Joseh Silva: Pra eles [PM], qualquer fato é motivo para agressão
Diante do tratamento histórico da policia para com o povo, sobretudo com o de periferia, não é difícil entender o porque jovens espancaram o tenente coronel na manifestação que aconteceu na última sexta-feira, 25.
Por Joseh Silva*, Carta Capital
Publicado 28/10/2013 16:44
A primeira agressão policial que vi, eu tinha por volta de 8 anos. Era um sábado. O Sol estava forte e o céu azul. A quebrada permanecia agitada: sobe e desce de moto, crianças ocupando as ruas e vielas, a juventude tomando cerveja e sorrindo. Mães desciam com as compras do mercadinho ou da feira. Era um dia comum. Tudo normal.
Tudo normal, até as viaturas subindo e descendo. No entanto, no final da tarde, uma dessas decidiu parar para fazer as tais abordagens de rotina. “Vai, ladrão. Todo mundo pra parede, anda”. Gritava o policial. A ordem foi imediatamente obedecida por a maioria, menos por Fagner, menino que tinha algum tipo de déficit de atenção.
O policial não perdoou. “Vai seu bosta, levanta”. Pegou Fagner pelo pescoço e jogou contra a viatura e começou a bater a cabeça dele no vidro. O primo dele, que também estava de frente para a parede e de mãos nas costas, tentou argumentar: “Senhor, ele tem problema de cabeça, por isso não levantou”. Todos ouviram o que ele disse, menos o policial, que continuou agredindo o menino.
No final, depois de tanto apanhar, Fagner tem trauma de policia. Quando ver uma viatura ou um homem de farda, procura se esconder ou se proteger atrás de alguém.
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Estávamos indo jogar futebol, eu meu irmão e mais um amigo. Este era o mais negrão de todos. Descíamos pelos becos conversando como seria o jogo, e de repente estávamos de frente com quatro policias. “Vai, porra, encosta ai”, sussurrou o policia. Ficamos em estado de choque, paralisados com aquelas armas apontadas para nós. “Vocês vão pra onde?”, perguntou. “Vamos jogar bola ali na quadra da escola”, respondemos. “Jogar bola, porra nenhuma, vocês indo é na ‘biqueira’. Vai, cadê o dinheiro”, falou o PM. “Não, é verdade, estamos indo jogar bola”, falei.
O policial sentenciou: “ai deixa os dois mais claros sair fora, vamos segurar este neguinho ai. Se não acharmos nada, levamos ele”. Saímos, mas não fomos mais para quadra, paramos na casa de uma vizinha que nos acolheu com afeto e água com açúcar. Depois, encontramos nosso parceiro. “E ai, mano, os cara te zuaram?”, questionamos. “Falaram um monte pra mim, disseram que iam forjar e me deram vários tapas”. Escutamos calados. Não tínhamos pra quem recorrer. A não ser, nossos lares.
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Se um policial cismar com você – pobre, negro e favelado, ele vai te bater. Se ele te encontrar numa viela sozinho na madrugada, ele vai te espancar. Como fizeram com o Chacal. Bateram tanto, durante várias horas, que deixaram ele desacordado e ninguém podia socorrer. Era o exemplo. Quando eles passam, nem tente olhar, pois eles vão descer da viatura e a agressão vai acontecer. Se você não atender tudo que eles querem, eles vão te matar. E ponto.
No meio da “guerra contra o tráfico”, que se instala nas favelas e não nas fronteiras, muito jovem e pai de família estão morrendo, sofrendo, entretanto, o trabalhador não tem parcela nenhum nesta divida, e é o que acaba pagando a conta.
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Diante do tratamento histórico da policia para com o povo, sobretudo com o de periferia, não é difícil entender o porque jovens espancaram o tenente coronel na manifestação que aconteceu na última sexta-feira, 25. Há muito ódio acumulado. Em alguns casos há gerações. Ninguém quer viver tomando tapa no rosto, sendo espancado, humilhado e morto, só por conta da cor da sua pele ou pela região onde mora.
Cada um se rebela da forma que acha mais conveniente, de acordo com o seu entendimento. Ações que talvez traga mais “luz” para sociedade de “trevas” que vivemos. Uns quebram e queimam, outros ocupam terras por moradia, alguns querem só tomar sua cerveja, muitos organizam Saraus e eventos culturais nas quebradas (importante manifestação que acontece há anos). Aqui, cada Zumbi encontro o seu quilombo. Isso não é resistência, é sobrevivência.
Antes de sermos policias ou cidadãos, somos pessoas, povo, trabalhadores, mas o estado coloca suas necessidades e interesses no jogo e faz com que continuemos a nos matar. Os únicos imunes, são eles.
* Jornalista, Joseh escreve sobre o universo da periferia