Marina Silva, um “novo” conservador e tradicional

Na entrevista ao “Roda Viva”, na TV Cultura/SP, nesta segunda-feira (21), Marina repete velhos chavões, que apresenta como o “novo”. E se diz preocupada com a presença de estatais chinesas, junto com a Petrobras, no campo de Libra. Para ela, o melhor seria a presença de petroleiras privadas!

Por José Carlos Ruy

Marina Silva

A ex-ministra e ex-senadora Marina Silva (PSB/Rede) tem feito um esforço notável para se apresentar como o “novo” na política brasileira. E os palcos onde ela manifesta essa disposição têm se multiplicado desde 5 de outubro, quando anunciou sua filiação ao Partido Socialista Brasileiro. O mais recente deles foi o tradicional “Roda Viva”, programa de entrevistas da TV Cultura, de São Paulo, onde ela foi entrevistada nesta segunda-feira (21).

O palco era apropriado. Sob a batuta do blogueiro de Veja, Augusto Nunes, foi reunida uma equipe de jornalistas entrevistadores que pode ser vista como amplamente favorável à entrevistada Marina Silva – com exceção da editora de Política do jornal Valor Econômico, Maria Cristina Fernandes, a única que, naquela equipe de entrevistadores, fez corretamente seu papel e formulou questões que trouxeram dificuldades para as respostas da ex-ministra (que acrescentou mais um ex à lista que já exibe, garantindo que não é candidata à Presidência da República).

Que novidade Marina Silva representa?

Onde está a novidade representada por Marina Silva? Não ficou claro, como não tem ficado desde que ela botou o pé na estrada em sua luta contra os governos Lula e Dilma, apresentando-se como uma continuadora dos legados de Fernando Henrique Cardoso e dos governos democráticos e populares. Ela tenta conciliar o inconciliável: as heranças antagônicas desses governos. A dos tucanos, diz, trouxe a estabilidade econômica; Lula e Dilma trouxeram a inclusão social. Estes legados se completam, pensa ela, e precisam ser preservados e completados com a outra dimensão que ela agrega, a chamada “sustentabilidade”.

Em apoio ao seu projeto extravagante, ela repete a tese de que a sociedade brasileira “tem um fastio” com a polarização PSDB e PT. E ela própria entra como um terceiro elemento neste cenário polarizado. Terceiro elemento que foge da política como ela é feita – e esta seria a novidade representada por ela.

Pregou o esvaziamento dos partidos políticos. Está “surgindo um novo sujeito político”, sem as características “das décadas de 1980 e 1990”, que levaram à estagnação que envolve PT e PSDB e é personagem de um novo ativismo desligado dos partidos ou sindicatos. Ele foi às ruas em junho, e os partidos não conseguiram fazer uma ponte com este novo ativismo.

O "terceiro elemento" que ela quer representar é marcado, na política, pela recusa dos partidos e, na economia, por um conservadorismo que diz ser possível juntar crescimento econômico e distribuição de renda em um programa neoliberal que, por definição, é excludente!

"Meu sonho não é a Presidência da República"

Sobre sua candidatura à sucessão de Dilma Rousseff ela foi, surpreendentemente, comedida. Garantiu que seu objetivo é debater ideias e projetos, e não encabeçar uma chapa em 2014. Foi clara: “o sonho da minha vida não é ser presidente da República”. Disse também que sua filiação ao PSB foi uma espécie de chancela a uma aliança programática, e que sua conversa com o governador Eduardo Campos, de Pernambuco, partiu “do princípio de que o PSB tem uma candidatura”. Agora, disse, é hora de viabilizar o programa e “esquecer a lógica puramente eleitoral”.

Talvez a saia mais justa enfrentada no “Roda Viva” tenha vindo com a pergunta de Maria Cristina Fernandes sobre a relação entre a Previdência Social e a política de valorização do salário mínimo. A senhora pretende alterar esta política?, perguntou a jornalista. Marina escorregou, incomodada, na resposta. Alegou que a Rede ainda não discutiu a questão, disse ser preciso encarar as reformas… Que a discussão ainda não foi feita dentro da Rede… "não tenho ainda a minha reforma da Previdência”. E concluiu, depois de vacilar bastante: a Previdência não pode continuar com o mesmo peso que tem hoje sob pena de mais à frente pagar um preço muito alto. E trouxe de volta a trilha sonora preferida dos conservadores e neoliberais…

Campo de Libra: preocupação com os chineses

Marina admite que o petróleo ainda é a grande fonte de energia no mundo (os combustíveis sólidos: petróleo, carvão e gás). Infelizmente ainda é um mal necessário, disse.

Mas ela tem dúvida em relação ao pré-sal, e o centro da dúvida – pasmem! – não é principalmente a questão ambiental, mas a natureza do leilão. Só um consórcio? – perguntou, fazendo eco aos comentaristas conservadores que viram um sinal de fracasso do leilão no afastamento das petroleiras norte-americanas.

Marina acenou com a ameaça ambiental lembrando o grave acidente ocorrido em 2010, com o vazamento em uma plataforma da British Petroleum (BP) no Golfo do México. Mas a grande preocupação dela ainda não era esta, e sim a participação de estatais no leilão de Libra.

