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Tinoco Luna: A mídia e a construção discursiva da realidade

Na Grécia clássica, berço da civilização e da sabedoria ocidental, contava-se o mito de Sísifo. Certo cidadão chamado Sísifo, depois de blasfemar contra os deuses foi condenado a fazer, pelo resto de sua vida, um trabalho cujo resultado era igual à zero: Ele foi obrigado a botar uma pedra enorme na cabeça e subir a montanha mais alta da pátria de Ulisses. 
Por Tinoco Luna*

Chegando lá encima, soltava a pedra e ficava olhando ela rolar até em baixo. Depois descia, colocava a pedra de novo na cabeça, subia montanha e fazia tudo de novo. Sua sentença foi fazer esse trabalho sem futuro pelo resto de seus dias. Pois bem, o artigo que ora escrevo para a Tribuna de Debates tenta fazer uma vinculação entre o mito grego e o estágio em que estamos no campo da luta de ideias, particularmente da batalha que se trava na mídia.

Nesses momentos que antecedem aos nossos últimos Congressos, como já é de praxe na cultura partidária que estamos construindo no PCdoB pós-legalidade, assiste-se a um rico debate de ideias, uma verdadeira demonstração do caráter democrático e revolucionário do Partido. Dos temas em pauta para o 13° Congresso, todos eles de indiscutível relevância, gostaria de chamar a atenção dos camaradas para um em particular: trata-se da necessidade que se coloca acerca de uma urgente reforma e consequente democratização da mídia, medida sem a qual ficaremos patinando indefinidamente, sem avançar na luta de ideias rumo ao socialismo e, na prática, fazendo trabalho de Sísifo.

A mídia, dados os avanços da tecnologia neste setor, joga papel central na acirrada luta de ideias e é instrumento de primeira linha, e decisivo, na conquista da hegemonia de classe. É certo que não abrimos mão do poder político, como reza nosso Programa Socialista, porém é bom não esquecer que o poder político sem hegemonia cultural fica sempre vulnerável a retrocessos. Ou não foi isso que aconteceu no leste europeu e nas primeiras experiências socialistas?

A mídia, como atividade que trabalha com o discurso, diga-se melhor com a linguagem no curso da história gerando sentido e interpretação, é insumo estratégico da cultura e, consequentemente, da formação das ideias. Michael Bakhtin, destacado filósofo marxista da linguagem, dizia com brilhante sapiência que “a palavra é uma arena onde se dá a luta de classes; um cadinho onde se forma e se reformam as ideologias”. Por seu turno, Michel Foucault, célebre intelectual francês da segunda metade do século 20, falava da existência de uma tal “ordem do discurso” em favor do poder constituído, um processo de exclusão e seleção criteriosa do que interessa ser dito ou silenciado; também pregou que o discurso é um “bem finito, desejável e útil”, em torno do qual se trava uma verdadeira batalha pela sua produção, posse e controle.

A própria noção de verdade e realidade são construídas pelo discurso e, para efeito de nosso artigo, podemos afirmar que a mídia, historicamente inserida na ordem do discurso (burguês, claro), é quem discursivamente constrói essa verdade e essa realidade, naturalmente obedecendo a critérios de poder econômico e de hegemonia cultural. A realidade não nos chega diretamente, pois não é possível ter acesso direto aos fatos, fenômenos e objetos do mundo, logo toda a realidade que nos chega se apresenta semioticamente (por meio de símbolos e signos) e mediada pela linguagem. Sendo assim, os discursos, constantemente, dialogam com outros discursos para construir a realidade em que vivemos. Nessa perspectiva é possível afirmar que o discurso é o elemento fundante do homem moderno / contemporâneo, pois, não há qualquer atitude humana que não esteja de um modo ou de outro, articulada a uma prática discursiva. A diferença entre o verdadeiro e o falso, em essência não existe, sendo muito mais uma questão de construção discursiva, aliada a um processo de exclusão de caráter histórico.

Que o maior partido de direita no Brasil é a mídia, disso não se tem dúvidas. A coisa piora quando constatamos que se trata de um partido que não precisa de voto para estar no poder e que é isento de qualquer alternância ou controle social. Os efeitos dessa constatação são catastróficos para a luta progressista no campo das ideias. A forma como a mídia trata o mensalão e o escândalo do metrô paulista, só para citar dois casos emblemáticos, é reveladora da ação nociva que a mídia exerce sobre a consciência coletiva. Enquanto o mensalão, um evento para o qual não se tem provas materiais, se transformou no “maior escândalo da história do país” (com aspas) e na maior campanha difamatória contra a esquerda em todos os tempos; já o propinoduto tucano, este sim, sem aspas, maior escândalo da história, é chamado de cartel; na prática é a linguagem sendo utilizada pela mídia como um atenuante semântico-discursivo para limpar a barra do Psdb e da direita brasileira.

Aproveitando os debates para o 13° Congresso fazemos aqui uma convocação: Os parlamentares comunistas, os intelectuais, a CTB, o movimento estudantil, de juventude e de mulheres, a imprensa partidárias e enfim, todas as forças vivas do Partido precisam fazer um pacto por um esforço permanente e diuturno para aprovarmos a reforma da mídia e uma Lei democrática para regulação dos meios de comunicação de massa.

Sem essa reforma na estrutura do sistema midiático ficaremos a patinar indefinidamente na estratégica luta de ideias. Precisamos sim subir a montanha, não para fazer trabalho de Sísifo, mas para colocar bem no alto a bandeira vermelha do socialismo e da revolução. A propósito, devemos voltar a falar em revolução nos nossos discursos… Não podemos esquecer que são as práticas discursivas que constroem a realidade.

*Titulo Original: A mídia e a construção discursiva da realidade: A luta de ideias não pode ser um trabalho de Sísifo.

* Por Tinoco Luna é Presidente do PCdoB em Aracati-CE.