trabalho e 630 projetos finalizados (dos quais, 240 resultaram em construções). De acordo com informações de advogados ligados à família, parte dos parentes pleiteia que a Fundação Oscar Niemeyer, presidida por uma das suas netas, Ana Lúcia, passe a cuidar do acervo do arquiteto. Algumas das obras ficaria na sede da entidade, localizada na Capital Federal, atrás da Praça dos Três Poderes, que está sendo restaurada para reabrir as portas em dezembro.

O restante ficaria exposto na Casa das Canoas, no Rio de Janeiro (construída por ele e sua residência por quase 40 anos), que seria transformada em museu. Atualmente, a Fundação é responsável por cerca de 10 mil documentos, entre projetos, fotos, textos e cartas.

Um segundo lado da família, no entanto, defende que o trabalho do escritório tenha continuidade carrregando o nome Niemeyer. Dessa forma, seriam tocados projetos com a grife do homem conhecido como “poeta do traço”. Há ainda uma terceira ala, que acha que o assunto deveria ser dado por encerrado, sem mais exploração do nome do arquiteto.

No início de julho, o advogado Wilson Mirza, inventariante escolhido por Niemeyer e seu amigo pessoal, deu início ao trabalho de intermediar a partilha de bens e chegar a um acordo entre os três ramos da família e suas distintas opiniões. Para a viúva, Vera, que foi sua secretária por mais de 30 anos antes de se casar com ele, “do ponto de vista intelectual Niemeyer não deixou herdeiros”.

O sócio do escritório no Rio de Janeiro, Jair Valera, que também tem como sócia uma das netas do arquiteto, Ana Elisa, embora não tenha dado entrevista, já deixou claro em declarações que o interesse deles é manter o escritório em funcionamento.

Já o arquiteto Carlos Magalhães, ex-genro de Niemeyer que mora em Brasília, diz ser contra a continuação do trabalho por terceiros.

“Ele dizia que a arquitetura é o desenho. Não acho correto continuarem vendendo projetos como sendo obra dele”, afirmou recentemente, dando a entender que apesar de há anos afastado, concorda com um entendimento comentado nos gabinetes dos órgãos públicos de Brasília, sobretudo do governo do Distrito Federal: a desconfiança de que muito do que venha a ser vendido, daqui por diante, não tenha sido sequer visto pelo poeta do traço.

Só afeto

Embora as desavenças possam ter por trás um cunho familiar, a viúva de Niemeyer afirmou, recentemente, que apesar de rusgas observadas sempre em grandes famílias em situações semelhantes, não existem brigas pelo patrimônio propriamente. “O que pode ser observado são posições diferentes e, vez por outra, alguma decepção em termos de afeto”, colocou.

A disputa, de fato, é pela forma como passará a ser tratado o acervo do arquiteto. Uma questão que, como deveria ocorrer em todas as famílias, deveria ficar apenas no campo privado. Pela magnitude do trabalho de Niemeyer, terminou transpassando para a discussão da sociedade que frequenta os locais por ele desenhados.

Fonte: Rede Brasil Atual