Atrair investidores estrangeiros, sim, disse Marina. Mas privados. “Vi com preocupação a participação chinesa”, disse. Ante o questionamento sobre o tipo de problema representado pela presença de estatais chinesas, Marina Silva fez uma defesa enfática da entrega do petróleo às empresas privadas estrangeiras. “A gente pode e é desejável atrair o capital privado”, dizendo inclusive que isso poderia ser uma vantagem na arrecadação de recursos para a educação! Mas estatal, não! “Você está interagindo com uma empresa estatal, a não com uma empresa”. Na qual, pensa, é o Estado chinês que atua “fazendo exploração com a Petrobras”. Você vai ter ali a relação governo a governo, numa lógica que “precisa ser melhor entendida”. E, de novo, acentua as “qualidades” da empresa privada.

Não sou criacionista, mas Deus criou Darwin…

Houve também o lado folclórico, nunca dispensado numa conversa com Marina Silva. Tratam-se de questões sobre homossexualismo, casamento gay, pesquisas com células-tronco embrionárias (declarou aceitar estas pesquisas com células-tronco adultas), criacionismo… Duas posições da entrevistada se destacam. Ela reconhece que as pessoas devem ter tratamento igual mas “quando se fala em casamento, evoco o sacramento”. E, nesta condição não aceita o casamento gay, embora o admita como direito civil. Mas a pérola veio quando falou sobre criacionismo. Não sou criacionista, disse. E declarou acreditar que Deus criou todas as coisas, inclusive a grande contribuição que foi dada por Darwin!

Crescimento econômico: sem fórmula, com atitude

Sobre a promoção do crescimento, diz não existir fórmula, “mas atitude”. E aqui retorna à cantilena conservadora: recuperar a capacidade de investimento, ganhar a confiança e a credibilidade dos investidores (perdidas, acredita, em função da inflação e da fragilização do tripé); investir na infraestrutura física e humana. Mas, disse, numa crítica direta à ação do governo, não adianta ficar criando incentivos artificiais!

Marina Silva é uma mestra em palavras genéricas, em usar expressões vistosas para esconder o que pensa. Suas palavras só se aproximam da realidade quando se referem aos interesses do grande capital, dos grandes investidores. Diz, por exemplo, ser preciso adquirir a confiança deles para que haja investimento e crescimento com qualidade, que permitam a geração dos meios para distribuir renda e promover a inclusão social. É diminuir o gasto, o mesmo discurso que prevaleceu com Fernando Henrique Cardoso e o PSDB, e que está fazendo água na crise econômica, que empobrece o povo e os trabalhadores, e que afeta hoje os EUA e a União Europeia. Mesmo assim ela repete estes velhos e carcomidos slogans conservadores a respeito da dívida pública: é preciso, diz, dar eficiência ao gasto público. Isto é, diminuir os gastos do governo em investimentos e nas áreas sociais, e pagar montanhas de juros aos especuladores. Neste ponto, ela deixou escapar um tom crítico em relação ao Bolsa Família.

Marina Silva não é evasiva quando aborda temas que agradam aos ouvidos conservadores e neoliberais (como os de seu conselheiro econômico, o economista Eduardo Gianetti da Fonseca). E defende teses caras a eles quando, por exemplo, se esbalda ao falar dos “erros” que vêm sendo cometidos pelo governo, inclusive – diz – prejudicando os meios que permitiram a estabilidade econômica.

Basta ler nos jornalões os comentaristas ligados à especulação financeira para se perceber a natureza desses alegados “erros” – a virada desenvolvimentista representada por Lula e Dilma e os sinais de ultrapassagem do tripé neoliberal formado por superávit primário / metas de inflação / câmbio flutuante. Esse dogma da política econômica conservadora e neoliberal também faz parte do evangelho pelo qual ora Marina Silva.

Um “novo” conservador e tradicional

Marina Silva é a recente versão do que há de mais tradicional e conservador na política da classe dominante brasileira.

A história tem exemplos desse tipo de “novo”; Jânio Quadros, há mais de cinquenta anos, surgiu como uma espécie de alternativa aos partidos e aos políticos; ele bateu de frente com o Congresso Nacional e renunciou melancolicamente sete meses depois de assumir a Presidência da República.

Era em tudo parecido com Marina. Na política, rejeitava os partidos e acusava o Congresso Nacional de chantageá-lo (Marina repetiu esse argumento no programa Jô Soares, dia 15, dizendo que Dilma é chantageada pelo Congresso!). Na economia, defendia o mesmo velho e fracassado programa conservador: contenção nos gastos públicos, pagamento de juros, enxugamento da máquina do Estado.

No ocaso da ditadura militar, outra versão “jovem”, “apolítica” e economicamente conservadora surgiu na figura de Fernando Collor. Durou pouco…

São tábuas de salvação usadas por velhos e anquilosados interesses de classe, colonialistas, subordinados ao imperialismo, ligados ao setor financeiro, anti-industrialistas, que sempre criaram obstáculos ao desenvolvimento econômico e ao avanço da democracia no Brasil.

São os mesmos interesses que, agora, se amontoam atrás da figura de Marina Silva, que cumpre o papel de um novo Jânio. Agora, de saia.