Arthur de Paula: Carta a Calucho, o combatente 

Morreu na madrugada desta quarta-feira (30), em Salvador, o economista Carlos Olímpio Martins de Carvalho, mais conhecido como Calucho, integrante do PCdoB-Bahia. Ele enfrentava um câncer e estava internado no Hospital Aliança, localizado no bairro do Rio Vermelho. Seu camarada, Arthur de Paula* envia uma Carta ao amigo de longos anos e o Portal Vermelho, em homenagem, publica abaixo:

Meu velho camarada:

Acabo de saber que você está no Hospital, sendo consumido por um câncer. Logo você que sempre foi risada pura, alegria de viver! Quantas pessoas merecem este fim e ficam a desfilar como se importantes e invencíveis fossem, enquanto você, um combatente da causa comunista morre indefeso num leito de hospital.

A notícia de seu estado terminal me fez por e-mail pedir para Haroldo Lima me confirmar a informação. Em seguida conversei com sua irmã Diude que me pôs a par de tudo. Que horror!
A última vez que conversamos você estava exultante de felicidade com o advento do nascimento de sua neta, filha de Bruno. Netos são assim, nos enchem de alegria, esperança, renovam nossa existência, nossos sonhos.

Mas Calucho, você me fez e faz assistir a um filme mental sobre nossas vidas, nossas militâncias, nossa amizade “inquebrantável” como você fazia questão de afirmar. Voltei aos tempos em que nos conhecemos e nos unimos numa empreitada para nós da maior relevância. Os tempos de “tribuneiro”, da saudosa “Tribuna Operária”. Eu saído dos cárceres da ditadura, você saído diplomado da Faculdade de Economia da UFBA. Assumimos juntos a missão de por em circulação na Bahia o jornal do PCdoB. Esperávamos ansiosos as sextas-feiras para ir ao Aeroporto buscar a edição do jornal e colocá-lo em circulação em Salvador e no interior da Bahia. Quando o “numero zero” chegou foi uma farra comemorativa na casa de Coió, no Garcia, em companhia do nosso velho timoneiro Diógenes Arruda. Depois, o Deputado Elquisson Soares os emprestou sua sala para iniciarmos a organização e distribuição do jornal.

Nossos sábados não tinham fim. Recebíamos dezenas de ativistas, a cada um estragávamos um lote de exemplares e saímos a pé, cidade alta e cidade baixa, até chegarmos a certas partes da periferia, colocando o jornal nas bancas. No fim do dia voltávamos a nos encontrar, estropiados, cansados, mas entusiasmados. Dávamos o balanço de nossa jornada que crescia a cada dia, cada edição até que chegamos aos nove mil exemplares por edição. E assim passamos cinco longos anos!

A repressão política não nos dava trégua, iam para nossa Sucursal, aboletavam-se lá e um de nós, com ajuda dos tribuneiros, driblavam. Mandávamos outras pessoas buscarem o jornal e levar a outro local. Veio à onda fascista de queimar bancas e nós demos a resposta. Veio o “quebra-quebra” de ônibus contra o aumento dado pelo Prefeito Mario Kertz. Uma jornada inesquecível liderada pelo MCC- Movimento Contra a Carestia e lá estávamos nós.

Meu camarada: se formos relembrar tudo que fizemos… Certamente faríamos tudo novamente e com muito mais força, dedicação, determinação e maturidade política e ideológica. Hoje os tempos são outros, os discursos, a militância também.

Com sua morte Calucho, morre parte nossa experiência, perdem seus filhos, seus netos, sua companheira, Guto e suas irmãs. Perde a Publicidade, o magistério, o PCdoB, a Bahia e o Brasil. Você fará muita falta a todos que tiveram a oportunidade de lhe conhecer e conviver com você.
Eu, enlutado, lhe rendo homenagens e afirmo que amizade e lealdade como a sua hoje é muito raro.

Que as bandeiras vermelhas se inclinem em honra de sua memória!

*Arthur de Paula foi dirigente do PCdoB da Bahia e membro do Comitê Central.