Zapatistas: “Não roubarão nossas terras e riquezas naturais”

Reunidos em San Cristóbal, Chiapas, no Centro Indígena de Capacitação Integral (CIDECI) da Universidade da Terra, mais de 200 representantes indígenas provenientes de diversas localidades do México denunciaram, frente a um auditório cheio, os problemas e conflitos enfrentados por suas comunidades devido ao chamado “progresso” do capital.

Por Waldo Lao, para o Brasil de Fato

Mais de 200 representantes indígenas de diversas localidades do México denunciaram os problemas e conflitos enfrentados por suas comunidades devido ao “progresso” do capital/ Foto: Waldo Lao

Denunciaram, também, as diversas estratégias que o governo mexicano tem utilizado para tentar lhes calar e frear suas lutas, desde a prisão de seus líderes até a manipulação econômica.

Entre os dias 17 e 18 de agosto aconteceu a Cátedra “Tata Juan Chávez Alonso”, organizada pelo Congresso Nacional Indígena (CNI) e o Comitê Clandestino Revolucionário Indígena do Exército Zapatista de Liberação Nacional (CCRI-EZLN). A Cátedra também contou com a participação de alguns convidados latino-americanos, como guatemaltecos, colombianos e peruanos. Os participantes recordaram que a terra não é uma mercadoria, mas sim uma herança de vida, um lugar sagrado para os povos. Manifestaram-se pela defesa do território e dos recursos naturais.

Em breves participações, os delegados falaram sobre suas lutas e os problemas que enfrentam suas comunidades. Conforme as declarações eram feitas, ficava claro que, apesar das particularidades culturais de cada região e etnia, os problemas que enfrentavam eram comuns e o “inimigo” o mesmo: os chamados “projetos de morte”. Fazem menção aos cada vez mais frequentes projetos que não passam pela consulta de suas comunidades e que são impostos pelas empresas transnacionais, com vistas aos recursos existentes nas terras indígenas, como os megaprojetos hidrelétricos, eólicos, rodoviários e eco turísticos, assim como os danos que vêm causando os monocultivos, como a contaminação de seus solos e sementes.

Também enfatizaram os impactos da mineração a céu aberto, que tanto vem afetando os povos indígenas do continente, explorações que geram gigantescos lucros às empresas transnacionais às custas da contaminação do ecossistema das comunidades locais. Os participantes questionaram a lógica do progresso e do desenvolvimento imposta pelo capitalismo, defendendo a coletividade comunitária contra a individualidade proposta pelo sistema econômico, o “viver melhor” do governo pelo “viver bem” das comunidades.

Mencionaram os diversos mecanismos que o “mau governo” e “os de cima” têm utilizado para frear suas lutas, como a cooptação, as ameaças, as intimidações e mesmo os assassinatos dos líderes sociais. Destacaram, também, a estratégia da prisão dos líderes políticos das comunidades indígenas, aproveitando para exigir ao governo do México a imediata liberação do professor chiapaneco Alberto Patishtan Gómez, preso por sua militância política desde o ano 2000. Por outro lado, como forma de resistência, propuseram uma maior solidariedade entre os povos indígenas, bem como o fortalecimento de suas identidades, autonomias, tradições e soberania em torno de um projeto de descolonização das nações.

Ao término do evento, o comando do EZLN reiterou que todas as comunidades padecem dos mesmos problemas: a espoliação de suas terras e recursos. “Como povos originários, não deixaremos que roubem nossas terras e riquezas naturais”, disse a comandante zapatista Myriam, fazendo referência às treze demandas zapatistas para o povo mexicano (moradia, terra, trabalho, alimentação, saúde, educação, informação, cultura, independência, democracia, justiça, liberdade e paz). Para finalizar o evento, o comandante insurgente Tacho agradeceu a presença e a luta dos participantes, assim como aos companheiros que conformam a “Sexta” em México e a “Sexta Internacional”, aos companheiros dos meios alternativos que trabalharam no evento e aos que participaram do processo de formação intitulado “escolinha zapatista”.

A Cátedra aconteceu no primeiro fim de semana após o fim da experiência da “escolinha”, onde 1.700 alunos – entre intelectuais, artistas, ativistas e estudantes mexicanos e estrangeiros – compartilharam por cinco dias a vida nas comunidades rebeldes distribuídas ao redor dos cinco caracóis zapatistas. O curso, chamado “a liberdade segundo los Zapatistas”, buscou apresentar o cotidiano e processos de luta das comunidades rebeldes, como ,por exemplo: a lógica do “mandar-obedecendo”, a partir da qual os governos autônomos fazem na prática as decisões tomadas nas assembleias comunitárias; e o que os zapatistas chamam de “outro governo”, isto é, seu sistema de governo autônomo, que conta com sistemas autogeridos de educação, saúde, justiça e democracia. Nesta resistência comunitária onde a participação das mulheres é fundamental para complementar a luta, elas devem caminhar de igual para igual junto aos homens: “sem a participação das mulheres não é possível a construção de um outro mundo”, dizem os zapatistas.

Tradução e colaboração: Fábio Alkmin.