Thierry Meyssan: Mandela e Israel

Os ocidentais choram a morte de Nelson Mandela, com mais tristeza que a manifestada a propósito pelos Africanos. Este luto é uma maneira de saldar a ideologia colonial e seus crimes. Mais é incompreensível que esta torrente de homenagens mantenha o impasse sobre a persistência de um Estado racista, historicamente fundado como a África do Sul, segundo a visão do mundo de Cecil Rhodes, o teórico do "imperialismo germânico". Resta seguir o exemplo de Mandela.

Por Thierry Meyssan, no Rede Voltaire

A obra de Nelson Mandela é celebrada, por todo o lado no mundo, por ocasião da sua morte. Mas de que serve o seu exemplo se aceitamos que perdure em um Estado — Israel— a ideologia racial que ele venceu na África do Sul?

O sionismo não é um fruto do judaísmo, que lhe foi longa e ferozmente oposto. É um projeto imperialista nascido da ideologia puritana britânica. No século 17, Lorde Cromwell derrubou a monarquia inglesa e proclamou a República. Ele instaurou uma sociedade igualitária, e entendeu estender tanto quanto possível o poder do seu país. Para isso, ele esperava estabelecer uma aliança com a diáspora judia que se tornaria a guarda avançada do imperialismo britânico. Ele autorizou pois o retorno dos judeus à Inglaterra, donde tinham sido expulsos quatrocentos anos antes, e anunciou que criaria um Estado judeu, Israel. No entanto ele morreu sem ter conseguido convencer os judeus a juntarem-se ao seu projeto.

O império britânico não cessou, após isso, de solicitar a diáspora judia e de propor a criação de um Estado judeu, como fez Benjamin Disraeli, Primeiro-ministro da rainha Vitória na conferência de Berlim (1884). As coisas mudaram com o teórico do imperialismo britânico, o "muito honorável" Cecil Rhodes —o fundador da diamantífera De Beers e da Rodésia—, que encontrou em Theodor Herzl o lobista que lhe convinha. Os dois homens trocaram uma extensa correspondência, cuja reprodução foi interditada pela Coroa na ocasião do centenário da morte de Rhodes. O mundo deveria ser dominado pela "raça germânica" (quer dizer, segundo eles, além de os alemães, pelos Britânicos, Irlandeses incluídos, os Norte-Americanos e Canadenses (incluídos assim os Australianos, Neo-Zelandeses e os Sul-Africanos), que deveriam estender o seu império conquistando, para isso, novos territórios com a ajuda dos judeus.

Theodor Hertzl foi, não sómente, capaz de convencer a diáspora judaica a aliar-se a este projeto, como virou a opinião da sua comunidade, usando para tal os seus mitos bíblicos. O Estado judaico não seria estabelecido sobre uma terra virgem, em Uganda ou na Argentina, mas sim na Palestina com Jerusalém como capital. De tal modo que o atual Estado de Israel é, ao mesmo tempo, o filho do imperialismo e do judaísmo.

Israel, desde a sua proclamação unilateral, virou-se para a África do Sul e Rodésia, únicos Estados, juntamente consigo, a arvorar o colonialismo de Rhodes. Pouco importa desde este ponto de vista que os Afrikaners tenham apoiado o nazismo, eles alimentavam-se da mesma visão do mundo. Embora só em 1976 o Primeiro-ministro John Vorster tenha visitado oficialmente a Palestina ocupada, desde 1953 que a Assembleia Geral das Nações Unidas condenava "a aliança entre o racismo sul-africano e o sionismo". Os dois Estados trabalharam, em estreita colaboração, tanto em matéria de manipulação das mídias ocidentais, como de transportes para contornar os embargos, como ainda para desenvolver a bomba atômica.

O exemplo de Nelson Mandela mostra que é possível a ultrapassagem desta ideologia e de atingir a paz civil. Hoje em dia o único herdeiro, no mundo, do imperialismo segundo a cartilha de Cecil Rhodes é Israel. A paz civil supõe que israelenses e palestinos encontrem quer o seu De Klerk quer o seu Mandela.

*Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación (Monte Ávila Editores, 2008).