“O caráter laico é constantemente ameaçado”, alerta Elza Campos

Confira a segunda e última parte da entrevista exclusiva concedida por Elza Maria Campos ao Portal Vermelho. A militante comunista esta a frente da União Brasileira de Mulheres (UBM), que completa 25 anos de existência em 2013. Nesta segunda parte, ela fala sobre Lei Maria da Penha, CPMI da Violência Contra a Mulher e laicidade do Estado.

Elza Campos
Elza Campos, que é graduada em Serviço Social pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, mestre em Educação e Trabalho pela Universidade Federal do Paraná, coordena a UBM desde 2011 e acumula a função de professora universitária e conselheira do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher (do Paraná). 
 
 

A UBM receberá uma homenagem nesta segunda-feira (12) do Congresso Nacional pelos seus 25 anos. A homenagem é uma iniciativa do Senado Federal, a partir da senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), e da Câmara Federal, via mandato da deputada federal Jô Moraes (PCdoB-MG). Ela acontecerá às 10 horas, no Plenarinho do Senado, em Brasília (DF). Dezenas de militantes de todo o país são esperadas.

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Confira a segunda parte da entrevista:

Deborah Moreira: Nesta semana, também se comemoram os sente anos da Lei Maria da Penha, criada para combater à violência doméstica. Quais as barreiras ainda existentes para que ela seja de fato colocada em prática, em favor das vítimas.
Elza Campos: A Lei Maria da Penha, que previne e coíbe a violência doméstica, entre essas a violência sexual, foi uma conquista após mais de 40 anos de lutas do movimento feminista e de mulheres. É mais um importante instrumento na luta pelo fim da violência em geral contra as mulheres e meninas.

A CPMI[Comissão Parlamentar Mista de Inquérito] da violência contra a mulher, que produziu um relatório com mais de mil páginas, visitou 16 estados e o Distrito Federal, entre os quais estão os dez mais violentos do País, conforme o Mapa da Violência de Homicídios de Mulheres no Brasil, elaborado pelo Instituto Sangari, 2012. A Comissão indica mudanças pontuais na Lei Maria da Penha (11340/2006), como a tipificação do feminicídio (assassinato de mulheres pelo fato de serem mulheres) na qualidade de agravante do crime de homicídio, e alterações na Lei dos crimes de tortura (9.455/1997).

Para a efetividade da Lei é preciso que os movimentos sociais e feministas estejam vigilantes sobre sua aplicação. É necessário orçamento para as políticas públicas, como a criação nos municípios de equipamentos de atenção integral às mulheres, o aumento do número de juizados especializados, de centros de referência, de capacitação dos profissionais que atendem as mulheres nas delegacias. Cotidianamente somos surpreendidas por assassinatos covardes contra meninas e mulheres em nosso país, e esta realidade precisa ser modificada. É urgente que a Lei Maria da Penha seja aplicada efetivamente.


A falta de recursos para pastas do executivo responsáveis por políticas para mulheres é uma das grandes dificuldades para a implementação do Plano Nacional?
Com certeza! Os diversos cortes orçamentários para atender a uma politica de juros tem levado o lado oposto de uma politica publica para atendimento a grande maioria da população. O compromisso do Estado brasileiro em romper com as históricas desigualdades de gênero e com o enfrentamento à violência contra as mulheres, deixa a desejar, pois em nossa avaliação falta implementar as políticas públicas para as mulheres e falta orçamento público para enfrentar as desigualdades.
 
 

O CNDM[Conselho Nacional de Defesa da Mulher] possui uma Comissão de monitoramento do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, que a UBM integra. Há também uma Comissão de Orçamento e Planejamento. É preciso que estas Câmaras Técnicas sejam fortalecidas e exerçam a transparência na veiculação das discussões realizadas para informação à sociedade sobre o orçamento e monitoramento do PNPM.

Infelizmente, para pagamento dos juros, são retiradas verbas das despesas obrigatórias com Saúde, Educação, reforma agrária entre outras políticas de fundamental importância. As lutas e movimentações do mês de junho e recentemente o ato das centrais sindicais e dos movimentos sociais, levanta com força a necessidade de recursos para a educação e para a saúde, para a reforma urbana entre outras políticas públicas. É preciso retirar recursos dos banqueiros, dos grandes grupos econômicos e aplicar nas politicas públicas para a grande maioria da população.

