Policiais que mataram Amarildo torturaram outros 22 na Rocinha

De acordo com declarações do delegado Rivaldo Barbosa, da DH (Divisão de Homicídios) do Rio de Janeiro, feitas nesta sexta-feira (4), os dez PMs denunciados à Justiça pelo desaparecimento e morte do pedreiro Amarildo de Souza, na favela da Rocinha (zona sul), em 14 de julho, podem estar envolvidos em outros 22 casos de tortura na comunidade.

Moradores da favela da Rocinha, zona sul do Rio de Janeiro, fizeram protesto para marcar os 30 dias do desaparecimento do pedreiro Amarildo Dias de Souza, que sumiu após ser levado por policiais da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) da Rocinha Foto: Armando Paiva-Fotoarena-Estadão

De acordo com o delegado, que coordena a investigação, a polícia ouviu pelo menos 22 pessoas que se disseram vítimas de tortura de policiais da UPP da Rocinha, de março a julho deste ano, para revelar detalhes do esquema do tráfico de drogas no local. Todas as 22 testemunhas narraram mecanismos de tortura e apontaram homens comandados pelo major Edson Santos (ex-comandante da UPP afastado no mês passado após ser denunciado pelo caso Amarildo) como agressores. Pela linha de investigação da polícia, Amarildo seria a 23ª vítima do grupo — e a única que foi morta.

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Em depoimento, testemunhas relataram os tipos de agressões a que eram submetidas: asfixia com saco plástico, choque elétrico com corpo molhado, introdução de objetos nas partes íntimas e até ingestão de cera líquida eram alguns dos "castigos" aplicados aos moradores da Rocinha, dentro e fora das dependências da UPP — alguns depoimentos falam em sessões de tortura em becos da comunidade.

Operação Paz Armada

Durante uma entrevista coletiva que se estendeu por mais de uma hora, o delegado Rivaldo Barbosa reconstituiu em detalhes os últimos momentos de Amarildo, baseado nos 133 depoimentos que resultaram em um inquérito de 2000 páginas.

No domingo, 14 de julho, data do desaparecimento de Amarildo, estava em curso a “Operação Paz Armada” da Polícia Militar com o objetivo de prender traficantes e obter informações sobre armas e drogas dentro da comunidade.

O promotor Homero de Freitas destacou que o major Edson, “inconformado com o fracasso da operação determinou aos demais policiais envolvidos no caso que localizassem e trouxessem para a UPP pessoas que fossem ligadas ao tráfico, com a finalidade de extrair informações sobre a localização das armas e drogas”.

Para o promotor, as investigações mostram que – desde o início da gestão do major Edson-, pessoas da comunidade vinham sendo sequestradas e torturadas pelos PMs acusados e por outros policiais ainda não identificados, com a intenção de fornecerem informações sobre o tráfico de entorpecentes na favela.

Caso Amarildo

Um informante, que colaborava com o PM Douglas Vital, um dos policiais da UPP na favela, relatou ter ouvido uma conversa entre Amarildo e um traficante. "Nós chegamos a esse informante. Ele ouviu o Amarildo dizer a um traficante que não queria mais ficar com a chave do paiol de armas".

De acordo com o delegado, o informante revelou detalhes das conversas telefônicas que teve com Vital, onde indicou a localização de Amarildo para que os policiais da UPP pudessem prendê-lo. Os policiais têm os registros com os horários exatos das ligações entre o informante e Vital naquele dia 14 de julho.

"Às 18h59m, o soldado Douglas Vital já estava posicionado no bar (próximo à casa de Amarildo) e ligou para o informante para saber onde ele estava. O informante disse que Amarildo já estava a caminho", relatou a delegada Ellen Souto, da Divisão de Homicídios, que também participou da investigação.

Ao se aproximar do bar, Amarildo foi o único a ser abordado. Ao vê-lo, Vital teria dito: "Boi, documento!" Boi era o apelido de Amarildo. Do bar, ele seguiu em direção ao Centro de Comando e Controle (CCC) da UPP. No caminho, segundo a investigação, outra testemunha teria ouvido o soldado Douglas Vital dizer ao morador: "Boi, perdeu. Chegou a tua hora."

Do CCC, Amarildo foi levado pelos policiais ao encontro do major Edson Santos na sede da UPP, situada na parte mais elevada da Rocinha. Foi o lugar onde Amarildo teria sido torturado, segundo concluíram os investigadores da Divisão de Homicídios.

Nos depoimentos, os policiais indiciados apresentaram a mesma versão: na sede da UPP, eles perceberam que não havia razão para deter o morador, que acabou liberado e seguiu para casa descendo por um escadão existente perto do posto policial.

Uma das 84 câmeras de monitoramento espalhadas pela Rocinha estava direcionada para este mesmo escadão, e não houve registro da passagem de Amarildo pelo local.

"Descobrimos que os policiais indiciados não sabiam da existência desta câmera no escadão. Por isso, eles criaram a tese de que Amarildo teria usado este caminho para voltar para casa", acrescentou Ellen Souto.

O inquérito não esclarece qual teria sido o destino do corpo de Amarildo. Os investigadores informaram que oito cadáveres encontrados em todo o Estado do Rio estão sendo periciados com o objetivo de checar se entre eles estaria o morador da Rocinha.

Com informações da Folha online