Sem categoria

Elias Jabbour: Sobre divergências e convergências

O trato das divergências e convergências no seio do nosso movimento e Partido é uma dos traços que nos diferencia das demais forças políticas. O conteúdo da mais de uma centena de artigos publicados neste espaço dá margem a esta constatação.
Por Elias Marco Khalil Jabbour*

Devemos ir mais fundo neste trato, tanto às divergências quanto com relação às convergências. Devemos saudar aqueles que expõem seu pensamento. Isso é ótimo, ainda mais num mundo onde o espírito de autopreservação é uma de suas maiores mazelas.

Sou daqueles que acreditam que o marxismo-leninismo é uma poderosa ferramenta à compreensão da realidade. Mas também acho que o marxismo-leninismo pode ser também – partindo de frases altissonantes e verborragia excessiva –, ser instrumento à sedimentação de visões de mundo estranhas e anticientíficas. Pode se tornar um grande refúgio diante da necessidade de se compreender realidades tão complexas e diversas como a brasileira. Sempre bom lembrar que a própria CIA é capaz de criar tantos marxismos-leninismos do que, segundo Jesus, o Padre Eterno podia suscitar de filhos de Abraão.

A busca por frases prontas e citações desconexas e escritas por pensadores que nunca escreveram uma única linha sobre o Brasil é prova de que se o leninismo não for contemporâneo ele corre o risco de se tornar algo arcaico e completamente sem sentido. Um instrumento a serviço de uma seita, daí não ser incomum muitos se referir ao marxismo-leninismo como uma “doutrina”, o que é péssimo – diga-se de passagem. Não será arcaico e atrasado um marxismo-leninismo que não sirva para interpretar as leis gerais do processo de desenvolvimento de uma formação social complexa como a brasileira, indicando caminhos à construção do socialismo num país com as nossas características? Neste aspecto fico com o marxismo-leninismo produzido por Ignacio Rangel em detrimento do marxismo-leninismo produzido em Atenas com tanto eco por aqui.

O que determinado marxismo-leninismo tem a dizer sobre um país onde o neto de Maria, a Louca proclamou nossa independência e um estancieiro foi o grande artífice de nossa industrialização? O que determinado marxismo-leninismo tem a dizer da lei econômica fundamental de uma formação social complexa fruto da interação entre as leis econômicas internas com as leis emanadas do centro do sistema capitalista? Como esse emaranhado histórico-conjuntural reflete no concreto, ou seja, como elaborar estratégia e tática para alcançar o poder num país como o Brasil? Infelizmente, não observo determinado marxismo-leninismo pronto a responder a nenhuma destas questões, limitando-se a uma análise pobre do fenômeno do imperialismo com uma visão tacanha e torpe da lei do desenvolvimento desigual e combinado. Inclusive, com uma visão da crise financeira semelhante a que levou Stálin a mandar Kondratiev para a Sibéria: para Stálin, a crise de 1929 era a “crise final”, para Kondratiev, mais um fenômeno cíclico. Kondratiev desapareceu e o capitalismo superou mais aquela, assim como – felizmente ou infelizmente – poderá superar mais essa.

Daí o esforço descomunal que o PCdoB faz desde 1992 para compreender como as coisas funcionam num país, que conforme Tom Jobim, “não é para amadores”. Acertamos e erramos. Porém, no geral, acertamos e obtivemos muito êxito nesta empreitada.

Por fim, compreendo e reforço as preocupações acerca da provável subestimação, pelo Partido, do trabalho mais centrado na classe trabalhadora. Porém, devemos ter uma visão mais ampla do problema. Se existe subestimação do papel e do nosso trabalho na classe trabalhadora, que seja objeto de discussão, encaminhamentos e, sobretudo prática. Inclusive de nossos sindicalistas, alguns deles tão distantes da classe trabalhadora quanto um burocrata do governo federal e tão institucionalizados quanto qualquer parlamentar, inclusive com seus próprios planos de carreira e completamente avessos a qualquer renovação. Mas não é essa a questão.

Vejo a questão da institucionalidade não pelo problema em si e sim pelo fato de não aproveitarmos todas as possibilidades abertas pela frente institucional. Vejo esta frente como prioritária num país onde eleições ocorrem a cada dois anos. Vejo a frente do movimento dos trabalhadores como prioritária para um partido em busca constante de base social para a transformação. E vejo a frente do debate de ideias também prioritária para um partido que quer disputar os rumos estratégicos do nosso país. Em todas essas frentes, que se entrelaçam, creio haver – ao contrário do que muitos acham – uma visão pequena da frente institucional tendo em vista, como já disse as amplas possibilidades abertas pela própria frente institucional. Não devemos ter medo desta frente. Devemos enxergar as coisas com mais consequência e visão estratégica.

Não somos institucionalistas, obreristas nem tampouco “intelectuais” diletantes. Somos comunistas e acreditamos que a contradição é o motor do processo. Bom sinal a da existência de problemas e contradições. Devemos ter uma postura menos medrosa, menos dramática e menos passional com relação determinada gama de contradições. Na ponta dos acontecimentos são essas contradições que fazem o processo andar adiante.

Meio estranho, para quem advoga o marxismo-leninismo como uma doutrina e – e logo – uma profissão de fé, a forma de expressar determinados problemas. Nem o mundo vai acabar com essa crise financeira, nem tampouco devemos ter medo da vida real. O medo da contradição é mais uma prova de que determinado marxismo-leninismo não está à altura dos acontecimentos. Devemos ter uma postura tão leninista quanto à de Lênin em 1918 e em 1921. Tão leninista quanto o Mao Tsétung de 1935, assim como Deng Xiaoping de 1978. Lembro-me de João Amazonas e sua coragem expressada em 1992. Nenhum deles vociferava. Apenas agiam e pensavam sem medo do mundo real.

Seria uma atitude revisionista (na versão pós 20º Congresso do PCUS) termos uma atitude contemporânea com relação a essa gente, inclusive como sinal de profundo respeito ao seu legado revolucionário?

* Elias Marco Khalil Jabbour é membro da Comissão Auxiliar da Presidência Nacional do PCdoB e professor da Escola Nacional.