Qual o significado de termos uma mulher na presidência da república? Comente a realidade da representatividade da mulher nos espaços de poder político.
Podemos dizer que, além do ineditismo da primeira mulher presidenta do Brasil, isso vem consagrar conquistas do movimento feminista na América Latina, que, na última década, assistiu às vitórias de Michelle Bachelet (Chile), Cristina Kirchner (Argentina) e Laura Chinchilla (Costa Rica), embora cheguem com certo atraso cronológico em relação aos vizinhos. No entanto, a conquista, segundo elas, não põe fim à desigualdade de oportunidades no cenário político brasileiro.

Tivemos também um aumento de ministras de Estado e em presidência de empresas e órgãos públicos, como no IBGE e na Petrobrás. Grande avanço! Mas a representação parlamentar ainda é sofrível. Nos municípios, as mulheres são atualmente menos de 10% das chefias das prefeituras. Nas Câmaras Municipais, as mulheres formam cerca de 12% dos vereadores. Na Câmara Federal, são apenas 9% das vagas e 13,5% no Senado. Já nas Assembleias Legislativas, o percentual é de 12% das vagas. Além disso, no ranking mundial da representação parlamentar feminina, o Brasil está em 111º lugar, enquanto a Argentina está em 11º.

Qual o retrato da presença da mulher na sociedade brasileira e nos espaços de poder?
Em artigo na Revista Presença da Mulher nº 63, informa-se que há dados oficiais [IBGE/SEADE/DIEESE] dando conta de que as mulheres são 97 milhões no Brasil e representam 51,1% da população. Os percentuais também comprovam que avançaram para o mercado de trabalho, e atualmente 40% dos lares brasileiros são chefiados por mulheres, um crescimento de mais de 15% nos últimos dez anos e que elas desempenham papel fundamental para redução da miséria no país. Estes números traduzem uma mudança significativa no perfil da nossa sociedade, inclusive o demográfico, pois, devido à maior participação no mercado de trabalho, escolaridade, dentre outros fatores, caiu a taxa de fecundidade em 2010 para 1,89 filhos por mulher em idade reprodutiva. No tocante à igualdade de gênero, ainda as mulheres recebem menos que os trabalhadores e tramitam no Congresso Nacional alguns projetos de lei que propõem critérios e mecanismos para promoção da igualdade de oportunidade entre homens e mulheres no mundo do trabalho, defendidos pelas Centrais Sindicais e que a UBM defende.

Recentemente a UBM divulgou nota alertando para o avanço e propagação de ideias conservadoras que põem em risco as conquistas da mulher. A defesa do estado laico é urgente?
A definição, pela Constituição Federal de 1988, de que o Estado brasileiro é laico representou grande avanço para toda a sociedade e em particular para as mulheres. Apesar dessa definição constitucional, o caráter laico do Estado é frequentemente ameaçado, particularmente nos últimos meses, em que uma pauta conservadora, religiosa-fundamentalista, tem sido despejada sobre o Congresso Nacional.

O tema da laicidade do Estado tem sido incorporado na agenda das mulheres feministas com relação à autonomia e decisão das mulheres sobre seus direitos sexuais e reprodutivos, além da pauta dos movimentos LGBT com relação ao casamento, adoção de filhos e combate à homofobia. Diferente de países como o Irã ou o Vaticano, que seguem preceitos religiosos até mesmo na Constituição, o Brasil precisa continuar assegurando a laicidade do Estado.

Recentemente, os movimentos sociais saíram às ruas para repudiar o pensamento fundamentalista, preconceituoso e homofóbico do pastor-deputado Marco Feliciano, que preside a CDHM da Câmara Federal. A UBM soma-se a estes movimentos para a defesa e respeito aos direitos sexuais e reprodutivos, à liberdade religiosa, à pluralidade cultural, à igualdade racial, aos direitos das pessoas LGBTs e ao direito à memória e à verdade.

Como parte dessa ofensiva obscurantista, fundamentalista, apresenta-se o projeto 478/2007, o “Estatuto do Nascituro”, que se baseia na crença de que a vida humana tem início desde a concepção, ou seja, que um mero novelo com algumas células indiferenciadas já se definiria dentro da condição de “ser humano”, logo, seria portador de direitos, do mesmo status jurídico e moral de pessoas nascidas e vivas. Tal noção se embasa em dogma religioso, não em ciência, por isto afrontando a laicidade do Estado. Os movimentos feministas e de mulheres repudiam iniciativas como esta de cerceamento da liberdade das mulheres, que, na prática, entendem o corpo da mulher como propriedade de outrem e vem dos setores mais retrógrados da sociedade, inimigos dos direitos de cidadania das mulheres. Lutamos por mais liberdade de expressão, de organização e de manifestação, mais consciência de nosso papel na sociedade, para a ampliação da democracia e da liberdade.

Deborah Moreira
Da redação do Vermelho